quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Rescaldo do Ano Velho


                              

           O presidente do PT, o Sr. Rui Falcão tem as suas coordenadas, que podem variar segundo as próprias conveniências e o sistema interno de alianças das diversas correntes petistas.

          Ele continua atuando como se o Governo Dilma não enfrentasse avaliação tão baixa de parte da opinião pública, e continuasse surfando na maionese.

          A involução da influência petista é (a) consequência direta do envolvimento de tantos figurões do partido da estrela solitária com o submundo da corrupção - os seus dois últimos tesoureiros estão atrás das grades, por força de circunstâncias que muitos militantes petistas (ativos, sinceros mas vivendo em mundo à parte que semelha negar ou desconhecer os fenômenos do Mensalão (no passado) e hoje do Petrolão; e (b) do pior governo republicano de que se tenha memória, qual seja o Dilma I e o cambaleante Dilma II.

          Rui Falcão está sempre preocupado em opinar, como vem de fazê-lo mais uma vez agora, em que pede ousadia econômica ao Dilma II, e consegue, assim, desagradar a gregos e troianos no definhante estamento  do PT.

          Conheço Sua Excelência somente através da página impressa dos jornalões, e não de hoje. Recordaria o quanto infernizou Erundina, na época Prefeita da Paulicéia, a tal ponto que este antigo quadro petista, na primeira oportunidade, consubstanciada pelo convite de Itamar Franco, preferiu mandar-se do Partido dos Trabalhadores para os braços de outras organizações partidárias.

          Desta feita, sem consultar vivalma - que se saiba - o presidente nacional do PT reentrou na arena política, através de mensagem de fim de ano, em que cobra ousadia na condução da política econômica e ataca a perspectiva de alta da taxa de juros em janeiro p.f.

           Dando a impressão de estar descoordenada com os frenéticos esforços de Jaques Wagner de lidar com os colossais erros dos dois Governos Dilma,  não creio que a voz de Rui Falcão logrará alguma coisa além de causar irritações e até mesmo - em circunstâncias determinadas - exasperações nos inquietos conciliábulos do acuado e declinante poder petista, que muita vez só semelha comunicar-se através de dois ou mais dedos cerrados das mãos respectivas.

           Será precipuamente nisso que residiria o interesse de Sua Excelência? Seria demasiada intromissão ousar interpretá-lo como incomodar se possível, e assim marcar afirmativa e vigorosa presença? Consta, segundo comentam as boas línguas, que o senhor Falcão firmemente acredita ser merecedor dessas atenções reflexas em todos os azimutes (como costumam dizer os gauleses de boa cepa).

               Agora, no caso de tão sopesada estratégia não funcionar, será que  o silêncio traduziria indiferença? Ou quiçá reste a opção da notinha meio atravessada, plantada junto a cupincha jornalista?

                Aguardemos para observar como reage o senhor Presidente do Partido dos Trabalhadores.

                Entrementes, as diferentes e transidas instâncias, tremem.

 

( Fonte: Folha de S. Paulo )

Os Efeitos das Pedaladas


                                  

        Para o Governo Dilma, as pedaladas fiscais - cujo emprego constituiria a base da petição do impeachment, consoante apresentada pelo Dr. Hélio Bicudo -  são ora vistas como 'página virada'. Dessarte, consoante Dilma e sua equipe, o pagamento de todos os passivos condenados pelo Tribunal de Contas da União derrubaria o argumento da oposição de exigir a saída da presidente devido à má-gestão das contas públicas.

        Primo, analisemos o rombo nas contas públicas, devido à sua divida de R$ 72,4 bilhões com bancos públicos (Banco do Brasil: R$18,19 bilhões; Caixa Econômica Federal: R$ 1,51bilhão;  Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social: R$ 30 bilhões,04;  e o FGTS: R$ 22,64 bilhões).

        Tenha-se presente, de início, que as pedaladas constituíram graves infrações à Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF). A circunstância de, ao cabo do exercício de 2015, o Governo apareça na vigésima quinta hora para saldar as suas dívidas com estabelecimentos oficiais de crédito e o FGTS - em flagrante descumprimento das normas da LRF - pode voltar  a habilitar essas entidades oficiais a gerirem os respectivos recursos, mas não elide a respectiva responsabilidade pelo desrespeito da LRF.

         Esse mesmo desrespeito está na raiz da primeira proposta orçamentária feita por Dilma II (o que assinalou não o início do fim da ministrança de Joaquim Levy, mas na verdade o começo da aceleração da fase terminal  da presença de Levy no Governo, através da falta de respeito de Dilma Rousseff com o seu auxiliar mais prestigioso).

         Por questões de temperamento mais do que de doutrina - é difícil carimbar de doutrinal o voluntarismo desordenado de Dilma Rousseff em termos de utilização de dotações públicas, e é esta divergência  fundamental que afastou da administração Dilma o seu mais preparado e prestigioso membro. Assim como o azeite não se mistura com a água, tampouco haveria possibilidade de que um egresso da Universidade de Chicago pudesse conviver com a economista Rousseff, que sequer dispõe de qualquer título de aperfeiçoamento. Assim, ao mandar para o Congresso proposta orçamentária com polpudo déficit, Dilma II lograria o que de forma praeter-consciente desejava: livrar-se do ortodoxo e certinho J. Levy. Pena que no caminho também lograria rebaixar a nota de nossa economia pelas agências de classificação de risco, de Wall Street.

           Embora o indicador do Impostômetro de São Paulo, tenha marcado que em termos de tributos o Brasil ultrapassou os dois trilhões de reais, essa marca põe a nu que o peso dos impostos ameaça quebrar a espinha de nossa economia. Com tal montante, estamos onde estamos, não é uma questão acadêmica a dispersão ou o desvio dos importes fiscais no Brasil.

            Os tributaristas podem zombar do caráter primitivo de tal mostruário, mas o seu incômodo volume não deveria ser motivo de chacota. Ele é apenas um sintoma - pouco sofisticado talvez - mas sempre sintoma de quão confuso está o setor fiscal na nossa economia.

             Se o Brasil verga sob a sárcina tributária, o governo, nos seus três ramos, mas com a União federal à frente, é também o responsável pelo desperdício dos impostos pelo tácito conluio da inércia e da consequente falta de eficácia pública na desordenada regressão social do gigantesco nó-górdio tributário.

              E, assim, como decorrência das químicas fiscais e da dita ficção contábil, as chamadas pedaladas - justamente condenadas pelo TCU em um raro juízo unânime - algo se metastizaram em espetacular inchamento da dívida pública, ora nas alturas de R$ 118,6 bilhões ainda em 2015.

