terça-feira, 14 de julho de 2015

Afinal, o que é o ISIS ?

                                            
 

       Este é o quinto artigo publicado pelo blog acerca de o que pretende ser o Califado do novo Estado Islâmico. Desta feita, a minha fonte, Malise Ruthven se ocupa do Islam, tendo publicado recentemente ‘Encontros com o Islam’ e, anteriormente, ‘O Islam no Mundo’.

       Para a matéria tratada desta vez, ela se baseia em avaliação fundada em livro recentemente publicado em Londres, de autoria de Abdel Bari Atwan, sob o título ‘Estado Islâmico: O Califado digital’. Segundo se refere, esse volume também sairá neste setembro, pela Universidade da Califórnia.

       É óbvia a motivação para o interesse evidenciado com vistas a maior conhecimento do Estado Islâmico. Não será todo dia que surja no mundo nova entidade política, que malgrado o seu caráter reacionário – pois apesar de intitular-se Califado, essa entidade caíra em desuso desde 1924, quando Mustafá Kemal, o líder da nova Turquia, a aboliu formalmente, junto com o defunto Império Otomano – ela tem até o momento, por uma conjunção de fatores, evidenciado, além de sucessos tópicos e manifesta agressividade, a capacidade de atrair o proletariado interno da Europa Ocidental e do Oriente Próximo.

       Não obstante o mencionado molde reacionário, o ISIS se tem valido de capacidade de adaptação ao emprego de instrumentos digitais de que se serve na respectiva propaganda. A contradição está na mensagem reacionária – o califado sunita –  a qual emprega como meios de divulgação os instrumentos da tecnologia digital.

        Como sublinha o livro de Atwan, a ressurgência do Islam, com o ataque às Torres Gêmeas, desencadearia uma série de conflitos, o primeiro dos quais foi o do Afeganistão. Com a eliminação pelos Focas da Marinha americana de Osama bin Laden, no seu derradeiro refúgio no Paquistão, a cidade de Abbottabad, o seu sucessor formal, Ayman al-Zawahiri  se torna cada vez mais irrelevante. Com efeito, para Abdel Bari Atwan, o verdadeiro herdeiro é Abu Bakr al-Baghdadi,  que, como se sabe, seria o real sucessor de Bin Laden. Para Atwan, sendo o sombrio Califa do ISIS (Estado Islâmico) o “Comandante dos Fiéis”, ele apresenta ameaça muito mais temível para o Ocidente e os regimes do Oriente Médio (inclusive a Arábia Saudita) que se sustentam com armas ocidentais, de o que implicou o próprio  bin Laden da caverna afegã ou do bucólico esconderijo na cidade paquistanesa.

         Dentro do formato de Arnold Toynbee, estamos, no que concerne ao mundo árabe, sobretudo no espaço sírio, iraquiano, e de outros países menores, por uma luta de estados sucessores. Seria o período de porfias entre países e movimentos filiados às bandeiras em liça, de que, ao cabo, emergiria uma cultura ou civilização, que os englobaria sob a ideologia vencedora.

         Confrontam-se as seitas sunita e xiita, e é das batalhas entre esses dois ramos do Islã que sairá  o sucessor desta guerra intestina. Desse conflito, a Síria representou um paradigma, porque, sob direção alauíta (uma seita heteróclita próxima aos xiitas) havia muitas outras crenças, como a majoritária sunita e a cristã. Com a contestação da camada majoritária sunita ao regime autoritário dos al-Assad, quebrou-se o entendimento e a relativa tolerância religiosa do sistema introduzido por Hafez al-Assad em Damasco. A guerra civil síria, com a superação por Bashar al-Assad da direta ameaça à sua queda, involuíu para conflito de baixa intensidade, em que a radicalização sunita abriu através da al-Nusra abriu espaço para o ISIS e o progressivo apodrecimento de um regime autoritário, mas com concessões a minorias.

           Dessarte, o enfraquecimento do Estado alauíta dos al-Assad para o atual desastre no leste da Síria, desastre esse que abriu espaço para o Isis ao norte, e para o horror epidemiológico a oriente, como oportunamente descrito pelo blog. 

           Para Atwan, uma das principais forças que possibilitam a formação do Estado Islâmico é a aptidão digital do corpo operacional do ISIS. Para tanto, os seus técnicos se valem da mídia social, com penetração em faixas de público jovem. Esse público é acessado através dos portais da mídia – que é ocidental na tecnologia, mas aberto na ideologia.

            Os celeiros demográficos do ISIS se acham junto ao chamado proletariado interno das principais nacões ocidentais (Europa) que é de origem medio-oriental (Magreb africano ou Turquia), e que não se sente plena e socialmente realizado na Europa Ocidental. Em parte, seria a chamada racaille (ralé) do discurso do então Ministro do Interior Sarkozy, que seria confinada aos subúrbios pela sua origem islâmica. É o atual proletariado interno da civilização ocidental, proletariado esse que, em muitos casos, não se sente representado no espaço político ocidental.  Desse modo, o afastamento psicológico do proletariado interno – se reedita o que existia sob o tardo Império Romano – e daí a terminologia de A. Toynbee – na realidade pelo seu ethos social e político está aberto para a dissidência, como se tem comprovado pelas defecções para o ISIS.

