domingo, 20 de dezembro de 2015

Leguleios em Férias ?


                                  

       A expressão, excluída a interrogação, é do Presidente Getúlio Vargas, em momento não particularmente feliz da Democracia brasileira. No entanto, o vocábulo, com a sua conotação pejorativa, continua muito popular em termos de uso nos dias que correm.       

      O abuso do direito de recurso, que é entranhada característica dos rábulas, continua de resto muito popular na velha (nova) república.

      Deveremos ter presente que a instituição parlamentar atravessa uma clara crise. Não é circunstância de somenos que os seus dois Presidentes são suspeitos na Operação Lava-Jato. Para ambos foi considerado que suas residências (no caso, oficiais) fossem objeto de operações de busca e apreensão de parte da Polícia Federal, e foi tão só decisão monocrática do Ministro do Supremo Teori Zavascki, que se deveu a exclusão de um desses presidentes da aludida operação, embora seus auxiliares não tenham sido poupados.

      Os exemplos, infelizmente, desse emprego que pode ser visto como abusivo, estão se acercando da área da banalização, em que esse tipo de recurso semelha já estar inscrito no campo das apelações quase automáticas.

      Foi o que ocorreu com o recurso, atribuído ao PCdoB, quando a Câmara de Deputados decidiu pelo voto de seus membros, que a câmara especial que se ocuparia do processo de impeachment de Dilma Rousseff seria escolhida pelo voto secreto de seus membros, e não por indicação dos líderes, como era desejo da maioria governamental.

       Não sei o que ocorreu para convencer a maioria de seus membros a optar pelo voto secreto para a designação. De qualquer forma, será sempre a maneira preferencial para a seleção de membros para julgar o Poder Executivo. Aqui, não há lugar para hipocrisias: enquanto o voto em aberto é o preferível para evitar o corporativismo parlamentar (perante o Povo soberano), o voto secreto é o recomendado diante do Poder Executivo, para dar independência aos seus eventuais juízes.  

      O que aconteceu em seguida? Perdedor no Legislativo, o PCdoB, parte subalterna da maioria dilmista, não hesitou em partir para o recurso ao Supremo. Esse tipo de recurso in extremis se vem automatizando, como se fora parte de um arsenal disponibilizado pela respectiva banalização.

      É de ver-se, de início, com preocupação o uso intensivo, quase automático, de recursos ao Supremo, como se a Constituição de 5 de outubro de 1988 houvesse erigido como poder máximo na República o Supremo Tribunal Federal.

         Dentre as cláusulas pétreas da Constituição, está o artigo 2°, no título "Dos Princípios Fundamentais":

        "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

 

         Esse vezo de recorrer ao Supremo para tentar fazer valer a própria posição, não obstante a votação respectiva não possa ser inquinada de qualquer vício que tenha afetado a capacidade de seus membros, seja da Câmara, seja do Senado, seja até do Congresso, mostra claramente a banalização do recurso ao Supremo, como se fora de sua competência decidir em ultima ratio.

 

        No caso em tela, a banalização desse recurso - que se vê talvez reforçada  pelo momento difícil que atravessam os dois Chefes de Câmara e Senado, como suspeitos na operação Lava-Jato - distorce o equilíbrio republicano e, no caso em tela, afeta diretamente aquela parte do Poder Legislativo que é a representante do Povo soberano.

        

         Por outro lado, como agradável surpresa, o Ministro Edson Fachin afastou muitas suspicácias surgidas no seu processo de aprovação pelo Senado, com um parecer primoroso, que apesar de elogiado por diversos pares, com profusos encômios, semelha não ser suficiente para demovê-los da preferência pela alternativa oferecida pelo não-tão surpreendente parecer   alternativo do Ministro Luís Roberto Barroso.

 

          Não que não tenha havido agradáveis surpresas nos cinco votos perdedores, como o do Ministro Dias Toffoli, como já assinalei no blog respectivo.

 

          Na sua ânsia de derrubar a votação da Câmara, chegaram mesmo ministros a ocupar-se de decisões interna corporis dos Deputados, que configura o excesso na própria imisção nas deliberações de outro Poder da República, no caso o que mais próximo está do Povo Soberano.

 

          Fraquezas momentâneas e particulares não nos devem desviar o olhar da essência da Constituição. Não a deturpemos de forma oportunista, porque as Cartas Magnas não são rascunhos a serem alterados com a mesma incontinência que o cineasta Abel Gance tão bem retratara na sua obra-prima Napoleão (1927), que, em versão revista, (por iniciativa de Jacques Lang) tive a oportunidade de assistir em Roma (1982). Nesse seu filme, Gance nos apresenta a Assembléia Nacional da Revolução, assim como lhe compara as respectivas reações aos movimentos do mar, em que tempestade e bonança se alternam.

 

( Fontes:Getúlio, Lira Neto, Companhia das Letras; Constituição 1988; Dictionnaire du Cinéma, Larousse; Tevê Justiça )  

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