              Ao vir a público para reivindicar mais esta magna realização no desfazimento do Plano Real, da L.R.F., e de quaisquer fumaças que os gerarcas desta Administração alimentem de posições de liderança no FMI, acho que se, sob a notória liderança do Supremo Tribunal Federal - que resolveu invadir o sáfaro campo do Congresso - incapaz de legislar, mesmo sob ameaça de perda de poder (como se verificou no desatendimento da necessária adequação de  lei de 1950 sobre impeachment, o que permitiu que o STF adentrasse a seara do Legislativo, com as consequências manifestadas na sentença em que favoreceu o Senado e, por conseguinte, a notável governante Dilma Rousseff). 

              Além da rotineira pergunta - que país é este, em que as Câmaras não legislam, e as injunções da Constituição Cidadã não são atendidas - o que faremos com o obtemperação da Câmara: afinal como trabalhar tanto se temos uma semana de dois dias úteis apenas?

               E, como a ocasião parece exigir, seria o caso de dar um viva ao Brasil por continuar funcionando, dentro das condições prevalentes?

                Tenho minhas dúvidas. Merecedor de vivas é o juiz Sérgio Moro. Se não fatiarem mais a sua área de competência, ele continuará a ser um dos solitários fanais a orientar a gente brasileira, pelo seu trabalho e pelas suas sentenças, que fazem tremer muitas personalidades, temerosas, sabe-se lá porquê, que ele  venha metaforicamente bater-lhes nas portas blindadas, de que a nossa Justiça, com a assistência da Polícia Federal, não ignora os segredos.

                Assim como nos anos anteriores, bom trabalho e boa colheita ao juiz Moro e ao seu exército do bem.

                 Que o Brasil dele está muito precisado.

 

(Fontes: O  Globo, Folha de S. Paulo, Veja)

As Amargas, Sim !

                                             

       Alvaro Moreyra escreve em 1954 livro de memórias que intitula 'As amargas, não!'

       Eram outros tempos, em um Rio de Janeiro, que naquele fatídico ano seria sacudido pela tragédia do suicídio de Getúlio Vargas, o qual é levado pelo torvelinho de crise engendrada nos porões da guarda de Gregório Fortunato, açulado por um irmão do Presidente.

       O atentado da rua Toneleros, contra Carlos Lacerda, mata um major da aeronáutica, Rubem Florentino Vaz, fornecendo o enredo pelo qual o famoso Corvo urdiria o golpe contra Getúlio, odiado por ele e a UDN.

       O suicídio de Getúlio Dornelles Vargas, na manhãzinha de 24 de agosto de 1954, encerra um ciclo na história do Brasil. Vargas, e não só literalmente pela carta-testamento, sairia da vida para entrar na História.

       Por sua vez, o vitriólico opositor Lacerda que mandara vir  champagne francesa para beber com os amigotes ao ensejo do confirmado golpe, teve denegado esse discutível prazer, eis que a reação popular - rios de gentes afluíram ao Palácio do Catete e levaram o cadáver do Presidente para a última viagem, rumo ao cemitério em São Borja.

       Naquele momento de verdade, o Povo, como sói acontecer em tais horas de extremo sacrifício e testemunho incontestável e irrespondível, liberta-se das mentiras da oposição sem quartel, e  distingue, sob o trauma do golpe intentado e do extremo, irretorquível gesto,  o que perdera naquela pesada e derradeira hora.

        Comparar a escumalha do PT com um dos maiores estadistas brasileiros não é tropo literário, mas apenas  melancólica  imposição dos tempos, dada a reeleição, à custa de mentiras mil, de Dilma Rousseff, e a conta consequente que lhe será apresentada pela Nação enraivecida.

        Já é tempo de ver-nos livres desta Senhora, que apresenta, de forma inconteste, a própria candidatura para o lugar de pior presidente de nossa conturbada história política.

        Como produto de eleições passadas, o seu partido ainda dispõe de bancada numerosa, e para tentar evitar o impeachment alianças são mudadas e não há recursos que não sejam intentados.

        Agora, depois da temporada desastrosa do amigo Aloizio Mercadante na Casa Civil, mandou-se vir para a assessoria direta da Presidenta o hábil político baiano e ex-governador  Jaques Wagner.

         Tangido decerto pelas circunstâncias, Wagner recorre ao sujeito indefinido, para tentar explicar a série de calinadas da ex-Chefe da Casa Civil (e presidente do Conselho de Administração da Petrobrás por longos anos), no contexto do governo Dilma I.

          Culpou por isso o "governo" pelos erros cometidos em 2013 e 2014, e que estão causando a grave crise que ora atravessa o Brasil (e que induz publicações como o semanário inglês Economist a proclamar que é certo o naufrágio de nossa economia, neste ano da graça de 2016). Wagner levou a sua franqueza ao limite, apontando a "desoneração exagerada" e "programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava".

          Convenhamos que a sinceridade de Jaques Wagner chega a ser comovente, se não fora construída sob gigantesca figura de estilo, a saber a elipse. Por ser demasiado conhecida, a própria omissão do nome da real e única culpada pela crise intenta passar desapercebida, como se tão grandes males pudessem ser ofuscados por tais omissões.

          Mas mesmo assim, na teimosia e na aparente falta de tato, Wagner intenta a proeza máxima, ao reconhecer a enxurrada de erros em uma ciência de que a economista Dilma nos dá a embaraçosa confirmação de grande e comprovada mediocridade.

          Como já citei nesse blog, Ingenieros nos diz que os medíocres podem ter valor. É importante, sem embargo, que não se exagere muito neste campo, porque, como os  resultados de seu obrar continuam a repisar, o conjunto das dílmicas realizações é pra lá de lamentável e, mesmo, constrangedor.

            Como se os excessos das desonerações fiscais e dos programas assistencialistas estivessem aí para ninguém ousar não botar defeito, por uma vez mais Dilma II mostra que como os Bourbons - desculpe, Senhora Presidente, se lhe forço ir ao dicionário - ela nada apreendeu com os erros passados.  Tanto que resolve assinar decreto com novo incremento para o salário mínimo, com o coeficiente de 11,67%.  Não teria sido melhor, ao invés de meter goela abaixo da economia este coeficiente - que vai repercutir nos vários campos em que o dito salário mínimo é critério legal de aumento, e por isso  estultamente agregará outros valores que as nossas presentes finanças - e por sua causa, senhora Presidente - não estão em condições de aguentar, não teria sido melhor, repito, retirar a parafernália de índices, para limitar a total suportável com  nossos compromissos tributários, de que grande número é recalculado com o novo mínimo?

