domingo, 19 de julho de 2015

A 'Democracia Venezuelana'


                                      

          Confrange que o Brasil de Dilma Rousseff ainda considere a Venezuela como país democrático. Sob o governo inepto, corrupto e violento de Nicolás Maduro, a população padece sob o geral desabastecimento, a inflação desenfreada e a mão pesada dele próprio e de seus meganhas.

         Nunca tantos sofreram sob os desmandos e os crimes de polícias e serviços secretos que se acobertam, em insolente audácia, debaixo de títulos bolivarianos, em contubérnio pelo qual unem à tal descarada ditadura o ilustre nome do Libertador: Polícia Nacional Bolivariana (PNB), Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e Serviço Bolivariano de Inteligência (SEBIN).

         Nos séculos passados, a Venezuela teve a sua imensa quota de tiranos. Infelizmente, o regime democrático que assumiu  o poder com a derrubada de mais um militar, Pérez Jimenez, foi com o tempo perdendo a confiança do Povo. Foi numa das viagens de Carlos Andrés Pérez que o tenente-coronel Hugo Chávez, no putsch de fevereiro de 1992, tentou empolgar o poder. CAP voltava de enésima viagem ao exterior, e na noite de três e na madrugada de quatro escaparia por duas vezes do assassinato, na residência oficial La Casona, e horas mais tarde, por uma porta lateral do Palácio de Miraflores. Como me referi ao assunto[1] “a fortuna não abandonou Carlos Andrés Pérez naquela noite”. No entanto, o prestígio estava muito desgastado, e as suas incessantes viagens ao exterior aprofundavam a ferida. Por isso, o apoio que então recebeu “foi mais institucional do que propriamente pessoal”.

         Chávez, o cabecilha da intentona, não se pejou de quebrar estabilidade institucional de três décadas. E nas suas declarações, feitas após a prisão, com a jactância que mais tarde se faria melhor conhecer disse que “por agora” cabia as forças que comandara esperar.

         A história da América Latina está semeada de movimentos de chefes militares que sempre visam a afastar governos civis  que dizem estarem voltados contra os anseios populares.

         Chávez voltaria e não tardaria a estabelecer, de forma democrática a princípio, um novo regime em seu país. Nesse sentido, foi pressaga a intuição de Garcia Márquez ao ver o ainda jovem coronel, a caminhar, cheio de boas intenções no tarmac do aeroporto, e perguntar-se se ali não estaria mais um tirano latino-americano.

          Ao contrário de muitos caudilhos, uma longa doença levaria o Caudillo. O herdeiro designado Nicolás Maduro, que colhia as instruções do Chefe através de um passarinho, venceria em contestada eleição o embate contra o candidato Henrique Capriles, por uma diferença de 1,5%.

           Por força de sua crescente impopularidade e da situação calamitosa na Venezuela, Nicolas Maduro endurece ainda mais o regime. A repressão aumenta e os porões dos cárceres são testemunhas das torturas e sevícias dos agentes da nascente ditadura.

               Se no tempo de Hugo Chávez, a presença do regime estava em toda parte, havia ainda lampejos democráticos. Com o politicamente fraco Maduro, a sua insegurança, por um cruel e até banal mecanismo, se transmuta em prisões ilegais, em desrespeito às manifestações e aos manifestantes, à tortura como sistema.

               No livro “Testemunhos da Repressão”, de autoria de Carlos Javier Arencíbia, agora publicado,  se informa que em 2014 o governo chavista prendeu 3.765 pessoas.

                A primeira vítima da repressão de Maduro foi jovem carpinteiro de Guatire, Bassil da Costa.

                Caminhava em sua primeira manifestação contra  o governo. Quando a passeata foi investida, a tiros, pelos home   do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN), recebeu um tiro pelas costas, quando procurava fugir dos meganhas que atiravam sobre a multidão. O disparo atingiu-lhe  a parte posterior da cabeça, morrendo na hora. Debalde seus companheiros o levaram para um hospital, pois já estava morto.

                Desde muito, a Venezuela de Nicolas Maduro deixou de ser  democracia. Quando esteve em Brasília,  tentou ‘penetrar’ em reunião de Dilma Rousseff com  o presidente da Guiana, Granger, com quem tem a pendência de Essequibo. É constrangedor que pela própria insensibilidade se descubra em situações vexatórias, como é a de ser barrado.

                 De resto, em suas viagens vira personagem esquerdo, que sai das reuniões antes do tempo e que enjeita banquetes oficiais, como agora procedeu em Brasília.

                 Temeroso de ter de enfrentar pedido de Papa Francisco para que pusesse fim à prisão ilegal de Leopoldo López (então em greve de fome), preferiu mentir e inventar uma gripe para não ter de encarar o Santo Padre, em audiência marcada desde muito.

                 Que um regime como o chavista esteja destinado à lata de lixo da História é só uma questão de tempo. Dado o seu caráter sanguinário, o próprio sobrenome do tirano daria a sugestão de um prazo que parece, para alegria da Nação venezuelana, já haver entrado na contagem regressiva.

                  Como o futuro, no entanto, continue a pertencer à burocracia divina, e atendido o seu imprevisível caráter, a torcida aumenta mas o resultado ainda pende da notória inescrutabilidade do Olimpo. 

 

( Fontes:  O Globo, Venezuela: Visões brasileiras (pp.107/151)



[1] V. Venezuela: Visões Brasileiras, IPRI, Fundação Alexandre de Gusmão, pp. 107/8.

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