sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Brasil: Corrupção & Burocracia (VIII)


                                  

         Antes de seguir do ponto em que deixamos a narrativa - a 'assinatura' a posteriori da Constituição de 1988 por Lula da Silva e os constituintes do PT, depois da demagógica recusa de firmar a Carta Magna - é necessário referir-se ao aspecto deletério que teve a transferência para Brasília nos costumes do Poder Legislativo.

         Para o Presidente Juscelino Kubitschek era mandatória a consolidação da Nova Capital. Saído do Velho Palácio das Águias, no Catete,  Rio de Janeiro, rumo à Brasília, o que JK absolutamente não desejava seria de tornar-se uma espécie de prisioneiro da cidade que implantara com a própria resolução e a conhecida habilidade administrativa. Foi um conjunto de grandes obras e iniciativas, que, hoje, com a desídia e pasmaceira atuais, resulta ainda difícil crer, tenha sido possível realizar em apenas quatro anos.

          Não era somente a construção dos prédios dos três Poderes, mas também a Esplanada dos Ministérios, o centro da cidade, e as primeiras Superquadras, que formavam as 'asas' da nova Capital. Além disso, eram imprescindíveis os chamados eixos-monumentais, as grandes avenidas que formam uma cruz, a exemplo do sinal aposto no chão pelos bandeirantes - na imagem do grande Lúcio Costa, o urbanista - quando estabeleciam algum núcleo nos sertões desbravados. O Brasil então atravessava também na arquitetura uma época de ouro, simbolizado pelo também grande Oscar Niemeyer.

          Para o primeiro comércio, havia a via W-3, aonde os noveis habitantes buscavam comprar artigos de primeira necessidade, e recebiam amiúde a resposta de que 'está em falta'. Além da areia explicável  porque o 21 de abril - data da fundação formal - já estava na estação seca (que se prolonga até setembro), e vem acompanhada de poeira, muita poeira, até que venham os aguaceiros de setembro em diante.  Decerto, em imagem que não exagera demasiado, à secura do deserto sucediam os temporais torrenciais de Ranchipur...

          Por conseguinte, salta aos olhos que nos primeiros tempos da Brasília inaugurada, as condições de vida e as respectivas amenidades (?) não se podiam comparar às da Velha Capital, o Rio de Janeiro.

          Nesses termos, em condições normais, dificilmente os integrantes do Poder Legislativo acederiam à transferência definitiva, enquanto perdurasse a precaríssima situação que constituía o dia-a-dia do residente na nova Capital. Como se verifica, portanto, a permanência nos Palácios Tiradentes e Monroe, sedes de Câmara e Senado no Rio de Janeiro, oferecia condições com que os recém-inaugurados prédios, no belo traço de Oscar Niemeyer, na Nova Capital, entre o Palácio do Planalto e o do Supremo Tribunal Federal, ainda não tinham possibilidade de concorrer.

           Depois do enorme esforço e gasto representado pela implantação de Brasília - o que incluía a rede rodoviária (com a Belém-Brasília, a São Paulo - Brasília, e a principal, com o previsto maior tráfico, a Rio - Brasília, que atravessa o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, para chegar à nova Capital)  Juscelino, já no último ano do quinqüenio, precisava consolidar Brasília, o que só seria possível com a presença não pro-forma, mas efetiva dos três Poderes.

           Compreende-se que pelo próprio número - e as amenidades da Velha Corte - o maior desafio estava com o Congresso, e o tarimbado político mineiro resolveu fazê-lo através da concessão de mais vantagens para os parlamentares. Fê-lo, notadamente, pela distribuição de passagens para o Rio de Janeiro e respectivas capitais estaduais, e a chamada dobradinha, com que multiplicava por dois uma parte da remuneração de Suas Excelências.

             Tais medidas foram apresentadas como excepcionais, para atender situação emergencial.  Compreende-se o peso adicional para o orçamento da República, dado o número de representantes em Câmara e Senado, sobrecarga esta que não existia na Velha Cap.

              Por conseguinte, montaram-se as condições nefastas para as 'semanas curtas', dos senhores parlamentares. Ainda hoje, o nosso Congresso guarda essa dádiva de JK, o que se pode compreender em situação emergencial - como o era a implantação da Nova Capital - mas que só mesmo em Pindorama poderia estender-se por tantos decênios, com Brasília há muito cidade plenamente implantada (tem mais de cinquenta anos de existência!)

              De uma maneira, ou de outra, a 'dobradinha' ficou, ainda que com diversa designação. Assinale-se que Senadores e Deputados, embora não costumem tardar mais de duas noites em Brasília por semana, fazem jus a apartamentos funcionais. Nâo são poucos, pois nossa Câmara tem 583 deputados, e o Senado, 81 senadores.

             Assinale-se que os deputados têm mandato de quatro anos e os senadores, de oito. É estranhável que mesmo um democrata como Ulysses Guimarães não se tenha oposto a que os Senadores tenham suplentes (hoje seriam três por senador, e indicados pelo próprio). É uma instituição patrimonialista, que nada tem a ver com a democracia. Nos Estados Unidos, v.g., se o Senador falta por algum motivo, a sua sucessão fica por conta de eleição no estado respectivo, a menos que o restante do mandato  seja inferior a dois anos (o que corresponde lá a mandato de deputado), quando o governador do estado designa o novo senador apenas para esse curto período. No Brasil, continua a suplência sendo  benesse nada democrática, para pessoas das relações do Senador, ou com quem tenha laços políticos.

