Nunca um fato isolado terá tido tanto
efeito sobre uma presidência quanto a gravação feita por Joesley Batista, da JBS, no porão do Palácio do Jaburu. O
caráter insólito dessa ocorrência, o fato de o presidente Michel Temer haver
concordado com tal surrealista conversação
é desses eventos que demandam muito tempo para serem entendidos.
Desde aquele momento, iniciou-se o
inferno astral do Presidente. É difícil entender, por outro lado, que aquela estranhíssima
conversação tenha podido ocorrer sem
outros constrangimentos que, por ora, seriam desconhecidos.
Para entender que um político como
Temer haja concordado com tal exercício constitui um dos grandes enigmas desse
lúrido episódio. Se Temer nunca foi cotado pelo excessivo brilho político,
forçoso é reconhecer que até aquele momento ele não era mal avaliado pelo
tribunal da opinião pública. Dentro do PMDB, essa grande federação partidária,
Temer dispunha de conceito até favorável, tendo alguma liderança dentro
daquele conjunto de raposas da política.
Mostrara no passado jogo de cintura
e a oportuna colocação de restrições que lhe mostrava o juízo político atilado.
Quando os representantes dos partidários da Lei
da Ficha Limpa bateram no Congresso, ele os recebeu à porta e logrou com
habilidade colocar a condição para o início dos moralizadores efeitos dessa
grande Lei de iniciativa popular na condenação em segunda instância. Com a sua
experiência, orientou a comissão redatora para que concordasse em levantar a
barreira além da primeira instância, por ele então definida como limite
demasiado baixo para o alcance da Lei. Conseguida a modificação, com o de
acordo da Comissão às portas do Congresso, o trânsito desse projeto de
iniciativa popular se transformaria na lei complementar nr. 135, de 2010.
O atributo de primus inter pares que
Temer então demonstrara, também se sinalizaria pela celeuma criada por uma
entrevista às páginas amarelas da revista VEJA, do deputado Jarbas Vasconcellos
em que este se reporta à corrupção no PMDB. Houve grande rebuliço nessa grande
federação partidária, e o tema veio cair na mesa do deputado Michel Temer, que
na época exercia já lugar de prestígio no PMDB. Não obstante, os conciliábulos
e as reuniões, essa grande federação partidária a que evoluiu (ou involuiu) o
PMDB não pôde chegar a uma resposta sobre a questão ao deputado pernambucano
Jarbas Vasconcellos. Essa estranha dificuldade já dizia muito sobre a real
natureza da situação naquele momento de
o que fora o Partido de Ulysses Guimarães.
Durante a dílmica presidência e seus dois mandatos, o segundo especialmente
desastroso, Michel Temer soube, de uma aliança de interesses recíprocos,
começar a dissociar-se do dílmico malogro, no desastre ético e administrativo
evidenciado pela implosão do PT e da própria Dilma, de que o impeachment foi acionado, levado por
assinaturas prestigiosas como a de Hélio Bicudo, a que se seguiu a queda
daquela que Lula da Silva apontara como uma chefe natural para a presidência.
O interessante é que o slogan do Fora Temer! não surtiu qualquer efeito
prático. A gestão de Michel Temer se
assinalaria por duas fases: a ascensão, com bons resultados na economia e nas
finanças, quando tudo indicava que Temer
concluiria o mandato com uma administração em que, se o brilho nunca mostrou o ar de
sua extrema graça, já apontava para a conclusão satisfatória. O surtout pas trop da aurea mediocritas aí comparecia, com um que outro deslize, mas nada
que justificasse um ulterior Fora Temer!
Tudo mudaria com a estranhíssima audiência
concedida à noite, na quase escuridão dos porões do Palácio do Jaburu. Se na
quarta-feira é que tudo muda para o carnavalesco, essa entrevista que não se
sabe como foi concedida, estaria iniciando uma crise com que Michel Temer, um
homem que prosperara na aurea mediocritas,
jamais poderia antever, conquanto coisa
tão bizarra semelha demandar motivação ainda mais inconsueta.
Como o espírito de autoconservação
está presente em todos e precipuamente no homo
politicus, algo que ainda não transpirou terá condicionado aquela bizarra entrevista,
em que até mesmo a Velhinha de Taubaté suspeitaria de estar sendo
montada para comprometedora gravação.
Há coisas estranhíssimas na entrevista, a primeira das quais é que ela tenha
logrado existir, por condicionar a lusa suspeita de que ela visava a uma
gravação. Como ninguém costuma dar um tiro no próprio pé sem para tanto ver
proveito ou outra forte razão que o faça (ou o obrigue) a admitir fatos e
coisas que normalmente, por simples
espírito de auto-preservação, não o faria.
No seu artigo de hoje de o que
chama "o Termidor da Lava Jato",
o colunista Demétrio Magnoli assinala fatos que qualifica como
"indisputáveis": "1) antes
de delatar oficialmente, Joesley foi instruído por um procurador e um delegado
da P.F.; 2) como prêmio pela entrega das gravações, obteve imunidade judicial
absoluta."
Dada a circunstância de que até
hoje nenhum delator lograra livrar-se integralmente da culpa incorrida por seus
atos ilícitos ora colhidos pela Operação Lava Jato, é compreensível o estupor
causado por ter saído do episódio sem incorrer em nenhum tempo de cadeia (daí a
imunidade judicial absoluta acima citada).
No julgamento de ontem, sete ministros concordaram em atribuir a Joesley o que nenhum delator até o presente conseguiu: sair indene do episódo, a delação correspondendo a alvo lençol que
o livrava de qualquer pena a ser inteirada. Nas fortes palavras de Demétrio Magnoli
"nas suas argumentações, os ministros do STF esconderam-se atrás do biombo
dos sofismas para não enfrentar tais flagrantes ilegalidades" (...)
"Prevaleceu o espírito de corpo: os
juízes resolveram não desautorizar Fachin" (que concedera tais
vantagens ao delator Joesley) "assim
como antes não desautorizaram
Lewandowski, que jogou a Constituição
pela janela, para preservar os direitos políticos de Dilma. Nesse passo, em
nome do mais estreito corporativismo, criam um precedente para novas operações
jacobinas."
Não pára aí a avaliação de
Demétrio Magnoli. Refere-se ele à
decisão sobre o mandato de Aécio: "É de notar-se que a Constituição não
admite a cassação judicial de mandatos parlamentares: só os eleitos podem
cassar os eleitos. O princípio foi violado no caso Eduardo Cunha, por meio da manobra
da 'suspensão' do mandato. Na ocasião, Teori Zavascki, autor da sentença,
justificou-a como uma "excepcionalidade",
admitindo implicitamente que cometia uma ilegalidade. Fachin, que age como
despachante de Janot, apoiou-se no precedente para determinar a suspensão do
mandato de Aécio. Se uma vez mais, o STF
colocar o espírito de corpo acima da letra da lei, a exceção se converterá em
norma, destruindo a independência dos
Poderes."
"Temer é uma desgraça e
Aécio vale menos que a tinta desse texto, mas ambos não passam de notas de pé
de página na nossa história. O jacobinismo, por outro lado, ameaça valores
preciosos - e, inclusive, a própria Lava
Jato. Os fins e os meios estão ligados por um fio inquebrável.
"Procuradores e juízes
devem implodir as máfias politico-empresariais incrustadas no Estado brasileiro
seguindo, escrupulosamente, as tábuas da lei. A alternativa é o Terror - e
depois, o Termidor."
(Fonte:
artigo de Demétrio Magnoli sob o título "O Termidor da Lava
Jato")
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