A corrupção, se não terá especiais
preferências por formas de governo, tenderá a desenvolver-se mais se o regime
não gozar de maiores controles, se não houver o bom exemplo das principais autoridades
do Estado, e se a deterioração nos costumes induzir à lassitude. Essa fadiga no
tecido social pode induzir a virtual estado de anomia, em que, por falta de
exemplo, de regras claras e de sua aplicação democrática (i.e., a presunção de
'exceções' tenderia para zero) as consequências se afiguram propícias para a
criação de ambiente em que a possibilidade de uma cultura de corrupção possa implantar-se seja de forma setorial,
seja de modo amplo.
No estado absolutista, como foi o
Portugal do século XVIII, e o Brasil colonial do mesmo período, se
determinadas classes como a nobre e a eclesiástica gozavam de amplos
privilégios, a sua autonomia tinha, em matéria de práticas e costumes, limites
bastante nítidos. As aparências deveriam ser mantidas, máxime as do culto. Os familiares da Inquisição tinham os
ouvidos acessíveis, e muita vez a excessiva desenvoltura social, e/ou a suposta
ousadia de abraçar costumes ou retóricas de outras sociedades, vistas por uns
como mais abertas, e por outros, como mais corrompidas, poderiam servir como
torpes instrumentos de dominação, ou de cruéis lições para que o tecido social
ficasse supostamente livre ou preventivamente vacinado[1]
contra alegadas práticas dissolutas. Nesse sentido, o nome do brasileiro Antonio José da Silva[2],
escritor e dramaturgo, constituiria o anti-exemplo, não só pela perseguição que
sua família e ele próprio sofreram, mas sobretudo pelas soezes atenções que receberia na masmorra lisboeta, havendo sido
encarcerado em 1737, e condenado como judaizante
(sic) recidivo, tendo o corpo garrotado e queimado em praça pública, em
1739. Como se assinala, a histeria antissemita obscureceria por demasiado tempo
o valor da própria dramaturgia, a exemplo da respectiva obra prima, Guerras do Alecrim e Manjerona (1737).
Portugal (assim como a sua vizinha maior,
Espanha) já adentrara as plácidas correntes de secular decadência. O
tristemente célebre terremoto de Lisboa - a que Voltaire se reportaria a seu
tempo e com inconsueta virulência - marcaria o século. Assinale-se, por
oportuno, que o santista Alexandre de
Gusmão seria também suspeito de ter
sangue impuro, e somente a alta posição na cercania do soberano lhe
evitariam, se não a maledicência, pelo menos insídias maiores do poder
inquisitorial.
Não escapará ao leitor a Derrama, que foi o anti-evento que
precipitou a repressão contra a chamada Inconfidência
Mineira. Sabedor por traição, o poder colonial que planejava recorrer à
chamada derrama (cobrança extorsiva, feita em Minas Gerais, dos tributos ou
quintos atrasados, para que a metrópole não ficasse privada de seu quinhão
sobre o produto do trabalho das populações, e em especial a mineração) preferiu
adiá-la e prender os principais implicados na conjuração mineira. O novo
governador, Visconde de Barbacena, chegara à província em 1788, disposto a
executar a cobrança. A conspiração, no entanto, fundada nesse motivo, logo vaza
e com tal surge a mísera figura do traidor, Joaquim Silvério dos Reis, que,
como sói acontecer, tinha outros a secundá-lo.
Nos inconfidentes estava a nata da
província, com o poeta Claudio Manoel da Costa, o tenente-coronel Francisco de
Paula Freire de Andrada, Alvarenga Peixoto, Tomás Antonio Gonzaga, os padres
Carlos Correia de Toledo e Melo, Luís Vieira da Silva, e outros mais.
Socialmente, o mais modesto era o alferes Joaquim José da Silva Xavier,
o
Tiradentes, o mais humilde, apesar de ser o mais ativo e proficiente.
Talvez por isso, seria o único a sofrer a pena capital - os demais tiveram as
sentenças comutadas - o alferes Tiradentes, que como cabeça do movimento seria
executado a 21 de abril de 1792, subindo, em praça pública, os degraus da
forca, a que se seguiu o esquartejamento.
Está estreitamente ligada a esse
gorado levante a obtusa arbitrariedade dos governantes portugueses. Depois da
abundância na produção de ouro realizada pela intensa mineração nas primeiras
décadas do século XVIII, sobreveio inexorável o declínio na explotação com o
progressivo esgotamento dos veios auríferos.
Sob a ávida pressão da metrópole, tangida por seus dispêndios
suntuários, a sucessão de governadores já vindos em período de vacas magras não
tinha a coragem de arrostar a cupidez da Corte. Com efeito, o procrusteano
mínimo fixado de cem arrobas[3] de
ouro por ano (o chamado quinto) não mais correspondia à efetiva potencialidades
dos veios auríferos.
É interessante, de resto, ter presente
onde realmente foi parar grande parcela da riqueza das Minas Gerais. A exemplo
de sua irmã maior na península ibérica (notadamente com a prata do México e das
minas do Peru), tampouco o emprego do ouro, a par de grandes despesas com
monumentos, palácios e obras religiosas, boa parte dessas luzentes cem arrobas
anuais das Minas Gerais - se não caíam nas mãos cúpidas de piratas e corsários
da longa rota até a metrópole - tomariam
o caminho da velha Álbion e da poderosa ilha seguiria para a Nova Inglaterra,
onde muito ajudariam no reforço do fundo de capitais e nos investimentos das
colônias americanas de Sua Majestade britânica.
Ao contrário da colonização
espanhola, que fundou universidades em suas dependências de além-mar, a
orientação lusitana seria bem diversa. A metrópole portuguesa temia o saber e sua influência. Por isso, por aqui, nos tempos
coloniais, inexistia educação superior. Àqueles que o desejassem, só estava
aberto a rota de Coimbra. Dado o custo de tal traslado, é fácil de supor que
nos bancos da vetusta universidade não haveria muitos súditos de Sua Majestade
por graça de Deus Rei de Portugal e Algarve, nascidos no Brasil colônia. Para o
punhado daqueles brasileiros que empreendiam a viagem oceânica, havia de
presumir-se que, ou eram membros de famílias de posses, ou gozavam do raro
favor de alguma instituição.
( Fontes: Enciclopédia Delta-Larousse, Jaime Cortesão
)
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