Segundo noticia a Folha, restam ainda insepultas onze
vítimas da tragédia em Brumadinho (V. blog de 22.I.2020 - Denunciado por
homicídio o presidente da Vale).
Josiana Resende, com 31 anos de idade, expressa um desejo. Ela ainda
espera por que se encontre o corpo de sua irmã, Juliana, que está entre aquelas
que foram soterradas pela ruptura da barragem.
Ela é uma das onze pessoas cujo corpo ainda não foi encontrado pelos
bombeiros, passado quase um ano do rompimento da barragem 1 e da consequente avalanche da Mina Córrego do Feijão, da Vale
do Rio Doce.
Dos 270 mortos que estavam no refeitório, Juliana Resende é uma das onze pessoas que ainda não foi descoberta. É uma longa, árdua espera que se vê acrescida pela inquietude sobre a real localização de seus restos, agora que os demais 259 foram encontrados, identificados e sepultados.
A
irmã Josiana confessa que "foi uma situação muito difícil o dia dois de novembro.
Claro que teve dias difíceis antes - Dia das Mães, Dia dos Pais, aniversário.
Mas no Dia de Finados, não ter pra onde ir, não ter onde depositar flor e fazer
uma oração? Chocou muito", diz Josiana.
Dennis da Silva, 37, marido de Juliana, também trabalhava na Vale e
morreu - foi identificado nos primeiros dias após a tragédia. O casal deixou
dois bebês gêmeos de dez meses. Hoje, com um ano e nove meses, as crianças são
criadas pelos avós maternos a quem chamam tanto de vovô e vovó como de papai e
mamãe.
Josiana também trabalhava na Vale e escapou por pouco. Sexta-feira, 25 de janeiro de 2019, era seu
dia de folga. Ela trabalhara na quinta e deveria trabalhar no sábado.
A família de Juliana quer achá-la não para encerrar o sofrimento, mas
para vivê-lo em uma nova etapa. "Nossa luta é para que as buscas não
parem. Para que a gente possa se despedir e fechar o ciclo",diz ela. "Os bombeiros não estão lá salvando a
vida dos onze que ainda estão na lama.Eles morreram. Estão salvando as nossas
vidas mesmo. De quem ainda está na angústia e no desespero para fechar o
ciclo."
Josiana sabe que as buscas são
menos efetivas a cada dia que passa. Por isso, seu maior temor é que sejam encerradas
sem que sua irmã seja encontrada - ela não gosta de pensar nessa possibilidade.
Por estarem em estado avançado de decomposição, o IML não conseguiu extrair DNA de 81 fragmentos humanos encontrados na lama. Há outros 44 em processo de identificação. O instituto recebeu 854 no total, incluindo 79 corpos considerados inteiros - mas novos fragmentos chegam diariamente.
Os bombeiros pretendem
continuar as buscas até encontrar os onze restantes ou até que o material
recolhido não seja mais passível de verificação por DNA. Outra possibilidade é
encerrar a operação se houver um período longo sem novas identificações,ou
seja, se novos fragmentos recolhidos ao longo de meses servirem apenas para
reidentificações.
Um ano após o rompimento, outro desafio para os parentes das onze vítimas é a volta do período chuvoso. O número de bombeiros em céu aberto chegou a ser diminuído para cerca de 75 porque as buscas rendem menos com a lama molhada.
"O que choca
mais é que as 259 pessoas identificadas são só identificadas mesmo. Porque ter
o corpo delas, não tem", diz Josiana.
Mesmo se só uma parte de Juliana for encontrada, haverá alívio de "saber que ela não está na lama mais". "O fato de ela ainda estar na lama machuca", diz a irmã. Seu pai fantasia que o corpo da filha estará preservado. Sua teoria é de que ela não foi encontrada porque está em grande profundidade, onde estaria mais conservada em meio ao minério de ferro. Para Josiana, tudo é possível, já que corpos em todo tipo de estado foram encontrados ao longo do ano, sem relação necessária com a passagem do tempo. "Acharam gente no dia 268 que fez impressão digital", argumenta. "Agora, causa estranheza a nós e aos bombeiros que todos ao redor dela foram achados, menos ela."
Juliana estava na área administrativa da Vale, construída a 1,5 km abaixo da barragem. O plano de emergência da mineradora previa que os funcionários teriam um minuto para deixar o local. A fuga em tão pouco tempo já era considerada irreal, mas a realidade foi pior: engoliu os escritórios e o refeitório em trinta segundos, sem aviso de sirene.
Analista administrativa, Juliana
trabalhava na Vale havia dez anos. Já Josiana estava na empresa havia cinco
anos como técnica de enfermagem do trabalho. Hoje está afastada e recebe
pensão do INSS. Questionada sobre a indenização a ser paga pela morte da irmã,
disse que a prioridade é encontrá-la.
"Achávamos que a barragem estava segura, porque senão ninguém íria trabalhar. Como estava inativa, eu achava que estava seca", diz Josiana. "A gente é muito unido e a Ju era a ponte disso. As festas de fim de ano era ela que planejava e fazia as coisas do jeito dela", relata. Josiana usa uma camiseta de homenagem: "Dói demais o jeito que você foi embora. Juju, você deixou de viver entre nós para viver em nós".
Ela não pensava que
a irmã estaria entre as últimas da lista."Nunca imaginei que ia esperar
por tanto tempo, nem ter força para lutar por tanto tempo. Deus está carregando
essas onze famílias no colo, porque senão não estávamos de pé."
Josiana é
vice-presidente da associação de vítimas do rompimento da barragem 1.A
entidade foi criada em agosto para fazer reivindicações à Vale e dar vos aos
familiares. "Que nenhum corpo fique debaixo da lama" é um de seus
lemas.
Neste momento, o único consolo da família de Josiana são os gêmeos órfãos. Os avós que já criaram quatro filhos, se veem agora com a responsabilidade de educar mais dois. Eles ensinam às crianças que os pais delas são estrelinhas no céu.
"A
presença deles é o que tem nos ajudado. Mas também traz tristeza saber que não
vão ter o amor do pai e da mãe, e que os pais
não vão ver os filhos crescerem.", diz Josiana. Ela não sabe se as crianças entendem alguma
coisa, mas costumam apontar e beijar uma foto dos pais exposta na sala."
(Fonte:
além de agradecer à Folha de S. Paulo,
pelo conjunto da matéria que cobre todos os envolvidos nesse desastre, resolvi transcrever na íntegra a reportagem de
Carolina Linhares, não só pela sua sensibilidade, mas também pela qualidade da
análise, que muito me ajudou a melhor entender os problemas enfrentados pelas
duzentos e setenta vítimas dessa catástrofe, assim como por seus familiares.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário