segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Guerra ao Lixo industrial na França


                             
       Trump, que pensa ter redescoberto a pólvora, reinventando as guerras tarifárias, trouxe, sem querer, para a França a quase-ministro Brune Poirson, que tem charme e ideias novas na cabeça para contra-arrestar a nova ideia-velha de Donald Trump, que é de impor tarifas sobre bolsas e outros artigos franceses de luxo.
          Para essa movimentação política, contribui a ânsia do presidente Emmanuel Macron de consolidar um legado ambiental. Nisso entra a indústria da moda, que na França é o segundo setor mais importante da economia, com parcela anual de Euros 150 bilhões.
          Como é usual nesses casos,quando se traz ideias novas para velhas rotinas, Brune, ao mexer em cômodas práticas, bagunçou o conservadorismo, que é apenas a inação carimbada de política. Ao invés, desde 2019, ela trabalha pela aprovação de lei contra o desperdício que proíbe as marcas da moda de destruírem os estoques que não forem vendidos.  Por isso, apesar de oficialmente comandar secretaria de Estado dentro do ministério da Ecologia, extra-oficialmente é conhecida como "ministra da Moda" da França. Já em 2019, Brune se empenhou pela aprovação da lei contra o desperdício, (marcas não podem destruir estoques que não foram vendidos). Era prática usual na indústria da moda que por ano cerca de Euros 650 milhões em artigos de luxo fossem incinerados. Quando o parlamento aprovar,  o estoque terá de ser doado, reciclado ou voltar ao mercado - o que é suscetível de afetar-lhe o preço. No entender de Brune, o deixa estar pra ver como é que fica não resolve.
             Como se vê, a charmosa Brune Poirson não é uma típica politica francesa. Para Pascal Morand, presidente  da Federação da Alta Costura e da Moda, "ela considera a moda fundamental e tem a determinação para promover a economia circular (sustentabilidade)''. Dentro de seu ministério, Brune não esconde a impaciência com o esclero-sado sistema de governo e das empresas, que não mudam há décadas o próprio procedimento.
              "Temos de mudar a forma de trabalharmos. Na política é terrível o fato de que tudo leva tempo. Não porque seja difícil, mas porque as pessoas não querem mudar as coisas por motivos mesquinhos. É deprimente. Às vezes, se você quer mudar as coisas, não pode depender da política." Nomeada faz três anos, Brune defende "uma economia circular", e para tanto, redigiu o projeto da "lei de desperdício zero".  Além de proibir a incineração de produtos encalhados, o texto prevê o fim do uso de plásticos descartáveis a partir de 2021, proíbe micro-plásticos em cosméticos e obriga o uso de filtros  em máquinas de lavar industriais.
                 Brune trabalhou com François-Henri Pinault, diretor do grupo Kering, de artigos de luxo, para definir o chamado  "Pacto da Moda",que é iniciativa do setor para reduzir o impacto ambiental.  Assinado por 56 empresas, mas não pela Moet Hennessy Louis Vuitton, conglomerado francês proprietário de 75 marcas. Não obstante, o projeto foi apresentado na reunião do G-7 em Biarritz, em agosto último.
                 Por não ser vinculante, o pacto é criticado como ineficaz, eis que não estabelece metas e deixa de lado o problema do consumo excessivo: "Bem, esta é a maneira francesa de tratar das coisas", disse a Secretária de Estado.
                  Apesar de sua vocação para a esfera pública, ao contrário de muitos políticos franceses,  Brune não se formou na Escola Nacional de Administração. "Era um projeto. Minhas raízes  são realmente fortes. Sei exatamente de onde venho.  Isso me dá força para ir a qualquer lugar do mundo."
                    Essa trajetória a levou para a London School of Economics e depois ao Laos, aonde passou um ano trabalhando com a educação de meninas da minoria étnica hmong. Em 2008, em New Delhi, trabalhou para  o Ministério da Informação e Inovação da Índia e para a companhia francesa Veolla.
                    Dentro desse anti-esquema, em 2016 estudaria ciências políticas e sustentabilidade na John F. Kennedy School of Government, em Harvard. Com a eleição de Macron, além da aparição de Trump, o Brexit e a nova maternidade, Brune achou que era tempo de retornar à França.  Nesse sentido, segundo ela os seus próximos passos "não envolvem a elaboração de leis, mas continuar a luta por uma moda sustentável" - e por isso ela diz que gostaria de criar  um fundo de apoio a marcas de moda  inovadoras para mudar o sistema de produção.
                      Para Brune, não faltam brotar ideias.  Outra sua é a de revitalizar alguns setores da moda francesa, como o de rendas, que hoje se acham quase esquecidos. "Quero me voltar para áreas como uma história têxtil forte e ver como podemos retornar à produção local. Acredito na chamada "dependência da trajetória", quando um lugar é bom em uma coisa, penso que temos de retornar a ele, e reconstruí-lo."

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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