quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Disfunções estatais


                                       

        O bloqueio dos organismos do Estado e, em especial, do Legislativo, pode ocorrer por uma pluralidade de causas.

        Nos Estados Unidos, pela falta de espírito bi-partidário, o Congresso ficou, na prática, paralisado, pela impossibilidade  de aprovação de legislações importantes para a Nação americana, de 2011 até início de 2015.

       Com a Câmara de Representantes sob controle de uma facção radical, como são os adeptos do movimento Tea Party, aliados do Partido Republicano, um momento na vida do Estado americano (por força do despreparo do jovem presidente Barack Obama) se transformou numa realidade antagônica e virulentamente contrária ao sentir da Nação.

       Esse espírito de raivoso reacionarismo faria com que muitos estados americanos embarcassem na canoa do gerrymander, que viria no futuro a congelar na Câmara de Representantes a momentânea realidade que gestara a derrubada da maioria democrata na Câmara baixa. Tomando o freio nos dentes, e valendo-se das pluralidades saídas da reação popular do chamado shellacking  (tunda), e através de Câmaras estaduais foram criadas as disformes disposições que assegurariam o congelamento na prática de uma situação eventual, que o velho recurso - de resto, ilegal - ao gerrymander iria transmutar em permanente.

       A inexperiência do jovem Presidente democrata custaria caro e não só ao próprio partido, mas sobretudo à Nação americana, eis que o artificial e o distorcido não estão aí para espelhar a lídima vontade do Povo, mas realidade deformada desse sentir.

        Como seria de esperar, essa contraposição entre burgos podres (aqueles na Inglaterra do início do século XIX que seriam desfeitos pela pacífica reação do povo de Sua Majestade) e câmaras autênticas criaria estranhas projeções políticas, como as estranhas diferenças no peso do voto em estados como Ohio, em que a realidade da votação estadual geral (muito mais difícil de ser deturpada), e as circunscrições para deputados e representantes na câmara legislativa espelhavam o claro enigma existente entre o sufrágio real e o artificial.

        Por causa dessa fratura, a Câmara de Representantes, sob domínio do GOP, imporia a paralisia legislativa. No biênio em que o Partido Democrata dispôs de maioria bicameral, as duas Câmaras assegurariam reformas relevantes, no campo de Wall Street e dos bancos, na Saúde (com o ACA) e com os subsídios indispensáveis para reativar  a economia, fragilizada pela Grande Recessão.    

        Apesar de reter maioria no Senado até o começo deste ano, o Partido Democrata pouco proveito poderia tirar dessa situação, diante da resistência da Câmara de Representantes, que abominava o bipartidismo, dentro de sólido reacionarismo. Até mesmo a reforma da imigração, aprovada no Senado pelos dois partidos, foi obstaculizada pela grande pedra do pequeno Tea Party, essa facção reacionária, engendrada pelos irmãos petroleiros Koch (pronuncia-se Conq) que prevalecendo na Câmara, inviabilizaria o que a maior parte da Nação americana já julga necessário.

        Que o leitor me releve esse um tanto longo intróito, mas ele serve de útil lição. Para o colunista Merval Pereira, na sua coluna de ontem - Baixa Política - são espúrias (a palavra não é dele) as motivações do apoio de oposição e governo a Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Essas duas entidades desejam preservar Cunha, posto que por motivos contrapostos.

       Os governistas com o intúito de inviabilizar o impeachment, e a oposição, com a esperança de viabilizá-lo.

       Dada a baixa confiabilidade de Cunha, já constitui jogada de alto risco confiar em tal intermediário. Nas palavras de Merval Pereira, tal "demonstra quão baixo nível atingimos, a ponto de um político desmoralizado pelos fatos ter ainda fôlego para comandar as ações no Congresso."

        Ambos as partes contrapostas de modo inegável estariam inclinadas a tomar como prováveis reações diversas do atual Presidente da Câmara. Acham - ou fingem achar - que ele terá a hombridade de cumprir compromissos. Como são grandes as margens de dúvida, a maior vantagem estaria,  com os aliados de dona Dilma, eis que esses contam com a inação do atual presidente, diante do respectivo compromisso constitucional. E julgando que mais aproveita ao Chefe da Câmara deixar inconclusas as questões, dentro dessa hipótese fingiriam apoiá-lo, mantendo-o em vida burocrática pelo tempo que a eles mais aproveita, antes que possam cortar o nó Górdio que pesa sobre a cabeça de Sua Excelência, isto é, tão logo encontrado um porto seguro nesse mar traiçoeiro que a dílmica nave tem de arrostar.  

          Dentro desse contexto, aconteça o que acontecer,  é sumamente difícil negar a existência do momento de baixa política que ora atravessamos.

 

( Fontes:  O Globo, coluna de Merval Pereira )     

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