              Só os tolos e os medíocres se encarniçam em tempos bicudos como os presentes - tempos esses, seja dito de passo e por vez segunda, provocados por Vossa Excelência - em atrelar-se a regras que valem para os bons tempos.

               Por isso tudo, a decisão de manter Dilma Rousseff por mais três anos no poder não é questão de lana caprina. Ela é responsável - assim como Lula da Silva, que a indicou, como magno-coronelão, para um eleitorado que ainda é de cabresto - pelo que está aí, pelo tempo perdido, pelas pedaladas (que não são coisa de somenos, porque atentam contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, lei essa que, com enérgica burrice, o PT de Lula tudo fez para derrubar - e vejam só, meus ilustres passageiros, se Dilma Rousseff se houvesse cercado de assessores dignos do nome não estaria agora o Brasil a refazer o caminho percorrido, e a ser rebaixado pelas agências de classificação de risco, e tantos outros penosos percalços que nem a habilidade de experto Ministro pode esconder sob fina retórica. Para certas coisas, não há mágicos que produzir possam o contrário de o que tal sumidade nos trouxe.

 

(Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo; As Amargas, Não, de Alvaro Moreyra; Getúlio (3° volume), de Lira Neto, Cia. das Letras; José Ingenieros; Enciclopédia Delta Larousse )

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Diário do Impeachment (6)

 
 
         O Brasil é tido por muitos como país estranho, atípico. Já me referi à opinião que dele tinha Edward W. Said, sociólogo, de origem palestina, sediado nos Estados Unidos, que nos punha no mesmo escaninho que a Nigéria, como nação atípica.

        Vejam agora o que está sucedendo com o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Depois de retirada da gaveta pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a proposta firmada pelo advogado e ex-petista  Dr. Hélio Bicudo, e também pelo jurisconsulto Miguel Reale Júnior, foi objeto das primeiras providências de parte da Câmara de Deputados (a que pela Constituição incumbe o seu processamento inicial). Em consequência, a maioria da Câmara decidiu eleger, por voto secreto, câmara especial para o impeachment.

          Venceu a oposição, como se sabe, que designou por maioria, os membros da referida câmara.

           Como sói acontecer, o PCdoB, na qualidade de sucursal do PT, impetrou mandado de segurança junto ao Supremo. Embora a constitucionalidade de tal recurso seja discutível, o STF resolveu conhecer da matéria (V. blog a respeito).

           Malgrado o voto do novel membro Ministro Edson Fachin tenha sido elogiado por gregos e troianos - ele se manifestara pela constitucionalidade das providências aprovadas pela Câmara - o STF, por um voto de diferença, aceitou a tese do PCdoB.

           A vitória do grupo que apóia a Presidenta mudou o jogo, a ponto de o Ministro da Casa Civil Jaques Wagner já cantar vitória, considerando as disposições da sentença como prenunciando solução favorável a Dilma, o que equivale a dizer que a negação do impeachment pelo Senado - que é presidido pelo agora aliado Renan Calheiros - estaria à vista.

            Dadas as indicações existentes, se mantidas as condições, o governo Dilma teria possibilidades de safar-se do impeachment, o que pode ser bom para o PT e Dilma, mas extremamente negativo para o Brasil.

            Nesse contexto, reportagem de capa do Economist, hoje divulgada, coloca um viés muito negativo para o Brasil com a perspectiva de salvação da Rousseff, acenando inclusive com situação falimentar do Brasil no fim de 2016. Descontado o fato de que o Economist costuma ter visão bastante negativa  do Brasil - o que poderia talvez ser explicado pela circunstância de que, durante curto período, a economia brasileira, então sob direção competente, ultrapassara o Pib inglês... - a publicação britânica é conceituada, e por isso pode prejudicar-nos em meios especializados  .

              De qualquer forma, as últimas pesquisas de opinião do Datafolha apontam para uma baixa recuperação da Presidenta. Para quem estava em um dígito de aprovação, passar para a faixa dos dois dígitos representa desde já alguma retomada junto à opinião pública.

               Como as forças políticas pró-impeachment contam valer-se da pressão da opinião pública, eventual retomada nos índices de Dilma Rousseff implicaria por certo em claro retrocesso quanto à perspectiva de retirá-la do Palácio do Planalto.

               Nesses termos, se a posição da opinião pública nacional enfraquecer-se no que concerne à exigência da saída imediata da Presidente Dilma, o evolver no Congresso, já com o quadro mudado pelas modificações introduzidas pela sentença do STF apresentará um quadro não muito alvissareiro para a maioria nacional que deseja, por causa de sua atuação desastrosa para a economia, afastá-la da presidência por via do impeachment.

                Não se deve esquecer que existe, igualmente, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) causa em tramitação em que se contesta a chapa Dilma-Temer por supostas irregularidades eleitorais. A diferença desta questão para a da petição fundada nas pedaladas fiscais (de acordo com sentença unânime do Tribunal de Contas da União) é que atinge igualmente o Vice Michel Temer, que seria, neste caso, igualmente afastado. Haveria, portanto, um processo eleitoral para determinar quem substituiria a chapa que fora eleita em 2014.

               Ainda não foram jogados todos os dados para a sorte de Dilma. Por mais volúvel que seja a opinião brasileira, é extremamente difícil o quadro de eventual  recuperação da Presidenta. Se avaliada pelas condições objetivas, seria certo o seu afastamento. Na memória brasileira, não há Chefe de Governo com pior fé de ofício.  Até mesmo erros seus,  como os cometidos pelo governo Dilma em 2013 e 2014 "contribuíram para a grave crise que o país enfrenta. O ano de 2015 foi "tão duro" por causa deles, disse Wagner, citando a "desoneração exagerada" e "programas de financiamento num volume muito maior do que a gente aguentava".

              E sem embargo, nem a habilidade política e a surpreendente franqueza de seu Ministro da Casa Civil - na verdade, um super-ministro que tem conseguido lidar com a situação em vários fronts, após a gestão bastante negativa de seu antecessor na Casa Civil, Aloizio Mercadante - podem escamotear os danos provocados pela gestão da Rousseff.

               Por todas essas razões, e o conjunto de índices negativos que apresenta a nossa economia, não se poderia senão formular votos para que essa presença tão danosa para o Brasil seja afastada pela via do impeachment.

               O "Fora, Dilma!" representa, nas penosas e negativas condições prevalentes, a única solução realmente válida para o Brasil, desde que amparada em uma chapa de personalidades proficientes, honestas e que tenham visão política voltada para a recuperação da economia brasileira.

               Chega de oportunistas e de gente despreparada! O Brasil precisa de gente honesta, intenta em recuperar a nossa economia e o próprio governo. Ao invés do excesso, tanto em termos de ministros como ministérios, se deve prestigiar a qualidade e não a quantidade.

