A crise das
demonstrações pró-democracia ou em prol da presença da democracia em Hong Kong,
ou dos gritos pró-democracia já ultrapassou o marco dos seis meses. Na verdade, ao apresentá-las de forma tão
sucinta, elas não só reivindicam a relevância da democracia, mas também
defendem o seu modo de expressão, e por isso, sem embargo das respectivas
diversas caracterizações, a sua essência está na liberdade, nessa alternativa
propugnada por essa ilha democrática, em meio ao mar da repressão da República
Popular da China, que de repente surgira com a proposta veiculada por Carrie Lam, a então nova regente,
trazendo para essa antiga colônia inglesa - e que, portanto, se abeberara na Common Law ou no bill of Rights, que um regime colonial lograra transmitir a uma de
suas muitas colônias na Ásia. Na defesa
desse contrassenso - a colônia, a imagem da repressão, que passa a ser
portadora de formas de liberdade, ainda que a forma de governo se revista de uma
aparente defesa da repressão: o estrangeiro, que pela força das armas, se
apodera, com objetivos comerciais, de localidades antes governadas por autoridades
autóctones...
Democracia como a capacidade e
o direito de ser julgado na própria terra será decerto uma visão fragmentária
da autoridade da democracia, que reside essencialmente na confiança em governo
de julgamento humano e, por conseguinte, justo.
Hong Kong, na essência, se
recusa a ser governado por reizinhos, que se baseiam em princípios e normas
estrangeiras, como a da repressão enquanto forma de administração, o que se
pode traduzir no verticalismo das formas de governação, que confunde eficiência
na capacidade de infligir medo (seja moderado, seja forte), de acordo com a
suposta gravidade da infração pela autoridade.
Essa pequena, grande
revolução do Povo e de sobretudo os jovens em Hong Kong representa a
reivindicação da humanidade na aplicação das penas aos delitos, mormente
àqueles políticos. Por isso, a energia no traço em defender o
direito de cada habitante de Hong Kong em ser julgado no próprio território,
como refletiu a revolução contra a extradição da gente dessa antiga colônia -
que teve a fortuna de abeberar-se na Common
Law inglesa - para a impessoalidade antidemocrática de um julgamento em
terra estranha, continental, regida por normas repressivas, como seria o caso
de que a alta-funcionária do regime ditatorial continental acenasse com o
destino - realmente colonial no caso - de um natural vir a ser julgado pelos
tribunais da China Continental.
A expectativa reina na
antiga colônia inglesa. Não é que o
Ministério de Recursos Humanos e
Seguridade Social da RPC informou a quatro de janeiro corrente que Wang Zhimin,
que ocupara o cargo de principal autoridade política de Beijing no território
desde 2017, será substituído por Luo
Huining, que até novembro último era o principal funcionário do governo
comunista na província de Shanxi, ao norte da China?
Hong Kong, com a sua luta,
ainda que de forma incipiente, em defesa da
democracia, e o próprio exercício como norma de convivência, poderá constituir válido exemplo da aplicação dessa modalidade de
governo no antigo Império do Meio. Essa velha fórmula, inventada pela civilização helênica, continua a ser assaz temida no campo adverso por ser a antítese da antiga repressão, e
do consequente desafio colocado pela liberdade a essa antítese sua, que
é o regime autoritário, com suas várias formas e fantasias, todas elas capengas, pelo ínsito temor que trazem consigo, ao simbolizarem a força cega e a consequente possibilidade que ela venha a ser aplicada àqueles que julgam poder viver sob a sua intrínseca e inquietante falta de princípios...
(
Fonte: O Estado de S. Paulo )
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