O Brasil dormia o sono da colônia,
quando, inadvertidamente, Napoleão decidiu acordá-lo. Lá se veio o Príncipe
Regente D. João com a Rainha-mãe enlouquecida, e a Corte a tiracolo, fugindo de
Lisboa, com o general Jean Junot e as tropas francesas meio que à vista.
Se no Rio de Janeiro - aportara
primeiro na Bahia - o Primeiro Reinado teve um começo joanino, com jeito e
vagaroso, o súbito transplante de colônia à sede da coroa, mesmo que enfaixado
nas sedas e tardanças do Príncipe-regente, representaria uma senhora mudança,
de súbito guindado da sonolência da colônia para o centro dos negócios da
Coroa.
Algumas famílias entenderam mais
rápido a transformação, ao se verem forçadas a ceder as suas residências para
aquele ajuntamento de famílias da Corte. Visto do ângulo de súbito despejo, a
alegria com a repentina aparição do governo real e da mui leal e heróica cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro que se viu guindada à sede da Coroa, logo se
transformaria em raiva surda com o bando malcheiroso de emboabas a despejá-los
do próprio chão.
No entanto, alguns lograriam receber
bons aluguéis pelas próprias residências, e outros, forçados a viverem em
casinholas, não ganhariam tostão com os novos moradores, metidos em seus
solares.
Pedro de Alcântara de Bragança e
Bourbon, nascido em 12 de outubro de 1798, aqui chegou menino de nove anos de
idade. Como assinala Laurentino Gomes, "a colônia brasileira ganharia
muito com a vinda de D. João, mas (...) o custo dos primeiros anos da família
real no Rio de Janeiro foram enormes. Era preciso alimentar e pagar as despesas
de uma corte ociosa, corrupta e perdulária. Isso aconteceu de duas formas. A
primeira foram as listas de subscrição voluntária, que os ricos e poderosos da
colônia assinaram de muito boa vontade porque tinham a certeza[1] de
obter em troca rápidas e generosas vantagens.(...) A segunda foi o aumento
indiscriminado de taxas e impostos, que o povo todo pagou sem conseguir avaliar
de imediato que benefícios teria com isso."
O Rio cresceria com o novo
residente. Já era porto e cidade de estadia dos veleiros que vinham de e para a Europa. Como frisa L. Gomes, era
considerado "escala fundamental nas longas e demoradas navegações ao redor
do mundo. No começo do século XIX, uma viagem da Inglaterra ao Rio de Janeiro
durava entre 55 e 80 dias. Do Rio até a Cidade do Cabo(...)eram mais 30 a 50
dias." O Rio estava preparado para renovar os estoques desses veleiros,
provendo-os com os então escassos itens que poderiam manter-se comíveis naquele
mundo sem qualquer sistema de refrigeração, diante dos longos períodos da
navegação à vela.
O jornalista Hipólito José da
Costa deixa o Brasil com 16 anos. Forma-se em Coimbra, e mora dois anos nos
Estados Unidos. De volta a Lisboa, é preso em 1803 por integrar a
maçonaria. Perseguido pela Inquisição, foge
para a Inglaterra em 1805, criando o Correio
Braziliense, primeiro jornal brasileiro, em 1808. Hipólito é celebrado
como o pioneiro do jornalismo no Brasil.
Por causa da censura, o jornal será impresso e distribuído em Londres. No
entanto, o liberal Hipólito José da Costa - segundo informa historiador
americano[2],
citado por L. Gomes - que defendia a imprensa livre, iria inaugurar o sistema
de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por acordo secreto,
D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de
determinado número de exemplares do Correio,
com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões do jornal. O
Embaixador de Portugal na Inglaterra, D. Domingos de Sousa Coutinho, negociou
em 1812 com o pioneiro do jornalismo no Brasil o pagamento de pensão anual, em
troca de críticas mais amenas ao governo joanino. De resto, o Correio
Braziliense não apoiou a Independência do Brasil, e deixa de circular em
dezembro de 1822. Nomeado então pelo Imperador Pedro I agente diplomático em
Londres, fez por merecer nova pensão a cargo dos cofres públicos.[3]
Descrito por Barman como um 'whig'
(liberal inglês), na verdade a figura de nosso primeiro jornalista perde muito
de sua pátina com a composição por debaixo do pano com o poder dos Bragança
(semelha pouco crível que o nosso primeiro Imperador não houvesse sido
informado pelo pai de sua composição com Hipólito da Costa).
