Pero Vaz de
Caminha, o escrivão da armada, que aqui veio oficialmente 'descobrir' a Terra
da Santa Cruz, está associado à descoberta do Brasil pela sua famosa carta a
el-Rey Dom Manuel, dito o Venturoso, para comunicar-lhe o ditoso evento de sua
descoberta. Há outra circunstância nessa célebre correspondência, que é solicitação
especial à sua Majestade real.
O ledo evento
da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral justificaria, no entender do
escrivão, o particular pedido feito por um parente seu ao soberano português.
Talvez a circunstância de servir por terceira vez na corte de el-Rey, desse a
Caminha a motivação necessária. De
qualquer forma, a inusitada e oportunista inserção na epístola constitui o
primeiro exemplo de tráfico de influência ao ensejo do surgimento da novel
colônia da Coroa lusitana.
Portugal,
debruçado que estava sobre o Atlântico já se tornara uma potência naval graças
ao Infante dom Henrique no século XV. A circumnavegação da África fora encetada
e com esta o caminho das Índias. As especiarias abriam nova rota de comércio,
enquanto condenavam outra.
O grande
problema da Coroa lusa estava em garantir as rotas, diante da cobiça das
potências maiores. Os segredos dos velhos mapas não eram fruto do acaso, mas de
longas porfias em mares cruéis, e de meticulosas anotações. Por isso, os seus
riscos seriam guardados a sete chaves, e sobre eventuais indiscrições ou cousa
pior caíam penas com a severidade que hoje protege os códigos de comunicação.
As velhas cartas náuticas valiam o seu peso em ouro, não só pelas fainas e
sacrifícios de que seus desenhos eram a marca, mas também pelos perigos que a
sua tradição para outras mãos traria consigo.
Por tudo
isso, e os grandes empenhos e desafios que rondavam as naus e caravelas de
el-Rey, as cartas era mister defender com a própria vida.
Sozinho em seu
gabinete, D. João III, já no século XVI, escrevia de suas angústias, face aos parcos
recursos daquele balcão de terra, cercado por quase todos os lados, pelos
domínios de Espanha, e os maus ventos que o provérbio lhe atribuía. El-Rey se
amofinava perante os desafios que sentia maiores que a capacidade e sobretudo o
número da própria gente, a que o Infante dom Henrique, pelo estudo, as
informações e os desenhos traçara na Escola de Sagres as rotas de África e
quiçá além.
Suas naves, em chegando até as Molucas, pela
extensão dos caminhos sobre que pairam brisas inconstantes, feros vendavais e a
exasperante pasmaceira das calmarias, alternando-se em jogos tão fementidos
quão imprevistos, arrostavam outra sorte de perigos, que cercavam as vias mais
estreitas e próximas dos entrepostos. Ali, como se elas fossem caça já cansada
por provações e sobretudo a escassez das provisões, atravessavam angustas
sendas, nos ares o pérfido perigo das letais investidas de gente ignota, saída
não se sabe de onde, tangida pela fome e a cobiça.
As más novas
mais tardavam do que as boas, porque estas tornavam com alegria e saúde;
aquelas, quando muito, vinham enroladas em papéis manchados e as vazias
contagens da boa gente perdida, nas refregas, borrascas e redemoinhos que a
má-sorte trazia. E el-Rey funda sentia a ironia dos parcos recursos de que
dispunha a brava gente, partindo para longas e traiçoeiras expedições, enquanto
nas vilas e povoados escasseavam os braços.
Por isso,
sob as pesadas vistas das ávidas potências, a que desagradava o estro e a
ardida coragem da lusa gente que
"por
mares nunca de antes navegados,
continua a magna
prova, a que se junta ingente provação, e o resoluto, ardido destemor.
Soa talvez
a grande e bela hora do pequeno, mas valeroso reino. Dada a extensão da Terra
da Santa Cruz, a que mais tarde o pau brasil o nome mudaria, se faziam mister
obras de engenharia, com a localização de fortes e fortins, para defender
contra a cobiça alienígena, o acesso ao longo litoral, com suas praias e a mata
atlântica, verde e densa, mas prenhe de indígenas ferozes, como já o provaram
pobres náufragos, que os arrecifes da costa terão colhido nas suas pérfidas,
cortantes malhas.
Cresce a
cobiça das potências maiores. Ao norte cumpre proteger de naus intrusas o
Amazonas, com o seu caudaloso rio, as florestas indevassáveis e a promessa de
grandes farturas. Ali se colocam fortes destinados a defender a imensa bacia,
sem desvendar-lhes o acesso.
Em vão, a
princípio, as naves estrangeiras tentam adentrar a pujante corrente, mas, por
muito, os acessos traiçoeiros e as falsas rotas fazem encalhar as avaras naves
dos emboabas.