               Como se verifica, Brasília - a princípio pela precariedade - criou condições propícias para aumentar os benefícios aos congressistas e, além disso, de tornar-lhes os turnos na assembléia muito mais curtos. Hoje em dia parecem todos 'conformados' em chegar a Brasília na terça e viajar de volta na quinta, o que, na verdade, dá apenas um dia inteiro e, em geral, mais meio-dia, eis que na quinta o deputado ou senador está com o pé no estribo.

               Não é difícil intuir quão nociva para o trabalho legislativo e a democracia constitui essa rotina do Congresso das quartas-feiras. Qual o tempo efetivo para o trabalho nas comissões? Com a quota relativa às M.P. (medidas provisórias do Executivo), aumenta a sobrecarga no Congresso, mormente se se admitem as chamadas emendas jabuti[1], que é um incentivo à corrupção, como se viu em MPs recentes, em que o Executivo negociou com o Legislativo a concessão de determinadas vantagens a empresas automobilísticas. Salta aos olhos que as Medidas Provisórias não poderiam incluir disposições estranhas à sua normativa. A manter-se a situação atual, tais M.P.s  viram autênticos balcões de negócio, como se viu recentemente com a indústria automobilística.

             Para resumir, a situação presente - de que me ocuparei em blog sucessivo - é distante descendente daquela criada por uma efetiva emergência. E como sucede amiúde em Pindorama  o excepcional, com o tempo, vira rotina.

             Assim, o hábito de um Congresso que se sentia ilhado da realidade brasileira - em nada comparável à caixa de recepção do Palácio Tiradentes no Rio de Janeiro - e batalhava por abreviar a estada de seus representantes na Capital Federal, nas suas fases iniciais, em que à distância do sentir da Nação se associava o desejo de afastar-se da Nova Capital, levado em conta que o relativo isolamento político se juntava às ainda difíceis condições materiais.

             Quando os 'agrados' do Poder Executivo deixaram de corresponder às condições efetivas em Brasília, já a caminho de sua normalização como grande cidade, eles já estavam plenamente inseridos nas remunerações de Suas Excelências.

             O extraordinário virou rotina, e as vantagens foram plena e gostosamente absorvidas. No entanto, como sói também acontecer por essas bandas - e na falta de alguma liderança parlamentar mais austera, ou por caso da interveniente presença do poder militar, que não desejava estender demasiado o trabalho do Legislativo por claras razões de oportunidade - esse poder da República passou a entender como 'normal' trabalhar a ritmo pleno por um dia e meio por semana.

              Mesmo depois da redemocratização - com a partida em 1985 do contrafeito General João Figueiredo, e a sucessão, não como a Nação esperava, por Tancredo Neves, mas pelo Vice José Sarney, tivemos um governo democrático, dedicado mormente à feitura da Constituição de 5 de outubro de 1988, mas com o caldo de inflação já galopante.                                                               

               A Constituição Cidadã - como a chamou Ulysses Guimarães - fora feita para um regime parlamentarista. Teve de adequar-se ao presidencialismo, por escolha do Povo Soberano.

                E o primeiro governo a tempo integral foi o de Fernando Henrique Cardoso.  Com algumas concessões excessivas, que tinham a ver com a filosofia do Consenso de Washington, ele se distinguiria - e para melhor, da corrupção do governo Fernando Collor, que o Congresso derrubaria no primeiro impeachment republicano, e a que se seguiria o governo honrado do Vice Itamar Franco. Itamar lançaria as bases do Plano Real, que seria plenamente implementado por FHC, até mesmo com a Lei da Responsabilidade Fiscal,  que fez aprovar contra a histérica oposição petista, guiada por Lula da Silva, até aí perdedor contumaz nas eleições presidenciais.

                E o Brasil pensou que com Fernando Henrique e a administração tucana,  houvéssemos domada a inflação, que nos atazanara a vida (com o overnite, a correção monetária e o confisco do chamado Plano Collor[2]) , e entorpecera o desenvolvimento, por décadas a fio, aquela que se convencionou chamar de os anos perdidos.

                No reinado tucano, o brasileiro imaginou que se havia desembaraçado da inflação. Ledo engano, pois não contou com Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores.

                Como sói acontecer nesse reino, que parece vizinho da mística terra da abundância, vale dizer, a da Cuccagna, todas as ilusões têm status de realidade, e são assim tomadas.

                Havíamos vencido o Dragão.  A Inflação não mais nos roeria o salário, nem teríamos de viver no ritmo do overnite, assistindo às remarcações das famosas maquinetas nos supermercados.

                  E, por isso, imbuída dessa esperança, a maioria julgou que era tempo de colocar no Palácio do Planalto a Luiz Inácio Lula da Silva, o torneiro-mecânico, que virara dirigente sindical e chefe de partido, havido como jacobino.

                 Voltou nos mágicos braços dos feiticeiros da propaganda política, como Lulinha Paz e Amor.                       (a continuar)




[1] emenda jabuti é aquela que se refere a outra matéria do que aquela tratada pela MP.
[2] Está para ser feita a história desse brutal confisco, que provocou inúmeros suicídios, desgraçou famílias e trouxe vastíssimo etcetera para o dia-a-dia do brasileiro, com as consequentes perdas monetárias - tudo isso para nada. A mágica fórmula de D. Zélia só trouxe problemas, e não a miraculosa solução que prometiam os planos heterodoxos contra a inflação.

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