               A administração deve compor-se de poucos e não de muitos, que privilegiem a economia pública e não a fazenda privada, e que se hajam distinguido nas respectivas atividades, norteadas pela capacidade, cultura e competência.

               Será desejar muito? 



(Fontes:  Edward Saïd, O  Globo)

Negligência mais Subdesenvolvimento ?


                           
        De uns anos para cá, a quentura do verão tem sido a mãe gentil das epidemias de dengue. Neste quadro sombrio, há dois vetores que crescem sob a marca do descontrole.

        Primo, a dengue vira flagelo quando as temperaturas médias se elevam, e surgem as condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes Aegypti.

        E qual a razão da elevação dessas temperaturas médias, a ponto de os verões se alargarem e o inverno recuar em quase todas as plagas?  O motivo é o aquecimento global, que a grande maioria dos países encara como maldição da natureza, quando não passa de fator criado (ou incrementado) pelo bicho-homem.

        Há muitos poluidores globais - China, Estados Unidos, Brasil entre eles - porque prevalece a falsa impressão de que, como o aquecimento global é resultante da ação de todos, são poucos os países que se conscientizem da importância do exemplo individual. Passam para um indeterminado outro a responsabilidade por agregar mais em termos do agravamento da temperatura média de Mãe-terra. A China continua a 'destacar-se' neste campo, como vimos recentemente no 'fog londrino' [1]de suas estradas, que não é outra coisa que o efeito do emprego irresponsável do carvão.

         Há decerto países responsáveis como muitos dos europeus, mas há outros que, seja por arrogância, ou por burrice coletiva, pensam trafegar na via expressa do desastre ecológico (dentro do quadro da responsabilidade geral safadamente transmitem a respectiva quota para o vizinho ou algum imprecisado outro país, de que não querem saber nem o nome).

          A temperatura média global cresce quando as florestas diminuem - cada balão lançado aos ares, cada queimada ou corte abusivo na Amazônia, são crimes ecológicos, em geral impunes (por causa da ineficiência ou coisa pior das burocracias responsáveis) - e assim sobem as águas, são turbinados os furacões e seus parentes asiáticos, os ciclones, e por aí afora.

          E com a elevação da temperatura média quebra-se a única benéfica ditadura que é a  do equilíbrio ecológico! Assim, morar a beira-mar vira risco, enquanto a Groenlândia se vai derretendo (junto com a Antártida), o polo norte e suas águas viram avenidas para a navegação global durante todo o ano, aumenta a poluição (o mar de plásticos no Pacífico e também no Atlântico, libera-se o metano do permafrost (no Alasca e na Sibéria) - o que não é necessariamente medida politicamente distensiva.

          Assim, se cresce o oportunismo burro (uns continuam a agir na larga faixa da irresponsabilidade, deixando as obrigações para os poucos que são conscientes de que as responsabilidades são de todos), as conferências do clima persistem no  fechar de olhos para os mercadores dos combustíveis fósseis, que continuam a usufruir de vantagens, vantagens tais que são uma espécie de libra de carne do bom Shylock,[2] porque na verdade, e em fim de contas, nem tais companhias ao final serão beneficiadas...

             Que me perdoe o leitor por essa aparente digressão, que, na verdade, não o é.  Voltemos, portanto, à vaca fria, para falar do infausto crescimento da dengue no Brasil. Depois de um período em que ela foi eliminada em Pindorama - governo Kubitscheck - a praga do mosquito Aedes Aegypti voltou para o Brasil, de que se apossou por inteiro, ao que me parece (até mesmo no sul ele vive bem, obrigado).

              Em nossa terra, essa peste dispõe do território ideal -  altas temperaturas, coordenadas com a  incúria do poder público, asseguram-lhe a implantação e permanência.

              Para a eliminação do flagelo não se careceria de muito. O que se faz necessário é a presença ativa do Poder público através de campanhas de conscientização de toda a população (com a eliminação dos focos do mosquito - piscinas abandonadas ou não, terrenos baldios, negligência dos moradores ricos, classe média e pobres, lixões, depósitos de carros, pneus e o mais que imaginar-se possa em termos de sujeira e descaso). Dessarte, se cada um cumprisse com a respectiva obrigação e o poder público se imbuisse de responsabilidade permanente (e não apenas sob o látego da epidemia), passaríamos todos a ter melhor saúde pública, e o SUS, por menos sobrecarregado, daria à sociedade em geral assistência efetiva,  de resto o que estava na mente de seus criadores.

                A par disso, a consciência individual dos respectivos deveres e também direitos cresceria.  A memória coletiva ganharia - com a eliminação dos poluidores, a supressão dos lixões, da sujeira em praias, lagoas, rios e vá lá o que seja vítimas da incúria e da imundície - e com isso o nosso ego social melhoraria.

                Quem sabe não iríamos virar uma enorme Suiça no Continente americano ? Livres afinal dos sujildos, das pragas do subdesenvolvimento (e, por conseguinte, dos subpolíticos da corrupção e da sujeira), e tudo não passaria de jogo maravilhoso, em que cada um trataria de contribuir com a sua pequena porção (contra o Aedes Aegypti que vive na e da sujeira; contra o lixo jogado ao deus-dará e até como 'suposta punição a eleitores corajosos'; e tudo o mais que trabalha para o aquecimento global !).

                Sonhar não é proibido, sobretudo se trabalharmos com a nossa pequena mas eficaz parte na campanha contra a sujeira seja ela ética, moral, ou ela própria mesmo (in natura!).

               Será que administrar bem é assim tão difícil ?

      



[1] Fog londrino pode ser visto em filmes, reminiscentes do século XIX, mas não mais na capital do Reino Unido, em virtude de sua atenção  preventiva nesse campo, a partir do século XX.
[2] Personagem da peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

De Volta

                                                 

        Depois de curta ausência, surpreenderá o calor do Rio de Janeiro? Lembro-me nesse contexto do filme Rio 40 graus, o clássico de Nelson Pereira dos Santos, de 1955.

       Conta a história de garotos da favela, que vão vender amendoim na Zona Sul.

       A película foi censurada pelo estamento militar - a censura que naqueles tempos aparecia sempre como uma ficha em fundo branco, com a estrela oficial, o resumo da produção, e a assinatura, em geral ilegível, da autoridade.

      Vejam pelo resumo da estória como mudam os tempos. Naquela época, a molecada se esforçava em ganhar uns trocados, produzindo o amendoim para a Zona Sul maravilha.

