quarta-feira, 9 de novembro de 2016

A longa noite das Falsas Promessas

     
                                      
            Meu bom chefe e amigo, que alguma coisa da vida e do boxe aprendera, me disse por mais de uma vez: o único golpe, Mauro, que nos nocauteia, é aquele do qual não se sabe de onde saíu.
            Com a própria sapiência de vida, enriquecida pelo boxe, o grande diplomata Miguel Ozório de Almeida me transmitiu lição que não vale apenas para essa luta renhida que os seus partícipes chamam de nobre arte.
            É sabedoria partilhada por todos os seus praticantes, por mais marcado que tenham o rosto e mais gastas as luvas.
            Ontem, a surpresa se desenharia não de pronto, através dos anúncios excitados dos locutores, e dos comentários algariados das chamadas cabeças falantes. Por mais desconheçamos a posição dos comentaristas, o espectador engajado não se confundirá por muito a respeito de por quem o coração -  que busca manifestar a própria isenta opinião - bate mais forte.
              Ao depararmos afinal, as opiniões de A, B ou C, algumas já matizadas pelas primeiras decepções, outras, saindo afinal dos disfarces de longo trabalho no esperar da hora certa para desvelar as próprias simpatias, não se fazia necessária muita experiência da eleição de que ora se rasgavam os segredos, que alguma coisa de muito errado estava saindo da criatura monstruosa que principiava a liberar-se dos estorvos da velha cabine telefônica das historietas em quadrinhos.
                Os comentaristas continuavam a perscrutar os condados azuis (democratas) e vermelhos (republicanos), segundo as provadas estatísticas. No entanto, os malditos números não correspondiam às promessas naquelas cores convencionais. Assim, da Flórida não saíam as legiões de partidários, que a sua diversidade étnica e o temor do bicho-papão Donald Trump prometiam, com as algariadas antecipações de o que acenaria o voto antecipado, jogado depressa nas urnas pelo medo do muro.
                  As primeiras vantagens da candidata democrata se íam derretendo diante dos números interioranos, que, apesar da linguagem arrevesada do melting-pot da Flórida, teimavam em não imitar os totais de antanho, colhidos por Barack Obama.
                   Como se disse alhures, a respeito de outras questões, a derrota costuma apresentar outras razões que a própria razão desconhece. A ditadura chinesa se acredita autorizada em esfregar em Washington que tais surpresas só a democracia engendra. Os regimes da opressão, como a própria  China, se lançam a censurar os supostos defeitos da liberdade, enquanto mais se empenham em sufocá-la na própria terra.
                   A América profunda pode lamentar a vitória de Donald Trump, que até há pouco era escarnecido por muitos comentaristas. Há muitos traços no perfil do candidato republicano que o desfavorecem, se o compararmos com Hillary Clinton.  Sem embargo, sobre esta última pesavam suspicácias e prevenções. Seria a primeira mulher a sentar-se na cadeira presidencial. Tem longa trajetória política - colheu a sua parte de rancores e  prevenções - e cometeu, como todos os que tropeçam nessa caminhada, alguns erros, um dos quais terá sido tomar como certa a Pennsylvania, um dos maiores estados americanos, que sempre votara democrata.
                 Houve a reanimação do escândalo dos e-mails, com estranhas idas e vindas, afinal canceladas já na vigésima-quinta hora pelo diretor do FBI, James Comey. Dizem que os vencidos têm todas as culpas, porque o povo não erra.
                  Isso, lamentavelmente está por demonstrar-se. Em outra eleição contestada, a de George W. Bush contra Albert Gore, na qual a Suprema Corte se transmutou em grande eleitora, ao  sacrar como vencedor quem perdera  na eleição pelo povo, através da interrupção da contagem  dos votos na mesma Flórida. Naquele tempo, a lenta recontagem prometia ao democrata os louros da vitória, que confirmariam no cômputo do colégio eleitoral, a votação do povo americano.
                  Devo confessar aos meus dezenove leitores que, a horas tantas, me cansei. Senti inimitáveis no seu sopro agourento os ventos da derrota para a candidata da esperança, a primeira mulher que parecia destinada a sentar-se no gabinete oval da Casa Branca.
                    Lamentavelmente a minha fadiga, que era mais política do que humana, me apontou o caminho certo. Demasiadas incógnitas continuavam suspensas no ar.  Onde estão os exércitos democráticos da Flórida, que teimam em desmentir as esperanças dos especialistas? Por quê a Pennsylvania não redesperta para as suas antigas tradições?  Por quê o voto generoso da Carolina do Norte, que redespertaria para os seus amores do Partido Democrata, teima em não sair das urnas? O que é feito daquele élan que nos teus olhos tão puro distingui, naquele estado que o voto antecipado prometia repor no campo da esperança?
                     A derrota costuma ser um enredo longo e aborrecido, entrecortado por demasiados enganos, falsas esperanças e muitas desilusões, enquanto a vitória, pelo menos nos seus avatares iniciais, tudo parece desculpar, enquanto ao vencedor convergem os cumprimentos e até os abraços de quem até há pouco, ou o escarnecia, ou lhe desejava o mal que se vota àqueles que nas costas levam o imã da derrota, que é pródigo em risotas, menosprezo e, o que é talvez pior, aquele silêncio culpado do antigo ardoroso partidário que ao cruzar  com o anterior símbolo das esperanças partidárias e nacionais, desvia o olhar pesado para outras bandas,  movido por irrepresso, mas  humano horror aos vencidos.


( Fontes:  Miguel Ozório de Almeida, Luiz de Camões, C.D., CNN, J.S. )    

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