O primeiro Reinado, que não durou
muito, nos deu a Constituição do Império, a qual, com emendas, perduraria até
o quinze de novembro de 1889, com a
quartelada do Marechal Deodoro da Fonseca. Pedro I reinou até sete de abril de 1831,
quando, não querendo atender a reivindicação popular de que cancelasse
exoneração de ministério liberal, abdicou em favor do filho d.Pedro de
Alcântara, menor, nomeando como seu tutor o desafeto José Bonifácio de Andrada,
e partiu a treze para a Europa, para a dura restauração da filha Maria da
Glória, afastando o irmão usurpador D. Miguel. Logrado o intento, em setembro
de 1834, faleceu no mês seguinte, de tuberculose.
No Brasil, a regência trina
constitucional, por inadequada, cederia o lugar à una, com o Pe. Diogo Feijó, a
princípio, e mais tarde Araújo Lima, com Pedro II declarado maior pela
Assembléia Legislativa a 23 de julho de 1840. Imperador aos catorze anos, com o
episódio do 'Quero Já', a presença imperial e a anistia facilitaria o trabalho
do jovem Luis Alves de Lima e Silva. O já Conde de Caxias restabeleceria a
ordem no Rio Grande do Sul, após a longa insurreição farroupilha, com o acordo
de 1º de março de 1846, e poria termo às inúmeras revoltas dos tempos da
Regência.
Heitor Lyra, na sua grande biografia
de Pedro II, lhe divide o longo reinado em Ascensão (1825-1831- 1840-1870),
Fastígio (1870-1880) e Declínio (1880-1889)[4]. O
segundo reinado refletiria a serenidade do filho, que tanto discrepava da
impetuosidade do pai. Terminado o ciclo das revoluções, Pedro II - cujo reinado
começaria e terminaria com o Partido Liberal - foi monarca democrata, um
autêntico soberano (que tinha o poder moderador) do século XIX, o que
representaria verdadeira república no respeito das liberdades (o que lhe foi
reconhecido por estadista estrangeiro, quando derrubado pela quartelada de
novembro, que se pensara própria apenas da instável América espanhola).
Com a República, voltaram as
revoluções, mas o que depois se chamaria de República Velha resistiu até
outubro de 1930, em que iniciou o que seria o primeiro longo governo de Getúlio Vargas, até ser
apeado da presidência (a 29 de outubro de 1945).
Nesse curto período de quinze anos houve de tudo em termos de regime.
Depois da euforia da vitória (Washington Luís sairia do Palácio acompanhado pelo
novel Cardeal d. Sebastião Leme, para ser recolhido ao Forte de Copacabana,
para lá seguindo em limousine Lincoln modelo 1928). A tentativa da Junta,
liderada pelo general Tasso Fragoso, seria óbvia tentativa de dar final sul-americano
à revolução do Rio Grande. Como Getúlio
e Góes Monteiro não concordariam, estavam colocadas as condições para o curto período (quinze anos) de Vargas no Catete.[5]
[1] Laurentino Gomes, 1808, p.150.
[2] Roderick J. Barman, cf. V. L. Gomes, 1808,
p.135.
[5] Antes da mudança da
capital para Brasília, o Catete era o Palácio presidencial. Para maiores
detalhes, V. Lira Neto, Getúlio (1882-1930), 1 vol. , Cia. das Letras, 2012.
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