       Hoje, vitelões açambarcam ônibus da ZN para a mesma Zona Sul, cujas praias invadem, para um exercício de apropriação coletiva. Embora previsível, em geral nada é feito no primeiro dia. Já no segundo, cai sobre os meliantes (ou de menores) todo o peso da lei.

        Mas voltemos à obra magistral de Nelson Pereira do Santos, estrelada por Roberto Batalin, Glauce Rocha  e Jece Valadão.

        Em 1955, o sonho getulista já fora encerrado a 24 de agosto de 1954, e o desconhecido Café Filho, o vice, assumira. Sendo de direita, o governo e em especial os milicos não gostaram nadica de nada do filme de Pereira dos Santos.

        Fundaram a sua contestação - respeitável porque a bateria principal se sediava na Censura de espetáculos, que pela delicadeza da matéria era confiada a militares - em que o filme se baseara numa premissa alegadamente falsa.  Sabia-se na época, ou pelo menos não era matéria questionável pela turma verde-oliva, que a temperatura de quarenta graus era coisa estrangeira, alienígena mesmo, para a então capital de República. Daí a compreensível irritação da classe militar e, em especial, de seus representantes na Seção de Censura na Divisão de Artes e Espetáculos (ou coisa que o valha) a quem incumbia a delicadíssima missão de autorizar a exibição e de classificar as faixas etárias a que o filme (ou a peça) teria na porventura autorizada exibição.

          O que exasperara os representantes da Censura é que o Rio nunca tivera temperaturas tão altas como quarenta graus. Daí a obra cinematográfica já se difundia por uma mentira (nos serviços competentes, segundo as autoridades asseveravam, a temperatura mais alta marca era de 39°,6 )

         Como, portanto, se poderia permitir a difusão de tal calúnia para a Cidade Maravilhosa ?

         Infelizmente, para alguns, a chamada Constituição Cidadã (aquela de Ulysses Guimarães e que o PT se recusou, como de hábito, a subscrever, para depois, na calada de alguns anos, vir a acrescentar as respectivas assinaturas...) suprimiu a Censura (pelo menos a que aparecia com a folhinha burocrata encimando qualquer produção cinematográfica, fosse de Pindorama ou do Estrangeiro).

           E sem embargo,  mais uma vez, um filme maldito no passado - e não tão longínquo - vira clássico...

            Será a marcha do progresso?      

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O Mercado não é bobo


                              

          Infelizmente, há casamentos incompatíveis e a união política entre Dilma Rousseff e Joaquim Levy deu no que tinha que dar.

          Não vou repetir a velha estória do escorpião, mas a separação era inexorável e inevitável.

          A Presidenta está demasiado imbuída das próprias ideias que, apesar de confusas, serão artigo de fé para ela.

          Se se detivesse um tantinho só e olhasse em torno, ela se daria talvez conta do estrago que já fizeram, não só ao famoso mercado, mas a toda gente brasileira, que sentiu fundo a volta à inflação, com todos os males a que o dragão pensa ter direito.

          Levy chegou com a segurança dos que sabem o dever de casa, mas inebriados, seja pelos eflúvios do poder, seja pela própria confiança de quem domina o mister, não se deu conta de que havia entre o céu e a terra outro fator sobre o qual não dispunha de controle durável.

          No início, a despeito e talvez um pouco por causa de sua imensa culpa em cartório, a Rousseff afrouxou as rédeas, cedendo por muito pouco tempo a iniciativa ao Ministro.

          A quebra dessa obediência  de circunstância não poderia durar muito, porque a Presidenta não tem ideias firmes mas convicções inabaláveis no acerto de sua visão econômica.  E fundada no diploma de economista, não haverá desgraça, tropeço ou mesmo vexame que a convença do contrário.

         E a nossa sorte - desfazimento do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal são as suas duas maiores anti-realizações - e as Pedaladas pelas quais foi condenada por unanimidade pelo colendo Tribunal de Contas da União estão aí para garantir não o seu renome mas a sua triste passagem à frente do Erário.

         Enquanto o poder estiver em suas despreparadas mãos, o resultado será o mesmo.

        E foi por isso que o famoso mercado não poderia dar fé ao substituto de Joaquim Levy. Nelson Barbosa é petista de carteirinha, e já tinha sido domado quando curvou a cabeça diante daquela reprimenda pública que lhe pespegou a Senhora Presidenta, tomando-lhe satisfações sobre os inaceitáveis  supostos novos critérios para o cálculo da atualização do Salário Mínimo. Até aquele momento, Barbosa pensava que as rédeas da Fazenda Pública as tinha o Levy. A chamada pública e o carão mesmo com que ela visitou o Ministro do Planejamento lhe terá aclarado as idéias. Não terá sido o estalo de Padre Antônio Vieira, porque  o nosso grande orador sacro depois dele mostrou-nos maravilhas. Já o Barbosa voltou cabisbaixo da bronca pública levada, para que ninguém mais ousasse pensar que ela toleraria qualquer mexida nos seus critérios sacrossantos, mesmo que inflacionários (como no caso, com a atualização dos corretores do salário mínimo até pelos dados do crescimento econômico). E não me venha com o contra-argumento que com Dilma não há crescimento, porque para ela estará garantido, junto com a inflação, a inchação do salário mínimo... Ela acredita tanto em tais fetiches, que na prática, com carestia ou não, ela trata de aumentar os salários, mesmo que o efeito seja contrário...

            Por isso, talvez seja melhor não espichar demais essas linhas, porque o fim da missão de Joaquim Levy estava anunciado desde o começo.

            Como todos os energúmenos (aquele que segundo o grego antigo está possuído por demônios ou energias sobre as quais não tem controle), ela não tem dúvidas, mas firmes, inabaláveis certezas.

            Que alguém com tal personalidade (e levíssima bagagem doutrinária) logre chegar à presidência de um grande país, acarreta mais cedo do que tarde tristes consequências para a população que, como rebanho de carneiros, abaixou a cabeça e seguiu o palpite da vez do coronelão político.

            Triste é a sorte de um Povo que se pauta por tais tão destrambelhadas diretivas. E como  o dragão que está de volta, regredimos no tempo, e só para contentar gente que não está preparada para o mando da nave Brasil.

             Nesse contexto, como mercado e o brasileiro estão cansados de fazer papel de bobo, quem poderia meter-se na cachola que um apparatschik petista como Nelson Barbosa, o das propostas orçamentárias com enormes déficits (a secreta fórmula de Dilma que deu no que deu), vá nos aprontar outra coisa senão mais notas negativas das agências de classificação de risco e o que é muito pior, a volta reforçada da inflação?

