1. Quando um resultado nos
surge como se fora absurdo, não podemos
aceitá-lo passivamente.
Nesta
última eleição, a vitória do candidato republicano Donald J. Trump constituíu enorme surpresa. Sendo a candidata
democrata a grande favorita, que fatores podem ser apontados como capazes de
explicar tal reviravolta?
2. Se
tentarmos personalizar o cômputo final dos sufrágios, com pequena vantagem na
votação popular para Hillary (48%) contra 47% para Trump, e uma diferença até
certo ponto marcante para Trump, na votação indireta (304 votos eleitorais para
Trump contra 227 votos para Hillary) vemos que em determinados
estados, como Pennsylvannia, Wisconsin e Michigan, que, em geral, votam
democrata, nesta eleição sufragaram o candidato republicano.
3. Por
outro lado, tão logo divulgado o resultado e o inesperado triunfo do candidato
do GOP, dois fatores extra-eleitorais
receberam grande atenção.
Provocou espécie a conduta do diretor do FBI, o republicano James B.
Comey. Por iniciativa republicana - e
notadamente da Câmara de Representantes, um feudo republicano desde a primeira bye-election do governo de Barack Obama
- muita pressão foi dirigida contra a pré-candidata Hillary Clinton, que então
exercia a chefia do Departamento de Estado (o que equivale ao Ministério do
Exterior). A maioria republicana na Câmara Baixa tentou por todos os modos
implicá-la como responsável indireta no brutal assassínio do embaixador
americano Christopher Stevens, trucidado em Benghazi, em doze de setembro de
2012. O pretexto da bancada do GOP era o
de alegada falta de assistência ao embaixador. O acosso se mediu em anos,
e se lhe faltava qualquer base material válida para a grave acusação, na
verdade o fogo inimigo da bancada republicana se devia precipuamente à estatura
política da democrata, e a sua condição de virtual candidata à sucessão de
Barack Obama. Se nada resultou dessa incansável investida partidária, Hillary
desmontando todas as asserções raivosas das forças adversárias, há de computar-se o fator negativo de
seguidas audiências, que se repetiam, marcadas pela beligerância dos
representantes republicanos, que procuravam cansar, pela força dos números, a
expoente democrata. Foi mais uma prova da capacidade da Secretária de Estado.
Mas outro
fator surgiria para tentar debilitar politicamente a Secretária Hillary
Clinton, contra quem investiam os magotes republicanos, sempre menos pelo seu
trabalho diplomático (exitoso como de hábito), do que pelo simples fato de ser a
candidata democrata presidencial de peso.
Como
os meus leitores já devem suspeitar, reporto-me à questão do uso por Hillary de
canal privado do computador para atender ao volumoso serviço que deve ser
atendido por quem tenha a responsabilidade do Departamento de Estado.
Diga-se de paso que ao consultar antecessores seus neste
prestigioso cargo recebera de alguns
deles - inclusive republicanos - o amical aviso de que não deveria utilizar-se
do terminal privado de computador para esse serviço, pelos potenciais incômodos
burocráticos que tal preferência poderia acarretar-lhe. Bem fizera Hillary se
houvesse atendido esse conselho amigo.
Não
que Mrs. Clinton houvesse feito algo de errado, em termos éticos. Pensara no
tempo que ganharia - o que reverteria em benefício da instituição - se não
limitasse a própria capacidade de trabalho. O seu erro foi de caráter adjetivo,
não envolvendo qualquer aspecto substancial de seu trabalho. Dava, no entanto,
oportunidade a que outrem, movido por outros interesses do que aqueles do
serviço, buscasse de forma pretextuosa encontrar diversa motivação da
Secretária que, na realidade, inexistia mas que a sua opção abria na
aparência brecha para investidas burocrático-
oportunistas, do gênero das que pululam sobretudo no círculo do Beltway.
Para resumir, a Secretária de
Estado presenteou ao GOP, sobretudo
aos afanosos e incansáveis cães de
guarda dos portões do poder - por eles, se os seus latidos êxito tivessem, só
cruzariam esses umbrais republicanos de boa cepa - um dossier na prática interminável, eis que a carga monumental da
pasta do exterior forneceria reservatório na prática inexgotável a seus
eventuais fiscais.
Como citado em demasia - e nisto estou em completo acordo com o antigo
rival de Hillary, Bernie Sanders, na
sua atitude quanto ao terminal privado do computador - não creio seja o caso de
longa exposição em matéria de que são já demasiado conhecidos os principais
atores secundários.
No capítulo, basta-nos a menção do personagem James B. Comey, diretor do Federal
Bureau of Investigations, que, infelizmente, por motivos pouco claros,
exerceu um papel proeminente na questão do terminal priva-do de computador. Em série de audiências junto ao Congresso, a
sua presença se marcaria por um realce excessivo, ou por críticas em tom fora
de propósito, tanto em termos de objeto, quanto da pessoa referida (no caso
Hillary Clinton).
A par de desrespeitar as sábias posturas do Departamento de Justiça,
que recomenda a seus funcionários, e sobretudo aos de alta hierarquia, não
tratar em véspera de eleição de questões políticas - e a
fortiori quando não esclarecidas - Mr Comey levou o seu intervencionismo ao
ponto de aludir - justamente na época da votação antecipada (prática habitual
de muitos eleitores americanos) - que teria descoberto no computador do
ex-deputado Anthony Weiner, marido afastado da ex-secretária Huma Abedin, mais
material relativo ao servidor privado da então Secretária de Estado. Dentre
todas as intervenções do diretor do FBI,
essa foi talvez a menos responsável, eis que, em período eleitoral, não
trepidou em mencionar que o eventual material a ser revelado poderia ter
relevância para a questão de Hillary Clinton.
É decerto difícil na matéria descrever o grau de impropriedade da
intervenção de Mr Comey em pleno período de votação antecipada. Foi com acerto
que a candidata considerou inapropriada aquela intervenção que, além de
infringir as regras do Departamento de Justiça - ao que o FBI está subordinado
- podia contribuir - como de fato ocorreu - a exercer influência tão negativa
quanto inadequada na votação em curso, sobre os eleitores que se afastaram em
números avantajados da candidata acerca da qual se emitiam estranhos juízos,
cujo negativismo só tendia a aumentar pela circunstância de levantar quanto à
candidata nuvem negra e carregada, por mais que fossem vagas e imprecisas as irresponsáveis
asserções. É difícil encontrar exemplo
de atitude mais temerária, e cujo efeito sobre pessoas que se dispunham a votar
não poderia ser mais negativo. Para o
eleitor a acusação pelo seu caráter vago só ganhava em força pela autoridade
de quem a emitia.
Hacking russo. Como demonstrado pela penetração
nos arquivos cibernéticos do Diretório do Partido Democrata, a Administração
Obama só veio a saber em princípios do verão - nove meses passados após o
contato do FBI com o DNC - da operação de hacking
pelos russos no diretório democrata.
Ultimamente, gospodin Putin
fez o comentário - que é obviamente
para consumo externo e americano - de que essa operação de intrujice
cibernética teria sido feita por "patriotas russos", com o escopo de
mostrar do nível da capacidade de penetração nos arquivos externos.
É desculpa tão capenga que ela só vale ad usum do governo Trump, diante da sua tradicional atitude de
admiração diante da autoridade russa. Como se assinala, em artigo do New Yorker, dezessete agências federais
de inteligência concordam em que a Rússia (i.e.,
o próprio governo) é a responsável pelo hacking.
O silêncio da Administração Obama - que se deveria supostamente à
circunstância de saber do fato apenas no verão (o que não parece provável) - poderia
ter sido substituído, segundo a visão de assessor sênior da equipe de Clinton,
pelo seguinte comportamento: Obama iria para o gabinete oval da Presidência, ou
a East Room da Casa Branca e diria: "Estou falando para vocês nesta noite para
informá-los de que os Estados Unidos estão sendo atacados. O governo russo, no
seu mais alto nível, está tentando influenciar o nosso bem mais precioso, nossa
democracia, e eu não vou permitir que isso aconteça."
