domingo, 15 de novembro de 2015

Brasil: Corrupção & Burocracia (IX)

                                 

        Depois de três tentativas malogradas, a primeira contra Fernando Collor, a segunda e a terceira contra Fernando Henrique, Luiz Ignácio Lula da Silva chegou à eleição de 2002 com ar de veterano. Despojado de sua postura radical de antes, pela mão do marqueteiro da campanha,  Duda Mendonça, ele foi transformado em Lulinha, paz e amor.

        Enfrentou no primeiro turno José Serra (PSDB), Anthony Garotinho (PSB) e Ciro Gomes (PPS).  Passando ao segundo turno, venceu sem maior dificuldade a José Serra.

        Apesar das promessas de campanha,  sua fama de extremista cobrou um preço, com a alta na inflação e a queda do real diante do dólar americano. No entanto, o triunfo não o fez arrancar a máscara, e escolheu Antônio Palocci para Ministro da Fazenda, e Henrique Meirelles para o Banco Central.

         Lula da Silva, excluído (como se verificou posteriormente) o assunto do Mensalão, não contrariou Palocci enquanto este pôde permanecer na Fazenda. Com o Fome Zero criou um programa assistencialista confuso, que depois abandonaria pelo Bolsa Família. Ao exonerar em 2004 pelo telefone  o Ministro da Educação, Cristovam Buarque - que passava férias em Portugal -  mostrou falta de sensibilidade (que de resto não é o seu forte).

         Palocci, através de gestão correta da Fazenda, afastaria os temores do mercado. Anos depois, sobreviria o escândalo do caseiro, que determinaria o pedido de demissão do Ministro. Sucedeu-o na Fazenda Guido Mantega. Sem o pulso de Palocci,  sua gestão não teve  a qualidade da anterior.

         Já para o fim do primeiro mandato, iria estourar a primeira crise séria da Presidência Lula. Tudo começou com o pagamento de propina a um gerente dos correios, Maurício Marinho. Ele é filmado a coletar com displicência um maço de três mil reais, que recebe de operador.

        Com isso, se inicia a grande crise do Mensalão, que teve como testemunha principal o deputado Roberto Jefferson (que seria cassado). Jefferson denunciou José Dirceu como o operador do Mensalão (na essência, a compra de legisladores para que votassem projetos do Governo).

        Depois da denúncia de Jefferson, José Dirceu decide ir para o sacrifício.  Supostamente, ele operara todo o esquemão do Mensalão  - de que Marcos Valério fornecia os fundos através do Banco Rural e do BMG - sem que o Presidente Lula da Silva disso tomasse conhecimento.

        Em emocionado discurso no Planalto, o então deputado José Dirceu assumiu a responsabilidade, e falou no seu (dele) governo, como se fora o Primeiro Ministro de Lula da Silva. Seguir-se-ía a travessia no Congresso, quando Dirceu é cassado.

        O sinuoso Marcos Valério, o agente financeiro do Mensalão, entraria em cena em junho de 2005. Proprietário de duas agências de comunicação (DNA e SMP&B),  participou de similar arreglo para Eduardo Azeredo (PSDB), a que o então Procurador-Geral da República, Antônio Fernando de Souza, denominou como o laboratório do Mensalão do PT.  

         Para as mesadas aos partidos que aceitaram participaram do esquema do Mensalão, os operadores seriam Marcos Valério e Delúbio Soares, Tesoureiro do PT, iniciando a série dos tesoureiros do Partido dos Trabalhadores, que os levaria oportunamente para a cadeia.

        Segundo declarou Roberto Jefferson em depoimento ao Congresso, esses dois operadores atuavam sob as ordens de José Dirceu, Chefe da Casa Civil de Lula da Silva. As tentativas de Marcos Valério de ir mais alto na escala hierárquica, e acusar o próprio Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva não tiveram êxito, por falto de provas conclusivas, e pela assunção da culpa de parte do Deputado José Dirceu, que seria igualmente cassado. Com o sacrifício pessoal, a princípio do mandato, José Dirceu confirmaria a versão oficial que deixaria de incluir Lula na lista dos suspeitos a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal, na qualidade de principal responsável pela existência do Mensalão.

        Apesar da montagem do quadro dos réus a serem julgados na Ação Penal 470 tê-lo excluído da lista de acusados, não haviam cessado de certo os dissabores para o Presidente da República

         No tribunal da opinião pública, era voz corrente a certeza de sua culpabilidade. Nesse sentido, a doze de agosto de 2005, Lula da Silva fez uma intervenção chorosa na tevê, em que, pede desculpas ao Povo brasileiro,  e nesse fraseado elíptico mas óbvio para o homem da rua, reconhecia alguma responsabilidade. A clara intenção é de apresentar-se como vítima, ao acrescentar que se sente traído.  

