terça-feira, 29 de dezembro de 2015

De Volta

                                                 

        Depois de curta ausência, surpreenderá o calor do Rio de Janeiro? Lembro-me nesse contexto do filme Rio 40 graus, o clássico de Nelson Pereira dos Santos, de 1955.

       Conta a história de garotos da favela, que vão vender amendoim na Zona Sul.

       A película foi censurada pelo estamento militar - a censura que naqueles tempos aparecia sempre como uma ficha em fundo branco, com a estrela oficial, o resumo da produção, e a assinatura, em geral ilegível, da autoridade.

      Vejam pelo resumo da estória como mudam os tempos. Naquela época, a molecada se esforçava em ganhar uns trocados, produzindo o amendoim para a Zona Sul maravilha.

       Hoje, vitelões açambarcam ônibus da ZN para a mesma Zona Sul, cujas praias invadem, para um exercício de apropriação coletiva. Embora previsível, em geral nada é feito no primeiro dia. Já no segundo, cai sobre os meliantes (ou de menores) todo o peso da lei.

        Mas voltemos à obra magistral de Nelson Pereira do Santos, estrelada por Roberto Batalin, Glauce Rocha  e Jece Valadão.

        Em 1955, o sonho getulista já fora encerrado a 24 de agosto de 1954, e o desconhecido Café Filho, o vice, assumira. Sendo de direita, o governo e em especial os milicos não gostaram nadica de nada do filme de Pereira dos Santos.

        Fundaram a sua contestação - respeitável porque a bateria principal se sediava na Censura de espetáculos, que pela delicadeza da matéria era confiada a militares - em que o filme se baseara numa premissa alegadamente falsa.  Sabia-se na época, ou pelo menos não era matéria questionável pela turma verde-oliva, que a temperatura de quarenta graus era coisa estrangeira, alienígena mesmo, para a então capital de República. Daí a compreensível irritação da classe militar e, em especial, de seus representantes na Seção de Censura na Divisão de Artes e Espetáculos (ou coisa que o valha) a quem incumbia a delicadíssima missão de autorizar a exibição e de classificar as faixas etárias a que o filme (ou a peça) teria na porventura autorizada exibição.

          O que exasperara os representantes da Censura é que o Rio nunca tivera temperaturas tão altas como quarenta graus. Daí a obra cinematográfica já se difundia por uma mentira (nos serviços competentes, segundo as autoridades asseveravam, a temperatura mais alta marca era de 39°,6 )

         Como, portanto, se poderia permitir a difusão de tal calúnia para a Cidade Maravilhosa ?

         Infelizmente, para alguns, a chamada Constituição Cidadã (aquela de Ulysses Guimarães e que o PT se recusou, como de hábito, a subscrever, para depois, na calada de alguns anos, vir a acrescentar as respectivas assinaturas...) suprimiu a Censura (pelo menos a que aparecia com a folhinha burocrata encimando qualquer produção cinematográfica, fosse de Pindorama ou do Estrangeiro).

           E sem embargo,  mais uma vez, um filme maldito no passado - e não tão longínquo - vira clássico...

            Será a marcha do progresso?      

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