             Para que se tenha ideia do tamanho presente do Estado Islâmico, assinale-se que atualmente de sua ‘capital’ Raqqa domina faixa territorial quase tão grande quanto a Inglaterra.

             Nesse contexto, Jürgen Todenhöfer, que transcorreu dez dias em áreas controladas pelo Exército Islâmico, tanto no Iraque, quanto na Síria, observou de forma categórica: “É preciso entender que o ISIS é agora uma nação”.

              Se essa assertiva pode ser contestada, o que Todenhöfer quis frisar é que o ISIS,  nas áreas da Síria oriental e do Iraque ocidental (que são contíguas), funciona hoje como um Estado.

              Para Atwan,  o EI é uma bem dirigida organização que combina eficiência  burocrática e experiência militar com uso sofisticado da tecnologia de informática.

              Abu Bakr al-Baghdadi, por motivos sobretudo de segurança, raramente aparece em público.  É também conhecido com o Fantasma (al-shabah), ou o xeque invisível, por causa do hábito de usar  máscara quando se dirige a  seus comandantes. Note-se que isso também pode ser imitação dos  Imperadores Chineses, que davam as ordens para seus alto funcionários por trás de biombos.

               O seu nome verdadeiro é Ibrahim bin Awwad bin Ibrahim al-Badri al-Qurayshi. Nasceu em 1971 na cidade iraquiana de Samarra, que, entre 750-1258, foi a sede dos Califas do período Abbasida (750-1258).  Simbolicamente, a tribo Bobadri a qual ele pertence inclui a tribo de Qurayshin, na sua linhagem (segundo a tradição clássica Sunita, o Califa deve ser um Qurayshita).

               Na biografia  de Baghdadi, transmitida on-line, e proporcionada  pela agência al-Hayat da mídia do Exército Islâmico, ele pertence a família de religiosos, que inclui diversos imans (líderes da oração) e expertos (scholars) do Alcorão.  Al-Baghdadi terá cursado a Universidade Islâmica de Bagdá, onde recebeu os seus diplomas de bacharel, mestre e doutor (Ph.D.), e versou a jurisprudência islâmica bem como estudos de cultura e história islâmica.

                   Como assinala Abdel Bari Atwan, que é conhecido jornalista árabe, as suas credenciais acadêmicas conferem legitimidade à respectiva pretensão de ser guia religioso, bem como líder político e militar – autoridade de que não dispunham nem bin Laden, nem Zawahri – a sua extensa experiência em campos de batalha, e a reputação de ser tático astuto, o habilitaram a ganhar o apoio de comandantes experientes e administradores do antigo regime Baathista.

                    Ainda segundo Atwan, em janeiro de 2015, quando a aliança liderada pelos Estados Unidos intensificou o bombardeio aéreo nos alvos do regime islâmico no Iraque,  o Conselho Militar decidiu remanejar os seus esforços na direção da Síria.  Os combatentes no Iraque foram instruidos a se manterem inativos, com perfil baixo, enquanto os batalhões e a células em hibernação na Síria foram reativadas.  Em resultado, o E.I. dobrou o território sob seu controle na Síria, entre agosto de 2014 e Janeiro de 2015.

                      O Exército Islâmico se tem valido do apoio de ex-Baathistas. Céticos podem duvidar da sua sinceridade, eis que sob Saddam apoiavam administração laica. Entretanto, segundo Atwan, o mais provável é que o seu apoio ao ISIS seja motivado por convicção religiosa, dada a anterior ascendência dos detestados xias no Iraque. Voltariam agora para a sua fé sunita.

                       Que não se iludam, no entanto, aqueles que acreditarem na exortação do Califa ‘me aconselhem quando eu errar’. Com efeito, qualquer ameaça, oposição ou mesmo contradição, será erradicada de forma instantânea. 

                        Baghdadi tem dois alternos – ambos membros do antigo Partido Baath do Iraque, sob Saddam Hussein.  Ambos foram seus companheiros no Acampamento Bucca, o extenso centro de detenção na ocupação pelo Exército americano,  localizado no sul do Iraque.  Hoje esse campo de detenção é visto como uma espécie de universidade do jihad (guerra santa), em que antigos Baathistas e insurgentes sunitas teceram laços ideológicos e religiosos. 

                        Assim, Abu Muslim al-Turkmani, que é o vice de Baghdadi, era membro da temida inteligência militar de Saddam. O segundo vice de Baghdadi, Abu Ali al-Anbari, era general de divisão no exército iraquiano.

 

( Fonte: The New York Review of Books  )

 

                                                                                (a continuar)

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