quinta-feira, 21 de maio de 2015

Desafios para o Itamaraty

                             

       Não poderia ser diferente para a Casa de Rio Branco a deletéria gestão de Dilma Rousseff. Ruim na economia, como o seu recurso in extremis a Joaquim Levy o demonstra, também em política externa a presidenta calcou a própria mediocridade, com inusitados, talvez freudianos, maus tratos ao velho Itamaraty.

       A instituição que, para fortuna do Brasil, Alexandre de Gusmão lançou os fundamentos, e o Barão do Rio Branco valeu-se da faina de seus antecessores no Império para afirmar e exibir ao mundo uma longa fronteira inconteste, que resulta do estudo aturado dos precedentes e da leitura de velhos maços na implementação de diplomacia de estado.      

       Enquanto os nossos vizinhos se debatiam na chamada diplomacia de partido, Rio Branco valeu-se daquela de chancelaria, em que o império de funcionários de escol como Duarte da Ponte Ribeiro, que ensejaria ao nosso Patrono enfrentar com consagrador êxito a hora da verdade dos laudos arbitrais, com que o filho do Visconde do Rio Branco daria o seu máximo contributo ao traçado das lindes do Brasil República.

       Alhures me tenho ocupado do erro de Lula da Silva, ao submeter ao eleitorado brasileiro a sua suposta chefa de gabinete. Enjeitou gente mais capacitada no seu PT, e o fez porque pensava – ledo engano! – apresentar-se de novo já em 2014. Não contou, seja por húbris, seja por falta de conhecimento, com a força inercial de presidente em exercício.

        Essa falta de traquejo da candidata de algibeira –  seu primeiro poste – se refletiria em muitos setores, porque as árvores só podem dar frutos que provenham da respectiva seiva. Não causa estranhável espanto, por conseguinte, que não haja sido diferente no Itamaraty.

         Se já havia em nosso ministério, por obra de Lula da Silva, um núcleo a ele subordinado, na presidência de Dilma tal presença se inchou, passando na prática a ter a responsabilidade pela América Latina e, em particular, a chamada área bolivariana. O PT trazia para a Casa do Barão a sua antítese, i.e., a diplomacia de partido, que tão bons resultados dera para os nossos vizinhos, no Império e na República...

         Não se vá comparar esse arremedo caboclo com o Assessor de Segurança Nacional da Casa Branca. Os seus responsáveis estão subordinados diretamente ao Presidente, e como funcionários do Executivo independem do referendo do Senado. Mas na diplomacia, a precedência ao Secretário de Estado, e só em ocasiões únicas, como quando Henry Kissinger foi assessor do Presidente Richard Nixon, encarregado do Departamento de Estado, o Secretário William Rogers, aquele pela mediocridade deste teve maior relevo e influência, tanto que acabaria por assumir o Departamento.  

         Mas voltemos a Pindorama. Já é fato praticamente assumido e inconteste, de que cabe a palma à Dilma Rousseff em termos de nefasta influência sobre o Ministério das Relações Exteriores. Não sei se a competência e a exação dos diplomatas terão indisposto a Presidenta com a Casa de Rio Branco. Nem mesmo o regime militar ousou desprestigiar e não valer-se de nosso ministério. Como carreira de estado, ao setor castrense não parecia inteligente não ouvir e atender às ponderações do Itamaraty em matéria de sua competência.

         Talvez a dílmica má vontade se deva a idiossincrasias pessoais, eis que na cena internacional, os máximos representantes dos Estados valem pela sua capacidade e o dom de, entre iguais, sobressair. Lula, com todos os seus defeitos, circulou com desenvoltura e inegável sucesso nesse reduzido círculo, em que uns, pela própria capacidade e dom de gentes, contam mais do que muitos outros. Realmente, é acabrunhante a maneira com que Dilma Rousseff tem singularizado – no mau sentido – o velho Itamaraty, cortando-lhe as verbas e quase  o tratando como se fora uma daquelas secretarias pro forma, que para nossa vergonha incham o gabinete e tornam patéticas as suas reuniões plenárias.

          Agora o Palácio do Planalto colhe no Senado os maus frutos que plantou. Creio que o veto legislativo a Guilherme Patriota fulmina um bom profissional. Ele é irmão de Antonio Patriota, que foi defenestrado pela Presidenta porque a longa inação do Palácio do Planalto quanto ao asilado na embaixada de La Paz já ultrapassara todos os limites, por um caudatarismo com o poder local que surpreenderia a quem entendesse, mesmo que só um pouco, dos precedentes. Tampouco é admissível o tratamento reservado a jovem colega que agiu com ética e coragem, na prática cortando um nó que já perdurava muito além do respeito que é devido à chancelaria brasileira.

           A existência de uma dualidade, por primeira vez na história republicana, no Ministério das Relações Exteriores, é o fator determinante da atuação do Senado Federal. Guilherme Patriota é castigado por votação que creio inédita nos anais republicanos – no que concerne a diplomata de carreira – e que se deveria a seu patrono, Marco Aurélio Garcia, que, com Dilma, nas relações interamericanas, ganhou ulterior realce. Não é mistério que esse intelectual petista seja o alvo precípuo da votação senatorial. Pessoalmente, nada tenho contra o Professor Marco Aurélio, mas quanto à sua ingerência no Itamaraty, non possumus.      

              Se a minha memória não me engana, só houve em nossa petite histoire dois episódios com certa  analogia à votação da Câmara Alta rejeitando a nomeação do Embaixador Patriota para Representante do Brasil no Conselho da Organização dos Estados Americanos.

               Os meus colegas compreenderão que não lhes decline os nomes. Durante o governo militar, a indicação feita, creio, pelo General Ernesto Geisel, então Presidente do Brasil, para embaixador de um veterano diplomata só foi aprovada por um voto de diferença. A fronda contra o Itamaraty se devia, em realidade, a questão pessoal de um senador contra o colega nosso. A liderança do governo na época teve mais competência do que a atual para evitar a rejeição, que, dadas as características do poder de então, produziria decerto uma crise de Estado.

                Por outro lado, nos albores da Nova República, a indicação para embaixada de diplomata, então lotado em posto excêntrico, se provaria inaceitável, pela notoriedade do funcionário na sua atuação no que tange aos brasileiros asilados na América Latina.  Formou-se então consenso que levou a deixar-se a questão cair, por politicamente irrealizável a nomeação.

 

( Fontes: Folha de S. Paulo; artigo de Clovis Rossi  ).

Nenhum comentário: