A luta contra
Nicolás Maduro se desenvolve em várias frentes.
As ruas continuam a manifestar-se - e é fenômeno que não se cinge à
capital Caracas, mas a todo o país.
Contudo, a contestação continua em
outra faixa, a da Procuradora-Geral da República, Luisa Ortega Díaz. Ela é autoridade importante na
institucionalidade do chavismo.
Ao invés do deacordismo de outras figuras do estabelecimento chavista, a Procuradora-Geral-da-República
surge como a voz discordante do situacionismo dissidente enquanto viga
institucional do chavismo, em crescente e frontal discordância, não só contra o
inepto herdeiro direto do poder de Hugo
Chávez Frias, o Presidente Nicolás Maduro, mas também contra os demais chefes
de fila do estamento chavista, entre os quais o radical Diosdado Cabello, com
trânsito no extremismo oportunista.
A trajetória da Procuradora Ortega
Díaz é por vezes confundida como se fora expoente do chamado chavismo light. Na verdade, os sucessores de Hugo
Chávez - porque seria incorreto limitar a apenas Nicolás Maduro - que não tem
estofo para aguentar o rojão - mas também devemos acrescentar-lhe a faixa
esquerda, de Diosdado Cabello, com as tinturas gangsterísticas, assim como as
Forças Armadas, que, por enquanto, tem respaldado o inepto Nicolás Maduro - e a
todas essas figuras contrasta a aparente solidão da
Procuradora-Geral-da-República, Luisa Ortega Díaz.
É uma estranha solidão esta, que vê
o respectivo apoio crescer, ainda que formalmente não-institucionalizado. A Procuradora-Geral não tem, por ora, o apoio
ostensivo das principais forças institucionais do chavismo, mas, quem sabe?, aí está um dos segredos do
próprio peso e do respeito que semelha comandar.
Com efeito, a Venezuela hoje
vivencia panorama revolucionário, em que se contrapõem, de um lado às forças situacionistas do
chavismo (nelas incluído uma porção do grande
mudo), e de outra grande parte, das camadas populares, jogadas na oposição
pelo misto de incompetência e corrupção do chavismo institucionalizado (Maduro
mais a ala oportunista do chavismo de Diosdado Cabello), sempre com o
condicional apoio castrense.
O extremismo desse regime deturpado,
mas ainda conforme à corrupção do chavismo entrado na sua fase pré-terminal,
constitui um verdadeiro quebra-cabeças na História, eis que semelha realmente
dificil de explicar que esta ordem chavista logre manter-se em meio à confusão
erigida como sistema de governo, como se vê na contínua fuga para a frente (fuite en avant) deste arremedo político
que seria a suposta ordem no caos de
Nicolás Maduro, a que se misturam os seus apoiadores oportunistas.
Dada a comprovada incapacidade
do "sistema" hoje representado ou melhor encimado por Maduro, com o acintoso bebê de Rosemary, que é o caos na economia venezuelana, a única
perplexidade que tal agregado político desperta é a sua aparente resistência. A
única explicação disponível será a caução acaso fornecida pelo "grande
mudo", que, no caso, constituem as Forças Armadas, que o Comandante do
Exército, Major-general Alexis López Ramirez representa.
Mas em meio deste aparente caos organizado
à venezuelana, a Procuradora-Geral intenta acelerar a própria ação
desestabilizadora, com a decisão de
impugnar a nomeação de treze magistrados no Supremo Tribunal de Justiça. Ora,
por maiores simpatias que granjeie tal decisão da Procuradora-Geral, é
compreensível o espanto que a postura haja causado, eis que Luísa Ortega Diaz
decide questionar-lhes a nomeação ano e
meio após que a escolha fora tornada
pública.
Trata-se da chamada superlotação do STJ por Maduro,
iniciativa adotada às pressas pelo Presidente, pensando dessarte controlar o
eventual prejuízo político na vitória da Oposição no pleito para a Assembleia
Legislativa.
Pensando que a vitória da
Oposição na Assembleia Legislativa pudesse ser controlada por uma espécie de puxadinho, Maduro designou às carreiras
mais treze membros ditos efetivos no STJ, além de vinte suplentes, que segundo
a Procuradora assumiram todos os respectivos cargos de forma irregular.
Mas não se detém aí a ação da
Procuradora-Geral. Com efeito, a organização politica na Venezuela fora
transformada em verdadeiro Frankenstein
político, por Maduro. É um jurisdicismo golpista, eis que coisas inauditas
foram perpetradas por Nicolás Maduro: havendo sido a Assembleia Nacional
conquistada pela Oposição pelo voto popular, a única maneira de resolver o problema foi o de declarar a A.N. em desacato, e substituí-la pelos novos membros, oriundos da
operação de superlotação do STJ.
Como se vê, o procedimento
de Maduro é o de empilhar ilegalidades, e quando estas não bastam, reforçar a
dose com inconstitucionalidades.
Antes tarde do que nunca? Apesar
de ter demasiada razão, porque
esperou tanto a pugnaz e corajosa Procuradora-Geral da República?
Não se pode decerto discutir do acerto
de suas medidas. O que causa estranhável espanto é a tardança.
De qualquer forma, e com a
dupla razão de sua (compreensível) irritação diante de mais outra flagrante
inconstitucionalidade de Nicolás Maduro, i.e., a polêmica convocação de constituinte
extra (a dos vereadores), que não está prevista pela Constituição, e que como a
vira-latas que é, se espoja em cínicas inconstitucionalidades, a
Procuradora-Geral resolveu reagir.
Ainda que no mundo
caribenho, as coisas procedam devagar, a Macondo de García Márquez está aí, o questionamento pela Procuradora-Geral da
nomeação dos membros do STJ tardou um ano e meio (dezoito meses). A explicação
de Ortega Díaz está na dificuldade e na consequente demora no acesso às atas
que deveria assinar.
A própria
vivência da realidade caribenha, com governo em que se somam corrupção e
incompetência, acrescenta outra característica à pátria venezuelana.
Em atmosfera kafkiana, o
absurdo faz parte do dia-a-dia, e tudo tende a parecer natural na antiga terra
de Bolívar, em que o nome do Libertador enfeita a violência uniformizada dos
pelotões repressivos, e os temíveis coletivos
surgem do nada para reprimir, nessa cruel loteria da pobreza, com tiros certeiros a quem ousara sair dos
próprios casebres para protestar contra fome e miséria.
(
Fontes: O Globo,R.Polanski, F. Kafka,
G.García Márquez )
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