Depois de três
tentativas malogradas, a primeira contra Fernando Collor, a segunda e a
terceira contra Fernando Henrique, Luiz Ignácio Lula da Silva chegou à eleição
de 2002 com ar de veterano. Despojado de sua postura radical de antes, pela mão
do marqueteiro da campanha, Duda
Mendonça, ele foi transformado em Lulinha,
paz e amor.
Enfrentou no
primeiro turno José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS). Passando ao segundo turno, venceu sem maior
dificuldade a José Serra.
Apesar das
promessas de campanha, sua fama de
extremista cobrou um preço, com a alta na inflação e a queda do real diante do
dólar americano. No entanto, o triunfo não o fez arrancar a máscara, e escolheu
Antônio Palocci para Ministro da Fazenda, e Henrique Meirelles para o Banco
Central.
Lula da
Silva, excluído (como se verificou posteriormente) o assunto do Mensalão, não
contrariou Palocci enquanto este pôde permanecer na Fazenda. Com o Fome Zero
criou um programa assistencialista confuso, que depois abandonaria pelo Bolsa
Família. Ao exonerar em 2004 pelo telefone
o Ministro da Educação, Cristovam Buarque - que passava férias em
Portugal - mostrou falta de sensibilidade
(que de resto não é o seu forte).
Palocci,
através de gestão correta da Fazenda, afastaria os temores do mercado. Anos
depois, sobreviria o escândalo do caseiro, que determinaria o pedido de
demissão do Ministro. Sucedeu-o na Fazenda Guido Mantega. Sem o pulso de
Palocci, sua gestão não teve a qualidade da anterior.
Já para o fim
do primeiro mandato, iria estourar a primeira crise séria da Presidência Lula.
Tudo começou com o pagamento de propina a um gerente dos correios, Maurício
Marinho. Ele é filmado a coletar com displicência um maço de três mil reais,
que recebe de operador.
Com isso, se
inicia a grande crise do Mensalão,
que teve como testemunha principal o deputado Roberto Jefferson (que seria cassado). Jefferson denunciou José Dirceu como o operador do Mensalão (na essência, a compra de
legisladores para que votassem projetos do Governo).
Depois da
denúncia de Jefferson, José Dirceu decide ir para o sacrifício. Supostamente, ele operara todo o esquemão do
Mensalão - de que Marcos Valério
fornecia os fundos através do Banco Rural e do BMG - sem que o Presidente Lula
da Silva disso tomasse conhecimento.
Em emocionado
discurso no Planalto, o então deputado José Dirceu assumiu a responsabilidade,
e falou no seu (dele) governo, como se fora o Primeiro Ministro de Lula da
Silva. Seguir-se-ía a travessia no Congresso, quando Dirceu é cassado.
O sinuoso
Marcos Valério, o agente financeiro do Mensalão, entraria em cena em junho de
2005. Proprietário de duas agências de comunicação (DNA e SMP&B), participou de similar arreglo para Eduardo
Azeredo (PSDB), a que o então Procurador-Geral da República, Antônio Fernando
de Souza, denominou como o laboratório do
Mensalão do PT.
Para as mesadas aos partidos que
aceitaram participaram do esquema do Mensalão, os operadores seriam Marcos Valério e Delúbio Soares, Tesoureiro do PT, iniciando a série dos tesoureiros
do Partido dos Trabalhadores, que os levaria oportunamente para a cadeia.
Segundo
declarou Roberto Jefferson em
depoimento ao Congresso, esses dois operadores atuavam sob as ordens de José
Dirceu, Chefe da Casa Civil de Lula da Silva. As tentativas de Marcos Valério
de ir mais alto na escala hierárquica, e acusar o próprio Presidente Luiz
Ignácio Lula da Silva não tiveram êxito, por falto de provas conclusivas, e
pela assunção da culpa de parte do Deputado José Dirceu, que seria igualmente
cassado. Com o sacrifício pessoal, a princípio do mandato, José Dirceu confirmaria a versão oficial que deixaria de incluir
Lula na lista dos suspeitos a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, na
qualidade de principal responsável pela existência do Mensalão.
Apesar da
montagem do quadro dos réus a serem julgados na Ação Penal 470 tê-lo excluído
da lista de acusados, não haviam cessado de certo os dissabores para o
Presidente da República
No tribunal
da opinião pública, era voz corrente a certeza de sua culpabilidade. Nesse
sentido, a doze de agosto de 2005, Lula
da Silva fez uma intervenção chorosa na tevê, em que, pede desculpas ao
Povo brasileiro, e nesse fraseado
elíptico mas óbvio para o homem da rua, reconhecia alguma responsabilidade. A
clara intenção é de apresentar-se como vítima, ao acrescentar que se sente
traído.
