quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Colapso do estado no interior da Venezuela


                        
     Segundo matéria do New York Times sobre a Venezuela interiorana, seria ilusória a imagem projetada pelo regime presidido por Nicolás Maduro, de seu palácio de Miraflores.
        Com efeito, tudo é feito para preservar a aparência de normalidade da capital. Assim, os moradores de Caracas dispõem regularmente de luz e gasolina. As lojas estão repletas de mercadorias importadas. Contudo, se alguém se afaste desse perímetro urbano, a aparência de ordem e de normalidade rapidamente tende a dissipar-se.
        Dessarte, para preservar a qualidade de vida das elites políticas e militares, que constituem o sustentáculo do regime, o ditador Maduro investe na capital os recursos disponíveis, cada vez mais escassos, e dessarte o seu "governo" se vê forçado a abandonar grandes áreas do país. Para Dimitris Pantoulas, analista político de Caracas, "A Venezuela está falida como Estado. Os escassos  recursos disponíveis são investidos na capital a fim de proteger a sede do poder, criando um mini-Estado em meio ao colapso." 

        Nessas condições, em grande parte do país funções básicas de governo, como policiamento, manutenção de estradas, assistência médica e serviços públicos, foram abandonadas. A única evidência remanescente do estado em Parmana, uma vila de pescadores nas margens do Orinoco, são três professores que permanecem na escola, embora alimentação, livros e até giz para o quadro negro estejam em falta.
         O padre foi o primeiro a deixar Parmana. A medida que a crise econômica aumentava, assistentes sociais, policiais, médicos e vários professores também par- tiram.  Dominados pelo crime, os moradores da vila pediram ajuda para os guerrilheiros colombianos, que foram convidados a organizar a segurança pública.  "Fomos esquecidos", declarou Hermínea Martínez, de 83 anos, enquanto se abaixava com um facão para cuidar de uma plantação de feijão invadida pelo mato. "No hay gobierno acá."

             Dessarte, a economia venezuelana sofre com a queda nas exportações de petróleo e de ouro, e o país arrosta as duras sanções baixadas pelos Estados Unidos, enquanto se arrasta pelo  seu sétimo ano de devastadora contração. Essa longa recessão - que na verdade é uma depressão - juntamente com os cortes feitos pelo governo - veio a determinar que grande parte da infraestrutura da Venezuela viesse  a mergulhar no que se poderia definir como "estado de negligência".
               A inflação descontrolada "derreteu" a moeda local, o bolívar, hoje, na prática, sem valor. Dólar, euro, ouro e as moedas de três países vizinhos - peso colombiano, real e até o dólar da Guiana - já circulam em partes da Venezuela. O escambo é, por isso, frequente. Fora de Caracas, os cidadãos sobrevivem em condições pré-industriais. Cerca de metade dos moradores das sete principais cidades da Venezuela estão expostos a apagões diários e três quartos passam sem abastecimento confiável de água potável, segundo pesquisa realizada em setembro pela ONG Observatório de Serviços Públicos da Venezuela.
               Voltando a Parmana - que pode ser analisada à guisa de exemplo indicativo da situação geral que ora prevalece na Venezuela  - antes uma grande e próspera vila de pescadores e agricultores nas planícies centrais da Venezuela, as inundações de 2019 'arrastaram' e na prática destruíram a única estrada para a região fora da cidade, deixando o vilarejo sem entregas regulares de alimentos, sem combustível para a estação produtora de energia.  Para sobreviver, os 450 residentes que ficaram decidiram limpar os campos com facões, remar em seus barcos de pesca e usar os grãos de feijão que cultivam como moeda.
                  Por falta de pagamento,o batalhão local da polícia fez as malas e partiu, em 2018. Logo depois, os moradores expulsaram o destacamento da Guarda Nacional da vila, acusado de embriaguez contumaz e de extorsão.  Para substituir os guardas, os chefes da aldeia decidiram viajar para a mina de ouro mais próxima, controlada por guerrilheiros colombianos, para pedir que montassem um posto em Parmana. 
                  Nos últimos quatro anos, para proteger suas linhas de suprimento, os guerrilheiros acabaram com os piratas do rio que haviam aterrorizado os pescadores, roubando os barcos a motor e matando várias pessoas.
                   "Precisamos de autoridade aqui", disse Gustavo Ledezma, dono de uma loja e delegado da comunidade. "Os guerrilheiros trazem a ordem", disse. "Eles não brincam em serviço." "Temos de depender uns dos outros agora, não do governo", disse Ana Rengifo, líder do conselho comunitário de Parmana, que há algum tempo não mais dispõe de telefone, nem sinal de celular."   

(Fonte: O Estado de S. Paulo, de matéria de Anatoly Kurmanaev, do New York Times )

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