 

( Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Diário do Impeachment (5)


                                              

          O Supremo subverteu as suposições sobre o seriado do impeachment. Se perguntam muitos sobre uma série de possíveis suspeitas.

           De toda forma, quiçá no futuro se terá melhores indicações das razões por que o quadro foi de súbito subvertido.

           O mais surpreso terá sido, sem dúvida, o novel Ministro Edson Fachin, que preparara ótimo voto pensando resumir  o pensamento da maioria, para pilhar-se como redator do voto minoritário (posto que somente por solitário sufrágio).

           Não só esse tropeço - só possível em Pindorama pela possibilidade de os perdedores em um encontro recuperarem-se noutro, graças a recursos perante o Supremo - não é tido como definitivo, porque a prática sendo o que é, a revanche será sempre uma saída.

          Sem embargo, o PSDB volta a considerar seriamente a via do Tribunal Superior Eleitoral.  Há fundadas razões para tentar processo por essa via,  eis que se diz  que não se podem afastar  hajam irregularidades comprováveis na votação para a chapa Dilma-Temer.

         Como o horizonte do TSE não está mais tão sombrio - há muitos indícios de que a posição do atual presidente, o Ministro Dias Toffoli venha evoluindo e não em sentido da Presidenta - essa possibilidade de fazer soçobrar a chapa PT-PMDB não estaria de todo fora de cogitações.

Os Olhos da Tragédia de Mariana


                             
        Dilma Rousseff levou uma semana para sobrevoar o cenário da maior tragédia ambiental no Brasil neste século. Diferente de sua reação diante das chuvas e avalanches em Teresópolis.

        A prioridade um é a luta pessoal contra o impeachment. Aí, não há atrasos, nem descuidos. Para que se tenha essa disparidade de critérios, basta ter presente a silente, mas eficiente mobilização para lograr a aprovação de recurso do partido caudatário PCdoB contra a votação pela Câmara de Deputados, por voto secreto de câmara especial para o impeachment. Por diferença mínima de ministros, a coisa funcionou à maravilha para o reforço do Senado, com o amigo Renan Calheiros, acrescido o detalhe de nova votação para a câmara especial, proibido o voto secreto.

        Na aparência venceu, apesar da desfaçatez da iniciativa, e da afronta à igualdade e independência dos Poderes. Quem não entendeu nada foi o correto e competente Ministro Edson Fachin. Como apresentação às práticas do Poder, tiveram a sutileza de um paralelepípedo.

        Como mostrei na minha série Brasil: Corrupção & Burocracia, essa díade maldita opera desde muito na terra do Pau brasil. A rigor, desde o descobrimento por Pedro Alvares Cabral, um evento encomendado por el-Rei dom Manuel, dito o Venturoso. Programar o fortuito já é expediente de tirar o chapéu, dados os desafios que o pequeno Portugal devia arrostar, sendo peixe relativamente pequeno em um mar de tubarões.

        Na qualidade de detalhe, o pedido do escrivão Pero Vaz de Caminha. Sob o signo do patrimonialismo que se apossaria da Terra da Santa Cruz nada mais revelador de um clima de pequena corte renascentista.

        O artificial desastre da barragem da Samarco é também catástrofe demasiado brasileira.

         Pergunto-me se as medidas de segurança relativas à barragem não podem ser elencadas como uma brutal revelação da quase total displicência dos empresários responsáveis à proteção devida aos moradores que estivessem a jusante dessa obra.

         De saída, o meu interlocutor - seja ele quem for se brasileiro - poderá até achar absurda a colocação, pois ninguém que tenha uma boa situação correria tal risco.

         Por que então se permitiu que outros, menos favorecidos da sorte, se colocassem em tão desfavorável posição?

         A tragédia de Mariana e da ruptura da barragem afetou todo o curso a jusante do rio Doce, a ponto de poluir o próprio mar-oceano, na foz do rio. Os efeitos sobre a flora e a fauna são imensuráveis, chegando a prejudicar os próprios filhotes de tartarugas marinhas na sua área de desova e criação.

          Nesses grandes desastres naturais, com  destruição cega, brutal e violenta, tais característicos são previsíveis por mais amplos que sejam. Tampouco me quero deter nos detalhes ditos menores, como a ausência de um sistema de aviso da iminência de desastre. Não havia sequer uma sirene que pudesse ser ativada para alertar as ameaçadas vítimas a jusante da barragem. Essa falta de empatia, de inquietude, por mínima que fosse, com a necessidade da advertência aos ameaçados pelo flagelo, escreve mais em termos  de sensibilidade e de consciência humana e ambiental, do que imaginar-se possa.

          A cobertura dos flagelados de Mariana tem sido sempre mais espaçada e ocasional. Seria a banalidade do trágico.

           Enquanto a Vale e a Samarco se empenham na batalha à retaguarda, valendo-se do sagrado direito à defesa do respectivo patrimônio, diante das multas a serem impostas pelo Estado, que ativa mecanismos judiciais (Ministério Público) para cobrar dos infratores (que, por sua vez, com exércitos de advogados, tratam de retardar o avanço da Justiça), eu peço vênia para pensar nos infelizes que estão na terra de ninguém dos quartos de hospedagem que lhes couberam nessa imprevista, súbita e inarrestável catástrofe, das quais terão tido a fortuna de escapar vivos (feito que a muitos outros não foi concedido).

           E dentre esses desgraçados, confinados em ambientes descaracterizados - sem sequer um objeto, um memento que lhes seja próprio e que de alguma maneira o(a)s aproxime de um simulacro de um dia a dia como antes, eis que me foi apresentada em telejornal do meio-dia (já não os consideram matéria do horário nobre) uma senhora que nada sofreu fisicamente, mas tudo padeceu psicologicamente. 

           Essa senhora falava na sua solidão, no abandono em que se sentia, na sua total despossessão de bens materiais que lhe trouxessem lembranças da vidinha, decerto sem maiores momentos, mas de toda forma tranqüila, que antes da avalanche lhe assinalara a  existência. Vive hoje em quarto de hotel com total, geral, profunda ausência de qualquer lembrança pessoal ou familiar que seja. Nos seus olhos paira mudo desespero, um sentir mais fundo do que a angústia da barragem avançando como  besta do apocalipse sobre a sua vida, a sua existência, e, em especial, todos os contatos, por mais modestos, risíveis e insignificantes que antes lhe parecessem, que num átimo desapareceram afogados ou sufocados no pântano-lamaçal do cataclismo.E angústia enorme, sem bordas nem muralhas, que dela se apossara, e que a abandonada senhora de meia-idade só sabe expressar pelos seus olhos, recobertos de milimétricas camadas de lágrimas de algum modo contidas.E esses olhos, tão expressivos quanto passivos, a insinuar através do finíssimo lençol de lagrimas o peculiar, estranho mesmo, fenômeno  que,  substituía as palavras ou quiçá os gritos. Naquele programa, não de horário nobre, eles falavam forte e alto, a ponto de que todos deles não despegassem o olhar. Estranha mescla de espanto. Silente protesto diante da injustiça e sua enormidade.