Pouco depois, transpira na imprensa que
d. Marisa Letícia Lula da Silva
pediu ao Embaixador da Itália e obteve passaporte italiano, que dá a respectiva
nacionalidade a ela e aos filhos. O caráter inaudito do gesto, que vem ao
conhecimento público na primeira quinzena de dezembro de 2005, completa o
quadro do temor na esposa e na família quanto à eventual perda do cargo de
parte do pater familias. De qualquer
forma, a iniciativa é única e não tem paralelo em nossa história republicana.
Ainda em 2005
houve o chamado episódio dos aloprados.
Descoberto o dossiê - que é falso - descobre-se que foi fabricado por
assessores de Aloizio Mercadante, então candidato ao governo de São Paulo, para
prejudicar José Serra, do PSDB, e talvez também a Geraldo Alckmin, então
candidato à presidência.
Por indecisão,
o PSDB julga que o Presidente Lula não mais teria condições de ganhar a
reeleição, pelo seu sangramento em praça pública. Uma vez mais, por presunção,
o tucanato errou feio, pois preferiu não levar adiante a acusação de
impeachment. As urnas decidiriam por eles. E foi o que ocorreu, com o redivivo
Lula da Silva superando sem maior dificuldade a Geraldo Alckmin.
Não obstante,
o affaire Mensalão prosseguiria, como
a Ação Penal 470, uma vez recebida a representação do Ministério Público
Federal.
Apesar do
intento do Juiz revisor, Ricardo Lewandowski de contestar a competência do STF
na AP 470, no que concerne a muitos dos réus, a sua tentativa de deter o
trabalho já realizado pelo juiz relator, o Ministro Joaquim Barbosa, não
progrediu. De toda maneira, Lewandowski
demorou cerca de seis meses até que a AP 470 passasse a ser julgada. Isso foi
interpretada por certas fontes como um intento de inviabilizar a participação
no julgamento de ministros como Cesar Peluso e Ayres Brito, que se aproximavam
da então idade-limite de setenta anos, e cuja opinião favorável à condenação
era notória. Com efeito, os dois
Ministros acima referidos seriam aposentados compulsoriamente, Peluso a três de
setembro de 2012, e Ayres Britto, a 18 de novembro de 2012. Foram duas perdas
importantes para o apoio ao relatório do Ministro Joaquim Barbosa. Após a
partida de Peluso e Ayres Britto, várias decisões foram tomadas que
discrepariam de sentenças lavradas nessa A.P 470, sob diverso colegiado, e com
o consequente afrouxamento das penas a alguns dos réus condenados no Mensalão.
Tanto
no primeiro, quanto no segundo mandato de Lula continuou alta a contratação de
pessoal para as repartições funcionais, cujo número também aumentou em função
do aparelhamento do Estado, em que o PT cuidava de incrementar a quantidade de
funcionários dele dependentes. Uma das primeiras medidas de Lula da Silva foi
não mais condicionar a determinadas funções gratificadas o requisito de grau
universitário. Tudo era feito com vistas a incrementar a presença do PT na
burocracia federal. Por isso, desde logo foi notado pelos técnicos fiscais que
ascendera bastante o percentual dos gastos correntes, justamente essa parcela
que o Estado moderno trata de diminuir para aumentar-lhe a flexibilidade no
dispêndio fiscal, flexibilidade essa que o ritmo de empreguismo desvairado como
política fazia o estado perder.
A inchação dos
quadros estatais é uma das pragas mais antigas e nocivas da burocracia. O
Estado moderno se deseja ágil e despojado de um peso inútil de burocratas, que
lhe tiram boa parte da capacidade de investir. Além disso, o empreguismo como
política estatal é uma das escolhas mais estúpidas que se possa fazer, pois
torna lento e pouco afinado às necessidades da Nação o seu pessoal burocrático.
Uma vez estável, o retrato do casaco ritualmente pendurado no encosto da
cadeira não poderia ser melhor símbolo do seu esclerosamento e virtual
inutilidade. Serve apenas para virar um peso inútil às funções do Estado
moderno.
Dada a sua
parca formação, Lula da Silva não poderia ter nunca uma outra visão quanto à
serventia dos funcionários públicos. Por outro lado, o Mensalão não seria o
único instrumento para lograr por outros meios a aprovação pelo Congresso de
legislação que o PT considerasse como indispensável.