Será mais
tarde que Pedro Teixeira surgirá como magno sertanista, e logrará com sua brava
expedição a grande travessia do inferno verde chegando, para horror e surpresa de
seus habitantes à plácida San Francisco de Quito, depois de cruzar a densa mata
do Oriente equatoriano. Chegada a notícia a Madri, a revolta da Academia das
Indias Espanholas, diante da audácia do luso-brasileiro, reclamaria em vão por
medidas e castigos, que a nova separação ibérica tornaria irrelevantes.
Mais ao sul,
da vila de São Paulo e o curso do Tietê avançaria uma corrente humana, com as
suas bandeiras em busca de pedras preciosas. Tais incursões pelos sertões não
se cingiam decerto a tal. Muitas adentravam em outras missões, como para trazer
indígenas.
Os
bandeirantes alargariam os espaços do brasileiro, chegando mesmo a penetrar em
áreas já habitadas pelo castelhano, muita vez trazendo o medo e até o terror
pelas temidas incursões de o que surgia vindo do leste quase como piratas da
terra firme.
Além das
entradas, que eram expedições oficiais, as bandeiras, em geral partindo da vila
de São Paulo, buscavam escopos comerciais, embora fosse um tanto lata a
interpretação que davam ao termo os calejados bandeirantes.
Por vezes,
acompanhavam as bandeiras os chamados padres matemáticos, que marcavam as
posições cartográficas em suas anotações, o que seria de grande serventia para
que fossem preparadas cartas atualizadas dos avanços da gente paulista, e dos
eventuais povoados que surgissem por força de tais penetrações.
Na primeira
metade do século XVIII, o moço de escrivaninha de D. Joâo V, o brasileiro
Alexandre de Gusmão coordenaria à distância tais atividades. Viria ao Brasil,
apesar da dificuldade na travessia e aos encargos que tinha como auxiliar
direto de el-Rey, para coordenar as
eventuais missões, tendo muito presentes os trabalhos cartográficos, eis que a
eventualidade de negociações com o Rei de Espanha sobre a divisão do continente
já pairavam como perspectivas.
Toda a sua
existência em Portugal serviria como prólogo e ocasião para a coleta de dados,
das indispensáveis cartas e das informações próprias para a negociação. O
empenho do secretário de el-Rey será descrito na obra de Jaime Cortesão,
através da paciente e minudente coleta de pormenores e informes, de maneira a
constituir sólida base de conhecimentos topográficos e corográficos, com os
elementos necessários para fundamentar as reivindicações portuguesas nas
negociações de que o Senhor Gusmão seria o provedor oculto dos negociadores
portugueses. Preparando, com a necessária minúcia, as instruções aos embaixadores de el-Rey, Gusmão seria na verdade, pelo próprio
conhecimento e cultura, o principal responsável pela posição defendida pelos
enviados de D. João V. Dada a sua
erudição, a profusão de cartas e os demais informes que enviava, em
pormenorizadas instruções aos representantes de el-Rey na negociação com
Castela, Alexandre de Gusmão mereceria,
à distância, o respeito e a admiração do plenipotenciário espanhol, Lencastre.
O Tratado
de Madri, apesar de sua curta existência, dada a superveniência de D. José e
sobretudo do Marquês de Pombal, teria forte influência sobre o sucessivo
traçado das fronteiras. Quanto à Colônia do Sacramento, a secular luta de
Portugal por uma presença na Banda Oriental, seria objeto de uma troca de
territórios.
Através do
grande precursor da diplomacia brasileiro, Alexandre de Gusmão, e dos
diplomatas do Império que culminariam no Barão do Rio Branco, os limites do
Império do Brasil e depois da República, seriam confirmados por
negociações e nos casos mais anosos, através
das questões de limites com a Argentina e a França, e os respectivos laudos
arbitrais com os triunfos do Barão do Rio Branco, e sua consequente glória. A
trajetória que culminaria com o nosso Patrono é a prova da validez perene da
diplomacia brasileira, que nunca confundiu a perenidade do Estado com o
temporário da política, como seria o hábito de nossos vizinhos.
( Fontes: Obras de Jaime Cortesão, Enciclopédia Delta-Larousse, Rio Branco , de Alvaro Lins. )
Nota Aditiva.
Como o leitor não deixará de notar, embora não sejam textos iguais, os blogs Brasil (II) e (III)
são em certos trechos coincidentes. Pelo fato de serem também complementares, pareceu ao responsável que seria mais apropriado - com o risco de algumas repetições - editá-los a ambos.
Os textos, como se verifica, partem de premissas similares, mas por vezes se servem de argumentos diversos. Foi com esse intuito do enriquecimento eventual da matéria que foi considerado preferível mantê-los, ao invés da alternativa condensação.
[1] Lusíadas, L.de Camões,
canto 1°, I.
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