           Então pensei: estou vendo a verdadeira tragédia de Mariana. Esta senhora sofre e  seu padecimento quase indescritível brilha na irrefreada angústia de alguém que se sente desatendido, à  borda do desespero. E, sem embargo, ela se contém, enquanto toda a sua raiva, nojo, sentimento de injustiça e tudo o mais que imaginar-se possa diante de situação aparentemente sem saída, cercada que está pela cortês, obsequiosa indiferença de tantos desconhecidos. O único que desvela são as pequenas muralhas de lágrima que nos olhos represa, como se fora espelho a medir a imensidão do mal que sobre ela despenca. Terá dúvidas se merece da gente dos governos, estadual e federal, assim como dos desconhecidos que se dissimulam atrás das câmeras de tevê, as gentis migalhas de atenção por que anseia e lhe foram tão cuidada e atentamente negadas na sua essência.  

(Fonte: Tv Globo)

domingo, 20 de dezembro de 2015

Colcha de Retalhos C 49

                                    

Hillary domina debate democrata.

 

           No debate do Partido Democrata, Hillary Clinton, consciente mas sem vangloriar-se de sua condição de front runner, soube manter o encontro sob controle.

           Na verdade, ela estava atenta em não deixar passar informações ou impressões sobre a candidata na frente das pesquisas, mas tomou sempre cuidado de não cair em armadilhas e/ou provocações.

           Sem exibi-lo de forma manifesta, o comportamento da candidata teria sempre debaixo da manga a sua condição de favorita na disputa com o Senador Bernie Sanders, do Vermont, e o ex-governador de Maryland, Martin O'Malley.

           Mesmo alguém sem qualquer outra informação, se daria conta  de que, em sendo o mais agressivo, Malley é também aquele que luta até hoje, em vão,para  sair do último lugar na pesquisa dos candidatos democratas.

           O próprio Senador Sanders não pareceu tão pugnaz quanto em vezes anteriores. Tampouco mostrou vontade de reacender a questão de ter o próprio comitê eleitoral através de um de seus ajudantes acessado e copiado informações sobre os partidários de Hillary nos dados do Partido Democrata. Confrontado por moderador da Rede ABC se não era o caso de um pedido de desculpas, Sanders concordou e disse: Peço desculpas.

           Além de não deixar passar nada que merecesse ser contestado, Hillary Clinton adotou postura de candidata que se avantaja no terreno, sem contudo cair nas armadilhas da hübris. Por isso, ela utilizou boa parte do tempo para atacar os seus rivais republicanos e notadamente o front-runner do GOP, Donald J. Trump. Qualificou Mr Trump como uma ameaça para a segurança nacional, dizendo que ele se estava tornando "o melhor recrutador para o Exército Islâmico".

             Se Hillary não perdeu oportunidade de rebater qualquer argumento de seus dois rivais democratas, ela mostraria de forma não tão sutil que, dada a situação, ela até ignorava os dois adversários no debate - Sanders e O'Malley - e frisou que "trazendo de volta o fator Donald Trump, ninguém sensato alienaria os próprios países que poderiam integrar a coalizão anti-ISIS" (reportando-se aos inúmeros países islâmicos  que são potenciais aliados militares contra o ISIS).

            Por outro lado, Hillary Clinton se comprometeu - tendo em mente sobretudo nos votantes que repelem os aumentos de impostos - em não aumentar impostos sobre unidades familiares que ganhem menos de US$ 250.000,00 por ano.

            Os seus dois oponentes democratas - o Senador Sanders e o ex-governador O'Malley, nas suas intervenções finais, compararam o trio democrata de forma favorável ao campo do GOP: "Penso que temos muito mais a oferecer ao Povo americano que os extremistas de direita", disse o Senador Sanders.

            Mas como assinalou o repórter do Times, saindo ilesa de mais um debate, a Senhora Clinton terá achado mais oportuno referir-se à volta de Star Wars (Guerra nas estrelas)

             E, sorridente, Hillary despediu-se: 'Muito obrigada, boa noite e que a força esteja com vocês"...

 

A Fase de Interrogatórios da Polícia Federal

             

             Noticia O Globo deste sábado que o ex-Presidente Lula da Silva disse em depoimento à Polícia Federal que coube ao então Ministro José Dirceu (hoje atrás das grades), e que era da Casa Civil,  indicar diretores da Petrobrás suspeitos de comandar o esquema de corrupção na referida Estatal.

             Segundo as declarações  de Lula da Silva, os diretores foram indicações políticas dos partidos e que ele apenas recebia as indicações a partir de acordos políticos. "O processo de escolha dos nomes dos diretores não contava com a participação do declarante", segundo citação do termo do depoimento, que foi anexado ao inquérito.

              O petista imputou à Casa Civil e à coordenação política de seu governo a responsabilidade por fazer, respectivamente, o encaminhamento das indicações  e os acordos políticos necessários à ocupação dos cargos. Lula disse que não conhecia Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobrás, atualmente preso em Curitiba por suspeita de operar esquema de desvios de recursos da Estatal.

               Segundo o depoimento de Luiz Inacio Lula da Silva "o nome de Renato Duque foi levado à Casa Civil da Presidência da República, à época chefiada por José Dirceu". Foi o que Lula disse ao Delegado Josélio Azevedo de Sousa. Ainda a respeito de Renato Duque, Lula da Silva asseverou não saber se foi o PT o responsável pela indicação de Duque.

             Sobre Nestor Cerveró, que ocupou a Diretoria Internacional e que também é suspeito de operar o esquema, Lula da Silva disse "achar"   que o nome foi uma indicação do PMDB. Dentro da mesma linha, acrescentou: "O declarante recebia os nomes dos diretores a partir dos acordos políticos firmados. Esse processo de acordos políticos era feito normalmente pelo ministro da área, pelo coordenador político do governo e pelo partido interessado na nomeação." Nesse contexto, o ex-presidente afirmou ter tido diferentes coordenadores políticos em oito anos de governo. Citou, a propósito, os petistas Tarso Genro, Alexandre Padilha e Jaques Wagner, que é o atual ministro da Casa Civil. Também citou Aldo Rebelo, do PCdo B, hoje Ministro da Defesa.