         Pouco depois, transpira na imprensa que d. Marisa Letícia Lula da Silva pediu ao Embaixador da Itália e obteve passaporte italiano, que dá a respectiva nacionalidade a ela e aos filhos. O caráter inaudito do gesto, que vem ao conhecimento público na primeira quinzena de dezembro de 2005, completa o quadro do temor na esposa e na família quanto à eventual perda do cargo de parte do pater familias. De qualquer forma, a iniciativa é única e não tem paralelo em nossa história republicana.

        Ainda em 2005 houve o chamado episódio dos aloprados. Descoberto o dossiê - que é falso - descobre-se que foi fabricado por assessores de Aloizio Mercadante, então candidato ao governo de São Paulo, para prejudicar José Serra, do PSDB, e talvez também a Geraldo Alckmin, então candidato à presidência.

        Por indecisão, o PSDB julga que o Presidente Lula não mais teria condições de ganhar a reeleição, pelo seu sangramento em praça pública. Uma vez mais, por presunção, o tucanato errou feio, pois preferiu não levar adiante a acusação de impeachment. As urnas decidiriam por eles. E foi o que ocorreu, com o redivivo Lula da Silva superando sem maior dificuldade a Geraldo Alckmin.

        Não obstante, o affaire Mensalão prosseguiria, como a Ação Penal 470, uma vez recebida a representação do Ministério Público Federal.       

        Apesar do intento do Juiz revisor, Ricardo Lewandowski de contestar a competência do STF na AP 470, no que concerne a muitos dos réus, a sua tentativa de deter o trabalho já realizado pelo juiz relator, o Ministro Joaquim Barbosa, não progrediu.  De toda maneira, Lewandowski demorou cerca de seis meses até que a AP 470 passasse a ser julgada. Isso foi interpretada por certas fontes como um intento de inviabilizar a participação no julgamento de ministros como Cesar Peluso e Ayres Brito, que se aproximavam da então idade-limite de setenta anos, e cuja opinião favorável à condenação era notória.  Com efeito, os dois Ministros acima referidos seriam aposentados compulsoriamente, Peluso a três de setembro de 2012, e Ayres Britto, a 18 de novembro de 2012. Foram duas perdas importantes para o apoio ao relatório do Ministro Joaquim Barbosa. Após a partida de Peluso e Ayres Britto, várias decisões foram tomadas que discrepariam de sentenças lavradas nessa A.P 470, sob diverso colegiado, e com o consequente afrouxamento das penas a alguns dos réus condenados no Mensalão.      

       Tanto no primeiro, quanto no segundo mandato de Lula continuou alta a contratação de pessoal para as repartições funcionais, cujo número também aumentou em função do aparelhamento do Estado, em que o PT cuidava de incrementar a quantidade de funcionários dele dependentes. Uma das primeiras medidas de Lula da Silva foi não mais condicionar a determinadas funções gratificadas o requisito de grau universitário. Tudo era feito com vistas a incrementar a presença do PT na burocracia federal. Por isso, desde logo foi notado pelos técnicos fiscais que ascendera bastante o percentual dos gastos correntes, justamente essa parcela que o Estado moderno trata de diminuir para aumentar-lhe a flexibilidade no dispêndio fiscal, flexibilidade essa que o ritmo de empreguismo desvairado como política fazia o estado perder.

       A inchação dos quadros estatais é uma das pragas mais antigas e nocivas da burocracia. O Estado moderno se deseja ágil e despojado de um peso inútil de burocratas, que lhe tiram boa parte da capacidade de investir. Além disso, o empreguismo como política estatal é uma das escolhas mais estúpidas que se possa fazer, pois torna lento e pouco afinado às necessidades da Nação o seu pessoal burocrático. Uma vez estável, o retrato do casaco ritualmente pendurado no encosto da cadeira não poderia ser melhor símbolo do seu esclerosamento e virtual inutilidade. Serve apenas para virar um peso inútil às funções do Estado moderno.

        Dada a sua parca formação, Lula da Silva não poderia ter nunca uma outra visão quanto à serventia dos funcionários públicos. Por outro lado, o Mensalão não seria o único instrumento para lograr por outros meios a aprovação pelo Congresso de legislação que o PT considerasse como indispensável.