Por outro lado, sob pretexto de
viabilizar o apoio político no Congresso Nacional ao Governo do PT, o número
dos ministérios começou a inchar. Nâo se pensava nas funções gratificadas que a
multiplicação das Pastas tornava obrigatórias - além do incremento da carga
fiscal - mas sobretudo nas maiores oportunidades que dava às indicações
políticas, dentro da órbita de cada partido. Havia nesse sistema de repartição
do Estado duas fórmulas, aquela outorgada aos partidos maiores, que recebiam
pastas com porteira fechada (vale dizer, cabia a eles a alocação de todos os
postos), assim como a outra modalidade, aberta aos grêmios menores, que deviam
compartilhar, seja com o PT, seja com outro partido da base, a repartição das
funções, em uma secretaria de estado necessariamente menor do que as de
porteira fechada.
Na função de
governar, verifica-se que a avidez dos partidos se dirigia para aquelas
secretarias que, por movimentarem verbas mais polpudas, também ensejavam
oportunidades para os chamados malfeitos (na pudica linguagem de Dilma
Rousseff), vale dizer tudo o que não pudesse ser formalmente declarado.
A corrupção
é uma erva daninha, e a entrega de certas pastas a determinados políticos nunca
o será por ingenuidade ou ignorância. O seu controle só pode ser feito pela Lei
e pelo exemplo. Se nenhum dos dois é cumprido, ou se o é apenas pro forma, os ladravazes tomam conta do
Estado, com o resultado de que o peso tributário - que no Brasil é um dos mais
altos do planeta - se perde em grande parte pelo que chama o ralo da corrupção.
Com isso, temos a situação que o brasileiro conhece muito bem: a despeito da
carga tributária que teoricamente vai muito além do terço para o atendimento do
Erário, na prática a sina do brasileiro é reclamar de uma segurança ineficiente
e por vezes corrupta, de uma saúde estatal
que está em frangalhos, por hospitais que não atendem urgências vitais e
médicos que delegam a bagrinhos o seu posto no plantão, de um ensino público em
que as greves são a regra (é fácil fazer greve no Brasil se não se tem o ponto
cortado), de cadeias públicas (a que o próprio Ministro da Justiça da segunda
Presidente petista disse preferir morrer do que a elas ser porventura
recolhido).
Não há
setor no Brasil em que se entrelacem tão gostosamente o excesso tributário, a
burocracia com sua arrogante ineficiência, e a corrupção disfarçada em inúmeras
e dificultosas exigências (que muita vez são criadas para que vendidas, se
derretam em comoventes facilidades), quanto na área cartorial. Já houve pelo
menos duas tentativas de desburocratizar o Brasil, mas esse Brasil, a um tempo
subterrâneo e insolente, logo desfez tais tentativas, como se fora água de barrela.
Dizem que é a herança lusa ou peninsular que corre nas veias de cada
brasileiro, e que por isso é indestrutível...
O nosso
presidente petista, embora seja homem de poucas letras, é inteligente e
matreiro. Retirante nordestino, vindo de pau de arara para São Paulo, Luiz
Inácio da Silva teria mais a fazer do que investir como um Quixote contra os
moinhos de vento. Se o Conselheiro Saraiva foi o maior político do Segundo
Império - que diziam pássaro de vôo curto mas de pouso certo (e não se vá
esquecer que na sua última hora política, foi dele que se lembrou o Imperador
para ver se ainda era possível compor-se com a humilhante quartelada com que
Deodoro marcaria a nacionalidade), Lula da Silva não é nenhum Conselheiro
Saraiva, mas não é tolo.
No
entanto, a hübris não é boa
conselheira. Lula teve o bom senso de não interferir com Henrique Meirelles no
Banco Central, embora as coisas na Fazenda não tenham marchado tão bem quanto
haviam sido com Palocci. O sucessor.
Guido Mantega, não tinha a mesma firmeza, e Lula começou a gostar demais do
truque das capitalizações. E, por conta
da marolinha, as finanças pareciam
começar a ser preparadas para arrostar o vendaval de Dilma.
Sem
embargo, o peso maior da responsabilidade fiscal de Lula se vai aclarando aos
poucos, e a imagem vista não é decerto para divulgação. O primeiro presidente
operário no Brasil principiou o seu longo processo de desfazimento - que mal
começa -já ao cabo do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em talvez o mais
desastroso governo da era republicana, quando, já ao fim do segundo - quando
não mais lhe foi possível, como pensara, recandidatar-se - principiou a
repontar a herança maldita do Petrolâo.
( a continuar )
Nenhum comentário:
Postar um comentário