               A indicação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento partiu do PP, segundo Lula, e também "foi levada à Casa Civil para deliberação e posterior nomeação do declarante"."Ao final deste processo o declarante (José Dirceu) concordava ou não com  nome apresentado, a partir dos critérios técnicos que credenciavam o indicado."

                 Lula afirmou, outrossim, dentro dessa postura burocrática, mas aqui talvez com um toque de humor negro: o depoente "disse acreditar que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso em Curitiba, será absolvido".  Quanto a sua proximidade ao pecuarista e lobista José Carlos Bumlai, investigado e preso na Lava-Jato, Lula da Silva disse ter "relação de amizade" com Bumlai, mas negou ter tratado de qualquer negócio ou indicação política com ele.

                 Como se verifica pelas declarações de Luis Inácio Lula da Silva, há uma grande semelhança entre a questão ora a cargo do Juiz Sérgio Moro, de Curitiba, que se ocupa - e até agora com muito êxito - e o método utilizado no Mensalão do PT (Ação Penal 470), consoante julgada e com os indigitados, a começar pelo mesmo José Dirceu, também condenados pelo Supremo Tribunal Federal, então presidido pelo Ministro Joaquim Barbosa.  Nessa ação o ex-presidente Lula da Silva mostraria o mesmo comportamento, eis que, segundo declarou, tudo foi feito sem que ele tomasse conhecimento, eis que toda a questão esteve a cargo do então Chefe da Casa Civil de Lula da Silva, então o Ministro José Dirceu, que pediu demissão do cargo, voltou para a Câmara dos Deputados, aonde lhe esperava a cassação, e seria mais diante indiciado, julgado e condenado no quadro da Ação Penal 470, pelo mesmo Presidente Joaquim Barbosa, e os demais membros do Supremo.

 

( Fontes:  O Globo, Veja, New York Times )

Leguleios em Férias ?


                                  

       A expressão, excluída a interrogação, é do Presidente Getúlio Vargas, em momento não particularmente feliz da Democracia brasileira. No entanto, o vocábulo, com a sua conotação pejorativa, continua muito popular em termos de uso nos dias que correm.       

      O abuso do direito de recurso, que é entranhada característica dos rábulas, continua de resto muito popular na velha (nova) república.

      Deveremos ter presente que a instituição parlamentar atravessa uma clara crise. Não é circunstância de somenos que os seus dois Presidentes são suspeitos na Operação Lava-Jato. Para ambos foi considerado que suas residências (no caso, oficiais) fossem objeto de operações de busca e apreensão de parte da Polícia Federal, e foi tão só decisão monocrática do Ministro do Supremo Teori Zavascki, que se deveu a exclusão de um desses presidentes da aludida operação, embora seus auxiliares não tenham sido poupados.

      Os exemplos, infelizmente, desse emprego que pode ser visto como abusivo, estão se acercando da área da banalização, em que esse tipo de recurso semelha já estar inscrito no campo das apelações quase automáticas.

      Foi o que ocorreu com o recurso, atribuído ao PCdoB, quando a Câmara de Deputados decidiu pelo voto de seus membros, que a câmara especial que se ocuparia do processo de impeachment de Dilma Rousseff seria escolhida pelo voto secreto de seus membros, e não por indicação dos líderes, como era desejo da maioria governamental.

       Não sei o que ocorreu para convencer a maioria de seus membros a optar pelo voto secreto para a designação. De qualquer forma, será sempre a maneira preferencial para a seleção de membros para julgar o Poder Executivo. Aqui, não há lugar para hipocrisias: enquanto o voto em aberto é o preferível para evitar o corporativismo parlamentar (perante o Povo soberano), o voto secreto é o recomendado diante do Poder Executivo, para dar independência aos seus eventuais juízes.  

      O que aconteceu em seguida? Perdedor no Legislativo, o PCdoB, parte subalterna da maioria dilmista, não hesitou em partir para o recurso ao Supremo. Esse tipo de recurso in extremis se vem automatizando, como se fora parte de um arsenal disponibilizado pela respectiva banalização.

      É de ver-se, de início, com preocupação o uso intensivo, quase automático, de recursos ao Supremo, como se a Constituição de 5 de outubro de 1988 houvesse erigido como poder máximo na República o Supremo Tribunal Federal.

         Dentre as cláusulas pétreas da Constituição, está o artigo 2°, no título "Dos Princípios Fundamentais":

        "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

 

         Esse vezo de recorrer ao Supremo para tentar fazer valer a própria posição, não obstante a votação respectiva não possa ser inquinada de qualquer vício que tenha afetado a capacidade de seus membros, seja da Câmara, seja do Senado, seja até do Congresso, mostra claramente a banalização do recurso ao Supremo, como se fora de sua competência decidir em ultima ratio.

 

        No caso em tela, a banalização desse recurso - que se vê talvez reforçada  pelo momento difícil que atravessam os dois Chefes de Câmara e Senado, como suspeitos na operação Lava-Jato - distorce o equilíbrio republicano e, no caso em tela, afeta diretamente aquela parte do Poder Legislativo que é a representante do Povo soberano.

        

         Por outro lado, como agradável surpresa, o Ministro Edson Fachin afastou muitas suspicácias surgidas no seu processo de aprovação pelo Senado, com um parecer primoroso, que apesar de elogiado por diversos pares, com profusos encômios, semelha não ser suficiente para demovê-los da preferência pela alternativa oferecida pelo não-tão surpreendente parecer   alternativo do Ministro Luís Roberto Barroso.

 

          Não que não tenha havido agradáveis surpresas nos cinco votos perdedores, como o do Ministro Dias Toffoli, como já assinalei no blog respectivo.

 

          Na sua ânsia de derrubar a votação da Câmara, chegaram mesmo ministros a ocupar-se de decisões interna corporis dos Deputados, que configura o excesso na própria imisção nas deliberações de outro Poder da República, no caso o que mais próximo está do Povo Soberano.

 

          Fraquezas momentâneas e particulares não nos devem desviar o olhar da essência da Constituição. Não a deturpemos de forma oportunista, porque as Cartas Magnas não são rascunhos a serem alterados com a mesma incontinência que o cineasta Abel Gance tão bem retratara na sua obra-prima Napoleão (1927), que, em versão revista, (por iniciativa de Jacques Lang) tive a oportunidade de assistir em Roma (1982). Nesse seu filme, Gance nos apresenta a Assembléia Nacional da Revolução, assim como lhe compara as respectivas reações aos movimentos do mar, em que tempestade e bonança se alternam.

 

( Fontes:Getúlio, Lira Neto, Companhia das Letras; Constituição 1988; Dictionnaire du Cinéma, Larousse; Tevê Justiça )