quarta-feira, 27 de maio de 2015

BEABÁ do ISIS

                                               

              O chamado ‘Estado do Exército Islâmico na Síria’ (ISIS)[1], e em especial a suacapital’ são mencionados de forma assaz perfunctória pela mídia, a ponto de que a desinformação seja a principal característica dessa entidade. Nesse contexto, a divulgação concernente ao ISIS se assinala por três grandes traços: (a) as decapitações dos reféns; (b) os bombardeios de seus núcleos pelas potências ocidentais, notadamente os EUA; (c) o seu avanço pelos espaços abertos pela guerra na Síria e no Iraque.                 

              Partindo do pressuposto de que é melhor conhecer do adversário, sobretudo por força de seus traços realçados  pelo noticiário, como o seu caráter obnóxio, tão contrário às características do estado moderno, semelha revestir   interesse a descrição de certos aspectos relacionados com a sua ‘capital’.

              A maior parte dos dados foram colhidos em artigo, publicado por ‘The New York Review of Books’, em seu número 2, de 5 de fevereiro do ano corrente. A  autora, Sarah Birke, é correspondente para o Oriente Médio do ‘Economist’, e consoante o resumo fornecido pela NYRB, viveu na Síria por três anos. Presume-se, por conseguinte, que os dados por ela obtidos são consequência dessa cercania.  

              Dadas as características do movimento, é de intuir-se que as fontes primárias de suas informações tenham de ser resguardadas.

              Há muito mistério acerca deste suposto califado. Os seus traços reacionários não poderiam enfatizar mais o desígnio da reexumação do califa, enquanto chefe religioso e político. A sua filiação é do ramo sunita radical. Por não admitir a composição com o “erro”, a transigência não é substantivo que o caracterize. Tampouco ela é aconselhável como norma existencial para os seus habitantes, voluntários ou não.

             Como se sabe, o islamismo é a mais nova das três religiões monoteístas (judaísmo e cristianismo são as outras duas), e talvez por tal característica seja a mais intolerante. Obviamente, esse traço é mesmo nesse credo bastante variável. O Islã já teve fases de maior liberdade, com o sufismo e seus diversos santos. Contudo, o antagonismo presente leva a que os crentes do Suna (tronco) vejam na Xia (o novo ramo saído de um dos sucessores de Maomé) mais do que adversários, inimigos.  Nesse contexto, a seita Alauíta (uma composição de várias crenças) é considerada pelos sunitas radicais (e são estes os dirigentes do ISIS) como outro inimigo, no mesmo nível dos demais credos, islamitas ou não.

              A tolerância – ou a compreensão do Outro – é um dos traços das religiões mais antigas como o Hinduismo e o Budismo. Não sói, no entanto, ser característica do mundo islâmico, embora o paroxismo presente nem sempre haja prevalecido. Talvez o caráter mais intolerante do islamismo surja no Egito, com o sunismo politizado da Fraternidade Muçulmana, fundada pelo mestre-escola egípcio Hassan al-Banna, em 1928. Essa postura radical – com a  suposta volta às raízes – está igualmente na seita Wahabita, da Arábia Saudita, no movimento terrorista da al-Qaida  e nos talibãs do Afeganistão.

               Dentre as proibições das seitas islamitas mais radicais – e a sunita é uma delas – a figuração do humano é expressamente desaconselhada.  Nesse contexto, entende-se melhor – embora tal não seja sinônimo de aceitação – que os muçulmanos não vejam com bons olhos desenhos a respeito do Profeta Maomé, e, a fortiori, qualquer caricatura do fundador de sua religião.

                Mas voltemos aos dados disponíveis sobre a localização atual de sua ‘capital’, que é a cidade síria de Raqqa, situada no norte da Síria.  A sua população atual estaria entre 250 mil e 500 mil habitantes.

                Pela sua localização e facilidades de conexão com outras áreas de atividade do ISIS (o leste sírio e o Iraque, nele incluído o Curdistão), embora Damasco nominalmente se oponha ao Estado Islâmico, a presente situação de Bashar al-Assad pode levá-lo a considerar que quem não é seu inimigo declarado, possa ser tolerado, atendidas determinadas circunstâncias.

                O Estado Islâmico tem como  chefe – ou Califa – Abu Bakr al-Baghdadi, que é obviamente sunita. Presume-se que resida em Raqqa, mas não se deve exagerar nesse verbo.  Esta cidade é um dos alvos principais de bombardeio ocidental. Na distribuição de tarefas, os Estados Unidos são responsáveis por 97%  das ações (de que igualmente participam a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos). Da coalizão contra o ISIS participam também o Reino Unido, a França e a Austrália, mas as intervenções desses últimos três países se restringem ao território do Iraque.

                 Pelo que se possa saber do Estado de características medievais,  a população, além de apreciar a versão radical do Islã, apoia a própria liderança, e gosta de assistir aos únicos  espetáculos organizados  pelo ISIS. Como se sabe, tal ‘diversão’ – que o ISIS faz realizar em colina nos arredores da cidade – é a decapitação. Os vídeos passados aos serviços da imprensa ocidental mostram um grupo de infelizes que, por motivos diversos, caíu em mãos desse exército radical. Por serem infiéis, terão a cabeça decepada. Dessas vítimas, há nacionais americanos e de outros países europeus e próximos ao Ocidente, como o Japão.

                 A decapitação é a forma tradicional de ‘justiciar’ o infiel, ou aquele que por circunstâncias fora de seu controle caía nas mãos desta malta. O ISIS busca justificar a prática abominável como represália aos bombardeios americanos dos núcleos do movimento no Iraque e na Síria. Dados os traços medievais do Exército Islâmico – o califado, a intolerância como norma de conduta do poder, a aplicação da Sharia – não há de causar espécie que as execuções, além de entendidas como meio político, sejam vistas em nível de espetáculo para o povão.  

                 Não há outras diversões presumíveis neste estado radical. Segundo consta, a população deve cuidar-se dos bombardeios, embora não haja detalhes sobre o eventual procedimento. É lógico que as ações aéreas visem à liderança do ISIS, e daí a preocupação dos chefes e subchefes em circular continuamente.

                  Embora tal informação deva ser tomada com reserva, não existiria corrupção na área sob controle do ISIS. Esse traço positivo da liderança – dada a prevalência dessa usança em toda a região (e dizem que ela existiria mesmo em outros países...) – não deixa de ser mencionado de forma positiva pela população da ‘capital’  do Califado.

                  Quanto a outras formas modernas de comunicação, são de difícil utilização, mas podem ser acessíveis à população desde que deseje pagar por elas, dadas os inúmeros entraves existentes, que seriam  mais de ordem prática do que política.

 
Fonte: Artigo de Sarah Birke, Como o ISIS governa -The New York Review (número 02,


[1] Abreviatura da denominação em inglês de ‘Estado Islâmico na Síria’. 

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