Antes de seguir do ponto em que
deixamos a narrativa - a 'assinatura' a
posteriori da Constituição de 1988
por Lula da Silva e os constituintes
do PT, depois da demagógica recusa de firmar a Carta Magna - é necessário referir-se ao aspecto deletério que teve
a transferência para Brasília nos costumes do Poder Legislativo.
Para o
Presidente Juscelino Kubitschek era
mandatória a consolidação da Nova Capital. Saído do Velho Palácio das Águias,
no Catete, Rio de Janeiro, rumo à
Brasília, o que JK absolutamente não desejava seria de tornar-se uma espécie de
prisioneiro da cidade que implantara com a própria resolução e a conhecida
habilidade administrativa. Foi um conjunto de grandes obras e iniciativas, que,
hoje, com a desídia e pasmaceira atuais, resulta ainda difícil crer, tenha sido
possível realizar em apenas quatro anos.
Não era
somente a construção dos prédios dos três Poderes, mas também a Esplanada dos
Ministérios, o centro da cidade, e as primeiras Superquadras, que formavam as
'asas' da nova Capital. Além disso, eram imprescindíveis os chamados
eixos-monumentais, as grandes avenidas que formam uma cruz, a exemplo do sinal
aposto no chão pelos bandeirantes - na imagem do grande Lúcio Costa, o urbanista - quando estabeleciam algum núcleo nos
sertões desbravados. O Brasil então atravessava também na arquitetura uma época
de ouro, simbolizado pelo também grande Oscar
Niemeyer.
Para o
primeiro comércio, havia a via W-3,
aonde os noveis habitantes buscavam comprar artigos de primeira necessidade, e
recebiam amiúde a resposta de que 'está
em falta'. Além da areia
explicável porque o 21 de abril - data
da fundação formal - já estava na estação seca (que se prolonga até setembro),
e vem acompanhada de poeira, muita poeira, até que venham os aguaceiros de
setembro em diante. Decerto, em imagem
que não exagera demasiado, à secura do deserto sucediam os temporais
torrenciais de Ranchipur...
Por
conseguinte, salta aos olhos que nos primeiros tempos da Brasília inaugurada,
as condições de vida e as respectivas amenidades (?) não se podiam comparar às
da Velha Capital, o Rio de Janeiro.
Nesses termos, em condições normais, dificilmente
os integrantes do Poder Legislativo acederiam à transferência definitiva,
enquanto perdurasse a precaríssima situação que constituía o dia-a-dia do
residente na nova Capital. Como se verifica, portanto, a permanência nos
Palácios Tiradentes e Monroe, sedes de Câmara e Senado no Rio
de Janeiro, oferecia condições com que os recém-inaugurados prédios, no belo
traço de Oscar Niemeyer, na Nova Capital, entre o Palácio do Planalto e o do
Supremo Tribunal Federal, ainda não tinham possibilidade de concorrer.
Depois do
enorme esforço e gasto representado pela implantação de Brasília - o que
incluía a rede rodoviária (com a Belém-Brasília, a São Paulo - Brasília, e a
principal, com o previsto maior tráfico, a Rio - Brasília, que atravessa o Rio
de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, para chegar à nova Capital) Juscelino, já no último ano do quinqüenio,
precisava consolidar Brasília, o que só seria possível com a presença não pro-forma, mas efetiva dos três Poderes.
Compreende-se que pelo próprio número - e as amenidades da Velha Corte -
o maior desafio estava com o Congresso, e o tarimbado político mineiro resolveu
fazê-lo através da concessão de mais vantagens para os parlamentares. Fê-lo,
notadamente, pela distribuição de passagens para o Rio de Janeiro e respectivas
capitais estaduais, e a chamada dobradinha,
com que multiplicava por dois uma parte da remuneração de Suas Excelências.
Tais
medidas foram apresentadas como excepcionais, para atender situação
emergencial. Compreende-se o peso
adicional para o orçamento da República, dado o número de representantes em
Câmara e Senado, sobrecarga esta que não existia na Velha Cap.
Por
conseguinte, montaram-se as condições nefastas para as 'semanas curtas', dos senhores parlamentares. Ainda hoje, o nosso
Congresso guarda essa dádiva de JK,
o que se pode compreender em situação emergencial - como o era a implantação da
Nova Capital - mas que só mesmo em
Pindorama poderia estender-se por tantos decênios, com Brasília há muito cidade
plenamente implantada (tem mais de cinquenta anos de existência!)
De uma
maneira, ou de outra, a 'dobradinha' ficou, ainda que com
diversa designação. Assinale-se que Senadores e Deputados, embora não costumem
tardar mais de duas noites em Brasília por semana, fazem jus a apartamentos
funcionais. Nâo são poucos, pois nossa Câmara tem 583 deputados, e o Senado, 81
senadores.
Assinale-se que os deputados têm mandato de quatro anos e os senadores,
de oito. É estranhável que mesmo um democrata como Ulysses Guimarães não se
tenha oposto a que os Senadores tenham suplentes (hoje seriam três por senador,
e indicados pelo próprio). É uma instituição patrimonialista, que nada tem a
ver com a democracia. Nos Estados Unidos, v.g.,
se o Senador falta por algum motivo, a sua sucessão fica por conta de eleição
no estado respectivo, a menos que o restante do mandato seja inferior a dois anos (o que corresponde
lá a mandato de deputado), quando o governador do estado designa o novo senador
apenas para esse curto período. No Brasil, continua a suplência sendo benesse nada democrática, para pessoas das
relações do Senador, ou com quem tenha laços políticos.
