A ditadura de Nicolás Maduro - que
encontrara na Procuradora-Geral Luísa Ortega Díaz uma figura corajosa e determinada,
que exercia as prerrogativas do próprio cargo para tentar reforçar as defesas
do Estado chavista em favor da democracia - trata agora de desvencilhar-se dessa
julgada incômoda alta-funcionária.
Ao proceder de tal forma, o regime de
Nicolás Maduro muda de postura em relação à Procuradora-Geral. A nova atitude
corresponde à conscientização de que,
para este regime ditatorial e corrupto, não é mais possível coexistir com a
Dra. Ortega Díaz, e a sua ênfase no espírito da constituição de Hugo Chávez.
Se o chavismo sempre trouxe carga
autoritária, essa orientação no período de Hugo Chávez tinha um viés
democrático, que através do apoio popular era sustentado por consenso
majoritário.
Sob o sucessor Maduro, os aspectos
consensuais e democráticos do chavismo foram ficando pelo caminho, através das
sucessivas intervenções autoritárias do órgão da Justiça chavista, à medida que
a popularidade de Maduro foi minguando, e sobretudo por força da respectiva
incompetência administrativa.
Por isso, os institutos
democráticos da Constituição foram sendo fechados ou desvirtuados. O direito ao
recall - que era um apanágio da
origem democrática da Constituição chavista - foi autoritariamente anulado na
prática, quando a autoridade encarregada se negou a submetê-lo à votação popular,
como determina a Constituição. Retirou-se assim da população a faculdade de
livrar-se do incapaz Nicolás Maduro, que - já o disse nestas linhas - não quis
sujeitar-se ao que Hugo Chávez enfrentara e vencera a seu tempo.
Por outro lado, como a
Oposição conseguiu democraticamente a
maioria na Assembléia Legislativa, o
governo Maduro procedeu à mais uma de suas "reformas" que, na verdade,
correspondem ao fechamento dos canais democráticos. Primo,
através do chamado Tribunal Supremo, Maduro logrou que se ceifasse da
Assembléia Legislativa parte da maioria lograda democraticamente nas urnas por
uma sentença do dócil - com Maduro - referido tribunal, que retirava de um
número determinado de deputados o seu direito de integrar a Assembleia. Tal número correspondia exatamente ao quorum legal
e constitucional que os investia com a
capacidade de julgar o Executivo, caso este exorbitasse de suas funções
constitucionais, de acordo de resto com a práxis
democrática seguida pelas democracias.
O endurecimento do Regime Maduro, e sua
crescente incapacidade de lidar com a situação de descalabro imperante -
desabastecimento geral, hiper-inflação - levou o Presidente, na verdade o
Ditador Maduro, a tentar transferir as funções da Assembléia Legislativa para a
chamada Sala do Tribunal Supremo.
Esse brutal desrespeito da
Constituição foi impedido de entrar em efeito pela reação internacional.
Todas essas tentativas autoritárias
provocaram também larga reação da opinião pública, expressa nos mais diversos
recantos da Venezuela. Sucederam-se as manifestações, tornadas sangrentas pela
intervenção das chamadas forças da ordem - que na verdade constitui a
soldadesca da pré-ditadura, além dos chamados coletivos, que são grupos armados que atacam (e matam) os
demonstrantes.
Nada reflete de forma mais gritante
a incapacidade do Governo em gerir o país e a sua economia, que desce em espiral
de escassez e fome, numa população que procura defender os próprios direitos,
seja através de manifestações, seja com os pés buscando em países limítrofes o
alimento que não encontram na Venezuela.
A penúltima invenção jurídica foi a
abstrusa convocação de uma Constituinte de vereadores, como se mais esta fuga
inconstitucional possibilitasse uma saída democrática para a Venezuela. Procurando controlar o Legislativo, o remédio
para Maduro e seu bando será através de baixar-lhe o nível de representação
Nessa triste e preocupante série
de recursos disparatados e absurdos, o último agora se desenha na tentativa de
controlar e dominar a figura democrática da Procuradora-Geral Luísa Ortega
Díaz, representante de órgão constitucional, que ora, no caminho do regime
Maduro de tudo nivelar ao mais baixo, se pretende muito provavelmente
cercear-lhe os poderes constitucionais, intentando retirar dessa alta
funcionária a sua capacidade constitucional de tanto assegurar, quanto velar
pelo bom funcionamento da Constituição.
Dentro do presente descalabro
constitucional, político, econômico e social, não surpreende decerto que esse
aborto chavista ora pretenda inviabilizar um dos poucos instrumentos
constitucionais que, por ser mantido, mesmo contra a vontade da corrupção imperante do regime Maduro, ainda
lograva conter a sanha e a avidez da súcia que se apoderou do poder na
Venezuela.
No entanto, como reza
qualquer Constituição que se preze, todo o poder emana do Povo. As eventuais
autoridades só o detêm na medida em que lhe respeitam as premissas, garantias e
objetivos.
Se seguirem na sua marcha
batida contra tudo o que significou essa Constituição, o governo corrupto de
Nicolás Maduro estará assinando a respectiva condenação.
(
Fonte: Folha de S. Paulo )
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