        Por outro lado, sob pretexto de viabilizar o apoio político no Congresso Nacional ao Governo do PT, o número dos ministérios começou a inchar. Nâo se pensava nas funções gratificadas que a multiplicação das Pastas tornava obrigatórias - além do incremento da carga fiscal - mas sobretudo nas maiores oportunidades que dava às indicações políticas, dentro da órbita de cada partido. Havia nesse sistema de repartição do Estado duas fórmulas, aquela outorgada aos partidos maiores, que recebiam pastas com porteira fechada (vale dizer, cabia a eles a alocação de todos os postos), assim como a outra modalidade, aberta aos grêmios menores, que deviam compartilhar, seja com o PT, seja com outro partido da base, a repartição das funções, em uma secretaria de estado necessariamente menor do que as de porteira fechada.

         Na função de governar, verifica-se que a avidez dos partidos se dirigia para aquelas secretarias que, por movimentarem verbas mais polpudas, também ensejavam oportunidades para os chamados malfeitos (na pudica linguagem de Dilma Rousseff), vale dizer tudo o que não pudesse ser formalmente declarado.

          A corrupção é uma erva daninha, e a entrega de certas pastas a determinados políticos nunca o será por ingenuidade ou ignorância. O seu controle só pode ser feito pela Lei e pelo exemplo. Se nenhum dos dois é cumprido, ou se o é apenas pro forma, os ladravazes tomam conta do Estado, com o resultado de que o peso tributário - que no Brasil é um dos mais altos do planeta - se perde em grande parte pelo que chama o ralo da corrupção. Com isso, temos a situação que o brasileiro conhece muito bem: a despeito da carga tributária que teoricamente vai muito além do terço para o atendimento do Erário, na prática a sina do brasileiro é reclamar de uma segurança ineficiente e por vezes corrupta, de uma saúde estatal  que está em frangalhos, por hospitais que não atendem urgências vitais e médicos que delegam a bagrinhos o seu posto no plantão, de um ensino público em que as greves são a regra (é fácil fazer greve no Brasil se não se tem o ponto cortado), de cadeias públicas (a que o próprio Ministro da Justiça da segunda Presidente petista disse preferir morrer do que a elas ser porventura recolhido).

           Não há setor no Brasil em que se entrelacem tão gostosamente o excesso tributário, a burocracia com sua arrogante ineficiência, e a corrupção disfarçada em inúmeras e dificultosas exigências (que muita vez são criadas para que vendidas, se derretam em comoventes facilidades), quanto na área cartorial. Já houve pelo menos duas tentativas de desburocratizar o Brasil, mas esse Brasil, a um tempo subterrâneo e insolente, logo desfez tais tentativas, como se fora água de barrela. Dizem que é a herança lusa ou peninsular que corre nas veias de cada brasileiro, e que por isso é indestrutível...  

            O nosso presidente petista, embora seja homem de poucas letras, é inteligente e matreiro. Retirante nordestino, vindo de pau de arara para São Paulo, Luiz Inácio da Silva teria mais a fazer do que investir como um Quixote contra os moinhos de vento. Se o Conselheiro Saraiva foi o maior político do Segundo Império - que diziam pássaro de vôo curto mas de pouso certo (e não se vá esquecer que na sua última hora política, foi dele que se lembrou o Imperador para ver se ainda era possível compor-se com a humilhante quartelada com que Deodoro marcaria a nacionalidade), Lula da Silva não é nenhum Conselheiro Saraiva, mas não é tolo.

            No entanto, a hübris não é boa conselheira. Lula teve o bom senso de não interferir com Henrique Meirelles no Banco Central, embora as coisas na Fazenda não tenham marchado tão bem quanto haviam sido com Palocci.  O sucessor. Guido Mantega, não tinha a mesma firmeza, e Lula começou a gostar demais do truque das capitalizações.  E, por conta da marolinha, as finanças pareciam começar a ser preparadas para arrostar o vendaval de Dilma.

            Sem embargo, o peso maior da responsabilidade fiscal de Lula se vai aclarando aos poucos, e a imagem vista não é decerto para divulgação. O primeiro presidente operário no Brasil principiou o seu longo processo de desfazimento - que mal começa -já ao cabo do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em talvez o mais desastroso governo da era republicana, quando, já ao fim do segundo - quando não mais lhe foi possível, como pensara, recandidatar-se - principiou a repontar a herança maldita do Petrolâo.

                                                          ( a continuar )           
 

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