O alto assessor de Hillary observa que grande parcela dos americanos
teria assistido e tomado nota. A seguir, esse mesmo assessor acrescenta que a
equipe de Hillary não tem o direito de pôr a culpa pelo resultado da eleição em
ninguém, mas é de criar perplexidade, e difícil de entender, que isso não tenha
sido objeto de alarme no mais alto nível pela Casa Branca.
Confrontado com essa argumentação, o círculo de Obama, que critica a equipe de
Hillary por ela não ter vencido em estados como Wisconsin, Michigan e
Pennsylvania, insiste haver agido de forma correta.
Em setembro passado, em reunião do G-20 na China, Obama confrontou a
Putin acerca do hacking, dizendo-lhe
que "termine com isso", e que
acima de tudo fique longe da votação em novembro, ou haveria
"consequências sérias". Putin não negou nem confirmou os esforços de hacking, mas respondeu que desde muito
os Estados Unidos financiam postos de mídia e grupos da sociedade civil que se intrometem
em assuntos russos.
Como, por volta de
outubro, crescessem as evidências de intervenção russa, houve reuniões do
governo americano para debater e decidir como reagir. Pensou-se em medidas mais fortes, com
informações negativas sobre autoridades russas, inclusive acerca de suas contas
bancárias, sendo até aventada uma operação cibernética contra Moscou. No
entanto, interveio a turma do deixa-disso,
com menção de projetos em curso, que ficariam prejudicados com o endurecimento
das relações.
A par disso, as preocupações
quanto a uma intervenção mais direta da Rússia não se confirmaram, e como a
candidata Hillary liderasse a disputa, tudo isso levou Barack Obama a não
responder de forma mais agressiva.
Apesar de Obama -
sobretudo depois do entrevero que o levou a afastá-lo do então G-8 e começasse
a chamar Vladimir Putin como o chefe de uma potência regional (regional
power) - não mais o tenha tratado, senão com deferência, pelo menos de forma
mais cordial, o poder de Putin e a sua suposta influência além-fronteiras só
tendeu a crescer.
Comparar com a
situação atual, em que o suposto decline
(declínio) dos Estados Unidos (causado pelas loucuras de George W. Bush,
sobretudo na guerra do Iraque) já é tema habitual de artigos nas principais
revistas americanas, torna-se de certa forma mais lógico, diante da óbvia
incapacidade do atual 45º presidente, Donald J. Trump, e da inusitada
relevância da presença russa na atual Administração.
São imprevisíveis,
por ora, as consequências a serem trazidas para os Estados Unidos, e ainda mais pelo caráter a-sistêmico do
governo Trump, e pelas suas medidas, entre as quais a de saída do Acordo de
Paris se ajusta como um luva.
Por que Obama na
aparência foi tão omisso quanto a eventuais medidas - como exemplificadas em
artigo por tríade respeitável de jornalistas - Evan Osnos, David Remnick e
Joshua Yaffa - que poderiam reforçar a candidatura da sua ex-Secretária de
Estado Hillary Clinton, e as suas possibilidades de êxito?
Terá sido reação
pessoal, ditada por antigas mágoas de sua luta vitoriosa pela nomination democrata em 2008 - não
obstante, a renúncia às portas da Convenção da candidata, malgrado a clara
oposição do marido Bill Clinton ?
Diante da
estranha desenvoltura de Mr James Comey, que até jornal como o New York Times, que não morre de amores
pelos Clinton, expôs de forma incisiva,
o que passava pela cabeça de Barack Obama, em adotar uma postura passiva
diante de quem se lançara na política com a bizarra teoria de que Barack
Hussein Obama nascera no Quênia, para tanto inventando uma teoria
adequada para o seu criador, a dos birthers,
afinal escanteada já após o inopinado triunfo?
(Fonte: The New Yorker, March 6, 2017)
Um comentário:
Caro Pai,
Vejo com prazer que textos longos já não são problema. Contudo, não convém forçar o dedo. Melhoras.
Abs,
Mauro
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