Depois de curta ausência, surpreenderá o calor do Rio
de Janeiro? Lembro-me nesse contexto do filme Rio 40 graus, o clássico de
Nelson Pereira dos Santos, de 1955.
Conta a história de garotos da favela,
que vão vender amendoim na Zona Sul.
A
película foi censurada pelo estamento militar - a censura que naqueles tempos
aparecia sempre como uma ficha em fundo branco, com a estrela oficial, o resumo
da produção, e a assinatura, em geral ilegível, da autoridade.
Vejam pelo resumo da estória como mudam
os tempos. Naquela época, a molecada se esforçava em ganhar uns trocados,
produzindo o amendoim para a Zona Sul maravilha.
Hoje, vitelões açambarcam ônibus da ZN
para a mesma Zona Sul, cujas praias invadem, para um exercício de apropriação
coletiva. Embora previsível, em geral nada é feito no primeiro dia. Já no
segundo, cai sobre os meliantes (ou de
menores) todo o peso da lei.
Mas voltemos à obra magistral de Nelson
Pereira do Santos, estrelada por Roberto Batalin, Glauce Rocha e Jece Valadão.
Em 1955, o sonho getulista já fora
encerrado a 24 de agosto de 1954, e o desconhecido Café Filho, o vice, assumira.
Sendo de direita, o governo e em especial os milicos não gostaram nadica de
nada do filme de Pereira dos Santos.
Fundaram a sua contestação -
respeitável porque a bateria principal se sediava na Censura de espetáculos, que pela delicadeza da matéria era confiada
a militares - em que o filme se baseara numa premissa alegadamente falsa. Sabia-se na época, ou pelo menos não era
matéria questionável pela turma verde-oliva, que a temperatura de quarenta
graus era coisa estrangeira, alienígena mesmo, para a então capital de
República. Daí a compreensível irritação da classe militar e, em especial, de
seus representantes na Seção de Censura
na Divisão de Artes e Espetáculos (ou coisa que o valha) a quem incumbia a
delicadíssima missão de autorizar a exibição e de classificar as faixas etárias
a que o filme (ou a peça) teria na porventura autorizada exibição.
O que exasperara os representantes da
Censura é que o Rio nunca tivera
temperaturas tão altas como quarenta
graus. Daí a obra cinematográfica já se difundia por uma mentira (nos
serviços competentes, segundo as autoridades asseveravam, a temperatura mais
alta marca era de 39°,6 )
Como, portanto, se poderia permitir a
difusão de tal calúnia para a Cidade
Maravilhosa ?
Infelizmente, para alguns, a chamada Constituição Cidadã (aquela de Ulysses
Guimarães e que o PT se recusou,
como de hábito, a subscrever, para depois, na calada de alguns anos, vir a
acrescentar as respectivas assinaturas...) suprimiu a Censura (pelo menos a que
aparecia com a folhinha burocrata encimando qualquer produção cinematográfica, fosse
de Pindorama ou do Estrangeiro).
E sem embargo, mais uma vez, um filme maldito no passado - e
não tão longínquo - vira clássico...
Será a marcha do progresso?
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