sábado, 9 de maio de 2015

A Avenida do Crepúsculo

                                  
 
         Costuma ser, a principio, larga e espaçosa. Muita vez quem enceta tal caminho não se dá conta de que a paisagem e as aparências podem começar a mudar.

         É o caso de nosso personagem. Com muitos lauréis na política, a sua caminhada já se tornou longa.

         Terá esquecido o próprio passado? Nascido na pobreza, migrante com a mãe, como tantos milhares veio em pau de arara tentar a sorte na grande São Paulo, deixando o Nordeste, senão para trás, mas ponte de referência para futuro melhor.

         Se poucos repontam ao cabo da travessia, depois de anos difíceis logrou, malgrado curta passagem pela escola, um posto na indústria.

         No Brasil, são muitos, demasiados, os acidentados no trabalho. Se não foi exceção, o torneiro mecânico galgaria a escada sindical. Tinha fácil a palavra, e soube grimpar os obstáculos. Através da oratória, que sabia refletir agruras e desafios, foi-lhe crescendo o público.

         Com isso, também aumentou o diapasão das atenções, tanto as boas, quanto as más. E um dia, a sua eloquência – que, como os braços – se abria sempre mais, pareceu enquadrar-se na chamada segurança nacional.

        Não o sabia a ditadura militar, mas adentrava com passo decidido a sua última década. No ambiente nervoso, quase febril, não se quedou por muito no cárcere.

         Ficam as marcas, mas o alvoroço de uma liderança nova atraíu a seu redor personagens de outros mundos, que dele anteviam passos mais largos, além, muito além do espaço sindical.

         Vieram políticos, padres, intelectuais. No febril cenário de um regime ainda sanhudo, mas já entremostrando a luzinha no fim do túnel, ele se tornara um personagem, a voz rouca mas conhecida, na aparência as marcas distintivas da liderança, da prisão e de uma promessa de ascensão na escala da existência.

          Em terra de velhos partidos, fundados por Vargas e pela oposição, o próprio PMDB de Ulysses poderia ser o próximo presente, mas acaso seria o futuro?  Por isso, cuidaram de formar um partido diferente, que fosse a um tempo formado de idéias e de gente do trabalho. Mas não de pelegos e sim de autênticos trabalhadores, como o torneiro mecânico que será o primeiro presidente do grêmio.

          Por isso, o chamaram partido dos trabalhadores. O respectivo programa, dele cuidaram os intelectuais, os religiosos, os artistas e o punhado de gente que acorreu, atraídos pela nova mensagem.

          Acreditavam na sua missão, que sabiam longa, mas entreviam, na distância, a luz da esperança política. Acreditando nos próprios fins, temiam a dissidência, e por isso, sem o saber, eram jacobinos.

          Nascia o PT. E com ele, o líder respectivo, que não devia parecer com os outros chefes de partido. Pensava representar o novo, e por isso intransigente, monolítico na ação.

          Sem empunhar armas, agia como revolucionário. E como norte, a democracia.

           Antes de empolgar o poder, assim continuaram. Rígidos, inflexíveis, doutrinários. Concessões, alianças por baixo do pano – jamais! Se almejam o poder, o veem como farol de um Brasil mais igual e mais aberto. Como imaginar-se possa que alguém se oponha conscientemente a tais propósitos?

                                  *      *     *

            O Tempo, que é o senhor da História, passou. E o poder, após a espera longa e as seguidas derrotas, acabou caindo no colo do líder operário.

            Infelizmente, outras leis começaram então a operar. O partido, de repente, principiou a crescer em demasia, a ponto de que viesse o inchaço. Alcançado o poder, e com ele o mando, outras leis, até então desconhecidas, se apresentam.

            Entra em cena Lord Acton. Empolgado o poder, o Senhor é apresentado formalmente à dona Corrupção. No seu trato, a alternativa é simples: ou se escolhe o reto caminho, ou o mole, enganoso curso da corrupção. E sem embargo, pensando facilitar as coisas, tudo fica mais difícil :  as cortinas da dissimulação precisam ser puxadas em todos os cômodos.

            É a melhor maneira de perder o controle. Imaginando aplanar a via, ele vai criar um sem-fim de armadilhas, estrada visitada por incertezas, e, ao cabo, angústia e temor de ser afinal descoberto.

            Por isso, quando a sorte deixa de sorrir e madrasta se torna, a princípio ele não se dará conta. Já caminha por um bom pedaço na avenida do crepúsculo, o Sunset Boulevard. Continua a pensar que tudo tem sob controle. Tampouco se apercebeu do ambiente mudado e das luzes mortiças.   

              Ninguém vai duvidar da honestidade do ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica. Sai da presidência, como entrou, com o mesmo Fusca, e a mesma casa nos arrabaldes de Montevidéu. Uma vida simples, com o sono tranquilo.

              Mas Mujica tem a língua por vezes algo solta. Acaso não chamou  Nestor Kirchner de caolho? 

               E ele, já no fim de seu segundo mandato, por que inventou  dizer-lhe ser “o mensalão a única forma de governar o Brasil” ? Agora Mujica nega. Diz que o presidente do Brasil nunca falou de mensalão com ele. Atribui aos jornalistas, a quem coube a versão final de seu livro de memórias, a responsabilidade. Diz, isto sim, que “Lula teve de lidar com coisas imorais, chantagens”.

               A incerteza, no entanto, permanece. Desce a avenida, cercada por casarões construídos por milionários para as suas amantes ou segundas esposas. Se gostasse de cinema, se lembraria da mansão de magnata da imprensa, que na solidão pensa em brinquedo da infância. Mas como pensar nisso – em Rosebud por exemplo – se não há espaço na pobreza brutal do Nordeste para tais devaneios ?

                A dúvida que permanece, a sucessão de escândalos – depois do mensalão vem o petrolão – de que servem as negativas? E o sítio em São Paulo, reformado por amigo empreiteiro, que tanto difere, pelas melhorias, das propriedades à sua volta? E o tríplex praieiro de Guarujá?

                Enquanto ele vai descendo a via que não parece ter fim, rememora as idas e vindas da Lava-Jato, e as ameaças veladas ou quase, de Ricardo Pessoa, dono da UTC, e de Leo Pinheiro, o homem da OAS, com frases sem complemento, como se pendentes de providências que sente não poder tomar.              

                Às vezes, a noite cai de repente. No ermo da avenida – nenhum carro e faz tempo – o lusco-fusco aumenta com as velhas árvores e a basta folhagem. Tem-se a impressão de que o sol já se pôs, com as sombras que não sabe se anunciam trevas, ou se são apenas os piscares de uma longa jornada.

                Tudo isso pesa e angustia. Solução, de verdade, não há. Pois ele abriu a caixa dos segredos, e logo para quem... Na posição em que se encontra, o jeito é continuar andando. Como se a noite, com os seus vultos e espectros, ainda vá tardar...

                  Enquanto isso, o jeito é continuar andando. E, quem sabe, assobiar uma que outra vez...

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