terça-feira, 26 de maio de 2015

Fala sério, Dilma !

                                           

         A crença em que as pessoas podem mudar e, sob o chicote da realidade, se empenhar em outro caminho, responde a um comportamento que muitos julgam seja comum à maioria .

        Em termos de psicologia, a coisa funciona da seguinte maneira. Se, no passado, um modo de comportamento mostrou-se redondamente equivocado, é comum a suposição de que diante de manifesto fracasso, esta pessoa  venha a rever a sua posição diante de um determinado curso de ação.

        Nessas condições, comprovada a ineficácia da solução  proposta a determinado problema, quem quer que seja, se tiver algum juízo, há de procurar não repetir o erro, e tentar outras veredas.

        Por vezes, mesmo verificando que no plano do sujeito comum, a superação de  determinada postura existencial, a menos que surja intervenção de fora – o chamado deus ex machina – não é a reação mais provável, eis que esse ator tende a persistir na mesma rota, e, por conseguinte, a repetir os mesmos erros que determinaram a situação  em que se encontra. Para ele ou ela, será determinação ou força de vontade, para seus próximos, que podem vir a pagar a conta, será teimosia ou burrice. 

         Assim, a aparente recaída de Dilma, voltando ao seu comportamento precedente, atende às características da personagem. Ela usou esse antimétodo no primeiro quadriênio e a despeito das demências fiscais e da piora sustentada da situação econômica brasileira, ela decerto se apóia no estelionato eleitoral dos comícios de 2014 como se tal conjunto de erros fosse justificável por um triunfo obtido pela quase generalizada ignorância do desastre do primeiro quadriênio, a que se conjuga a esperteza tornada possível pelo  aparelhamento do Estado, e assim escapar, ainda que por um triz, de um potencial algoz nas urnas do segundo turno, i.e. Marina Silva. Os gerarcas do PT – de Lula para baixo – sabiam que a estória seria diversa se a carismática e honesta acreana fosse a sua adversária na hora da onça beber água. Por isso, sequer direito de resposta lhe seria dado para um filmete de João Santana, que apresentava autonomia do Banco Central como se fosse igual a tirar a comida da mesa do pobre.

           A eleição determinante de Dilma – a da sucessão de Lula da Silva – se deve  a um erro do nosso primeiro presidente operário, que não duvidou da possibilidade de eleger a Mulher do Lula (ele não alimentava dúvidas sobre tal êxito, daí a sua ascensão como eleitor de postes). Na verdade, esse erro é fruta da conhecida húbris. Colocando a figura do coronel político em nível presidencial, Lula da Silva não se atarda sequer em cogitar sobre as possibilidades de que o despreparo de Dilma Rousseff,  a sua falta de convivência com os desafios de um cargo no máximo nível, poderia ter danosas consequências para Pindorama.

          Desde cedo, o torneiro mecânico transformado em líder operário, cuidou de não pensar muito nas consequências de colocar no Planalto alguém que nunca  concorrera a cargo eletivo, e cujas funções na Presidência não eram, como ele propalava, de gestora dos Ministros, mas sim  de chefa de gabinete. Com o seu otimismo – e interesse em preservar o posto para eventual retorno seu – ele tratou de preterir o punhado de medalhões petistas, que teria mais condições de ser Presidente da República, com plena compreensão das capacidades (e perigos) dessa cadeira.

          Infelizmente, não foi assim. Tampouco teve sucesso  seu plano de voltar em 2014, porque, entre o (pouco) que aprendeu na planície (ainda que dourada), a ficha caíu quanto à capacidade de presidente em exercício de pleitear a reeleição (salvo alguns casos terminais). A despeito da mediocridade de sua gestão, Dilma reuniu força bastante para assegurar-se da capacidade de pleitear a reeleição. O esperto Lula que pensava tudo saber teve que apreender essa amarga lição. Adaptando a frase do argentino Ingenieros, os medíocres podem ter a sua hora. Contra a sua expectativa, Lula da Silva foi escanteado e teve de ficar chupando o dedo, enquanto o cortejo de Dilma passava.

          Agora, ele tem outros fantasmas a cuidar. E por mais esperto que seja, Husserl já nos ensina que a realidade é multifacética, e por isso a prudência e por vezes a aurea mediocritas (a mediocridade dourada), pode ser muito importante se alguém pretende retornar ao poder. E este parece ser o caso de Lula.

          Mas voltemos ao tópico de Dilma e de sua aliança com Joaquim Levy. Como Presidente, o seu espaço encolheu. Teve de delegar, na prática, a coordenação política a Michel Temer. Por outro lado, e as últimas votações no Congresso o demonstram à saciedade, a capacidade de fazer com que as suas propostas legislativas sejam aprovadas entrou em área de muita perturbação.

          Vamos repassar o manual político. O que faz um presidente ser obedecido e ter as respectivas mensagens ratificadas? Dispor de  maioria no Congresso  que por ele (ou ela) tenha respeito. O medo se é  reação bastante humana não deveria ser abusado, seja porque provoca reações imprevisíveis, seja por ser dificilmente sustentado por  período mais longo em uma democracia.

          Agora, se não se tem medo de Virgínia Woolf, não creio que um político, com seu saudável cinismo, vá hoje ter receio de Dona Dilma. Paúra dela podem ter os integrantes de sua roda palaciana, porque uma dílmica explosão no caso dessa gente – que em geral não tem muita relevância, sendo para eles apenas indispensável o lugar físico junto do poder qualquer que ele seja – pode ter consequências molestas.

           Tome-se, v.g., o caso de Aloisio Mercadante. Desde muito, que ele surge como “o favorito” da Presidenta.  Por isso, que está na Chefia do Gabinete Civil, e por isso também conseguiu superar a procela causada pela eleição de Eduardo Cunha, o novo Presidente da Câmara, e desafeto de Dilma (pelo menos, por enquanto).

           Mas voltemos a uma equação que a nós  brasileiros mais interessa do que essas quizílias palacianas. Reporto-me à relação Dilma Rousseff – Joaquim Levy.

           Não sei se a Presidenta terá em mente de forma bastante clara que se ela não deseja terminar como alguns de seus antecessores – e a foto que se terá presente é a de um Sarney que não podia sair de Palácio, se não quisesse ter pela frente o incômodo do ônibus presidencial  cercado e imobilizado pelo Povo Soberano. Nessa ocasião, bastante irado com os contos do vigário que lhe haviam sido passados pelo ex-presidente da Arena e do PDS, e que por um cochilo da Deusa Fortuna acabara Vice de Tancredo Neves.

            Se Dilma pensa dispensável empenhar-se pelo apoio às medidas propugnadas pelo Ministro Levy, ela pode ter até sucesso em termos de Schadenfreude – aquela doce alegria que alguns sentem com a desgraça alheia  -  mas seria bom relembrar-lhe que a História não costuma ser generosa com esse tipo de torpeza. A deusa Túxe (Fortuna) pode até favorece-la por um tempo, mas as perspectivas não seriam boas para alguém que, dispondo de pessoa capaz, competente e respeitada, não só prescinde dele, mas volta a chamar para orientá-la aquela velha turminha que lhe trouxe a situação presente.

             Nunca me esqueço do almoço no Palácio no Planalto, que ela, nas primícias do primeiro mandato, reuniu para discutir da inflação. Chamou então Delfim Netto, Luiz Gonzaga Belluzzo e Arno Augustin,  seu Secretário do Tesouro, que tanto se distinguiu na contabilidade fiscal criativa.

             Obviamente, os convivas entendiam de inflação, mas é discutível que o seu conhecimento servisse para controla-la.

              Agora, bem-informada, ela colocou na Fazenda quem está preparado para enfrentar o desafio. Mas não é decerto medida para ganhar tempo e iludir a arquibancada. Ou será que Dilma desconhece o que aconteceria se ela se limitasse a assistir o malogro do Plano Levy ?

               Pode-se garantir que não será  belo espetáculo, nem proporcionará uma bela vista.

                O que se poderia adivinhar é que a correnteza irá aumentar, a tal ponto que um partido notório pela fraqueza na sua determinação, reuniria a coragem necessária para protocolar na repartição competente o processo que seria cabível em tal infausta ocasião.

 

(Fontes:   O  Globo, Folha de S. Paulo )

 

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