Como se
verifica, Brasília - a princípio pela precariedade - criou condições propícias
para aumentar os benefícios aos congressistas e, além disso, de tornar-lhes os
turnos na assembléia muito mais curtos. Hoje em dia parecem todos 'conformados'
em chegar a Brasília na terça e viajar de volta na quinta, o que, na verdade, dá
apenas um dia inteiro e, em geral, mais meio-dia, eis que na quinta o deputado
ou senador está com o pé no estribo.
Não é
difícil intuir quão nociva para o trabalho legislativo e a democracia constitui
essa rotina do Congresso das
quartas-feiras. Qual o tempo efetivo para o trabalho nas comissões? Com a
quota relativa às M.P. (medidas provisórias do Executivo), aumenta a sobrecarga
no Congresso, mormente se se admitem as chamadas emendas jabuti[1],
que é um incentivo à corrupção, como se viu em MPs recentes, em que o
Executivo negociou com o Legislativo a concessão de determinadas vantagens a
empresas automobilísticas. Salta aos olhos que as Medidas Provisórias não poderiam incluir disposições estranhas à
sua normativa. A manter-se a situação atual, tais M.P.s viram autênticos balcões de negócio, como se
viu recentemente com a indústria automobilística.
Para
resumir, a situação presente - de que me ocuparei em blog sucessivo - é distante descendente daquela criada por uma
efetiva emergência. E como sucede amiúde
em Pindorama o excepcional, com o tempo,
vira rotina.
Assim, o
hábito de um Congresso que se sentia ilhado da realidade brasileira - em nada
comparável à caixa de recepção do Palácio Tiradentes no Rio de Janeiro - e batalhava
por abreviar a estada de seus representantes na Capital Federal, nas suas fases
iniciais, em que à distância do sentir da Nação se associava o desejo de
afastar-se da Nova Capital, levado em conta que o relativo isolamento político
se juntava às ainda difíceis condições materiais.
Quando os
'agrados' do Poder Executivo deixaram de corresponder às condições efetivas em
Brasília, já a caminho de sua normalização como grande cidade, eles já estavam
plenamente inseridos nas remunerações de Suas Excelências.
O
extraordinário virou rotina, e as vantagens foram plena e gostosamente
absorvidas. No entanto, como sói também acontecer por essas bandas - e na falta
de alguma liderança parlamentar mais austera, ou por caso da interveniente
presença do poder militar, que não desejava estender demasiado o trabalho do Legislativo
por claras razões de oportunidade - esse poder da República passou a entender
como 'normal' trabalhar a ritmo pleno por um dia e meio por semana.
Mesmo
depois da redemocratização - com a partida em 1985 do contrafeito General João
Figueiredo, e a sucessão, não como a Nação esperava, por Tancredo Neves, mas pelo Vice
José Sarney, tivemos um governo democrático, dedicado mormente à feitura da
Constituição de 5 de outubro de 1988, mas com o caldo de inflação já galopante.
A Constituição Cidadã - como a chamou
Ulysses Guimarães - fora feita para um regime parlamentarista. Teve de
adequar-se ao presidencialismo, por escolha do Povo Soberano.
E o
primeiro governo a tempo integral foi o de Fernando
Henrique Cardoso. Com algumas
concessões excessivas, que tinham a ver com a filosofia do Consenso de Washington, ele se distinguiria - e para melhor, da
corrupção do governo Fernando Collor,
que o Congresso derrubaria no primeiro impeachment
republicano, e a que se seguiria o governo honrado do Vice Itamar Franco. Itamar
lançaria as bases do Plano Real,
que seria plenamente implementado por FHC, até mesmo com a Lei da Responsabilidade Fiscal, que
fez aprovar contra a histérica oposição petista, guiada por Lula da Silva, até aí perdedor contumaz
nas eleições presidenciais.
E o
Brasil pensou que com Fernando Henrique e a administração tucana, houvéssemos domada a inflação, que nos
atazanara a vida (com o overnite, a
correção monetária e o confisco do chamado Plano
Collor[2]) , e entorpecera o
desenvolvimento, por décadas a fio, aquela que se convencionou chamar de os
anos perdidos.
No
reinado tucano, o brasileiro imaginou que se havia desembaraçado da inflação.
Ledo engano, pois não contou com Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores.
Como
sói acontecer nesse reino, que parece vizinho da mística terra da abundância,
vale dizer, a da Cuccagna, todas as ilusões têm status de realidade, e são assim tomadas.
Havíamos vencido o Dragão. A
Inflação não mais nos roeria o salário, nem teríamos de viver no ritmo do overnite, assistindo às remarcações das
famosas maquinetas nos supermercados.
E,
por isso, imbuída dessa esperança, a maioria julgou que era tempo de colocar no
Palácio do Planalto a Luiz Inácio Lula
da Silva, o torneiro-mecânico, que virara dirigente sindical e chefe de
partido, havido como jacobino.
Voltou nos mágicos braços dos feiticeiros da propaganda política, como Lulinha
Paz e Amor. (a continuar)
[1] emenda jabuti é aquela que
se refere a outra matéria do que aquela tratada pela MP.
[2] Está para ser feita a
história desse brutal confisco, que provocou inúmeros suicídios, desgraçou famílias
e trouxe vastíssimo etcetera para o
dia-a-dia do brasileiro, com as consequentes perdas monetárias - tudo isso para
nada. A mágica fórmula de D. Zélia só trouxe problemas, e não a miraculosa
solução que prometiam os planos heterodoxos contra a inflação.
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