sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Putin prepara reforma constitucional


                 
        Não, caro leitor, não se trata de erro tipográfico. Descortinando a trajetória política de gospodin Vladimir Putin essa reforma - e a biografia do presidente russo nos ajuda a melhor entender essa nova "reforma" como provavelmente a última na sua vida política, dadas as limitações atuariais a que a espécie humana está submetida.
          Se o elemento surpresa estará sempre presente com este burocrata autoritário - em todos os "desafios" no sentido toynbeeano que terá enfrentado em sua trajetória tanto civil quanto políticaeis que a emoção nele dificilmente reponta como se verifica no burocrático procedimento com que destinou a esposa de muitos anos à separação, sem qualquer contato ou eventual intromissão da humana emoção, a que outros mortais em altas posições podem sentir-se sujeitos  - enganam-se decerto aqueles quanto ao elemento do improviso.
            De certa forma, esta súbita mudança constitui um elemento permanente no personagem de Vladimir Putin. Talvez os resquícios de emoção os terá sentido o funcionário da KGB quando as inelutáveis consequências das reformas de Gorbachev o atingiram a ele, modesto mas ambicioso, agente da KGB, ainda na então República Democrática Alemã (DDR).
            Enganam-se, contudo, os que eventualmente possam nele presumir uma postura permanente em tudo que possa envolver considerações de afeto ou gratidão. O comportamento de Vladimir Putin com os seus auxiliares diretos nos mostra essa frieza, em termos de eventuais laços de amizade. Todos são expendable, até mesmo um seu fidelíssimo servidor e aliado como Dmitri Medvedev, que pode ser considerado como exemplar perfeito desse espécimen.
              Nesse sentido, Putin parece confiar na lealdade desse alto subordinado, a ponto de havê-lo chamado para que o substituísse na chefia do governo, num momento em que o frio Putin reconhecera carecer de um retiro no poder, para eventualmente conseguir no futuro recuperar a própria posição. E foi o que ocorreu, com a sempre leal cooperação de Dmitri Medvedev.
                Como se verifica das considerações acima, há um traço nos esquemas de Putin que o aproxima do juízo do autor italiano Giuseppe Tomasi, príncipe di Lampedusa - é preciso que as coisas mudem para que tudo continue como está -  assertiva essa que pode ser entendida como o núcleo das "mudanças" de que o dirigente russo se  serve como já o demonstrou em ações anteriores, conforme acima referido. O novo é necessário na medida em que dê a aparência para que tudo continue a ser o mesmo...
              Segundo a notícia,  "o presidente da Rússia, Vladimir Putin, propôs ontem, 15 de janeiro, uma reforma constitucional que abre caminho para que ele se mantenha no poder após 2024. E entre essas medidas está votação popular que daria mais poder ao Parlamento, que vem sendo interpretada como uma chance de ele se tornar novamente primeiro ministro após o término do mandato.
              Após o pronunciamento de Putin, o primeiro-ministro, Dimitri Medvedev, fiel aliado do presidente russo, renunciou ao cargo juntamente com todos os integrantes de seu gabinete. "Nós, enquanto governo da Rússia, devemos dar ao presidente os meios para tomar todas as medidas necessárias. É por isso que o governo, em seu conjunto, entregou sua exoneração ", afirmou Medvedev.
               Incontinenti, Putin propôs o nome de Mikhail Mishustin para primeiro ministro, que aceitou o encargo.  Mishustin era chefe da receita federal russa. A rapidez com que a liderança se desfez e foi substituída sugere que a troca havia sido cuidadosamente preparada.
                A escolha de um desconhecido burocrata para substituir  Medvedev é interpretada como alguém que dará ao presidente mais tempo para escolher um herdeiro entre os aliados mais próximos. A questão do herdeiro, no entanto, em se tratando do homem forte da Rússia, será uma questão pelo menos secundária, no que concerne à conformação vindoura do poder na Rússia.
                 Mesmo assim, a decisão de Putin pegou muita gente de surpresa.  Ontem, durante seu discurso anual feito ao Parlamento, ele defendeu emenda na Constituição para dar aos deputados o poder de escolher o premier e outros cargos do gabinete. "É claro que existem mudanças sérias no sistema político", disse. Isso aumentaria o papel e o significado do Parlamento, dos partidos e a independência e a responsabilidade do Primeiro Ministro."
                   Putin não falou explicitamente sobre seus planos após 2024, mas as medidas   indicam o caminho mais provável: assumir um papel mais destacado de primeiro ministro, como fez em 2008. Na ocasião, ele não podia mais ser presidente, já que a Constituição permite apenas dois mandatos seguidos. Então, ele se tornou um "superpremier",  e elegeu como presidente o aliado Dmitri Medvedev, que guardou a cadeira até que ele voltasse ao cargo em 2012.
                    Outra opção mencionada por analistas seria Putin liderar o Conselho de Estado, um organismo que o Kremlin pretende fortalecer com a reforma constitucional. A fórmula seria parecida com a encontrada por Nursultan Nazarbayev, presidente do Casaquistão desde a criação do país, em 1990. Em 2018, ele deixou o cargo, mas continuou na chefia do partido governista e na direção dos órgãos de segurança.

                    Embora o futuro ainda não esteja claro, poucos acreditam que o presidente aceite uma transição democrática.

                    "Como são idiotas aqueles que acreditam que Putin deixará o poder em 2024...", afirmou Alexei Navalni, principal líder da oposição russa, e cuja popularidade o faz persona non grata para a situação -  e o torna alvo de estranhas ações, como o processo em juizado interiorano, que se levado avante o teria  inabilitado a pleitear a presidência, o que seria lógico em uma verdadeira democracia. O último "incidente" que sofreu o destemido e carismático Navalny, foi uma estranhís-sima afecção contraída no rosto, que obrigou as autoridades a mantê-lo em hospital do estado.  A sua condição era decerto difícil de explicar pelo inquieto e intimidado corpo médico, que evitava a im-prensa - sobretudo a estrangeira.

                     Na verdade, os temores do pessoal clínico e afim diante de  uma afecção no rosto daque-le famoso mas para eles inoportuno paciente, mais pareciam enredo de uma opera buffa. Pois declarar que a afecção em causa lhes parecia  difícil de determinar clinicamente,  só contribuía para aumentar a compreensível estranheza dos repórteres,  ainda mais acrescida pela atitude do corpo médico do nosocômio, que mais parecia temeroso de eventuais consequências políticas de possíveis e até previsíveis revelações quanto às verdadeiras causas daquele não tão estranhíssimo incidente patoló-gico...      

(Fontes:  O Estado de S. Paulo; "Putin"s Kleptocracy, de Karen Dawisha; The Man without a Face, de Masha Gessen.)

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