segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Brasil: Corrupção & Burocracia (VI)

                    

         O Brasil dormia o sono da colônia, quando, inadvertidamente, Napoleão decidiu acordá-lo. Lá se veio o Príncipe Regente D. João com a Rainha-mãe enlouquecida, e a Corte a tiracolo, fugindo de Lisboa, com o general Jean Junot e as tropas francesas meio que à vista.

          Se no Rio de Janeiro - aportara primeiro na Bahia - o Primeiro Reinado teve um começo joanino, com jeito e vagaroso, o súbito transplante de colônia à sede da coroa, mesmo que enfaixado nas sedas e tardanças do Príncipe-regente, representaria uma senhora mudança, de súbito guindado da sonolência da colônia para o centro dos negócios da Coroa.

           Algumas famílias entenderam mais rápido a transformação, ao se verem forçadas a ceder as suas residências para aquele ajuntamento de famílias da Corte. Visto do ângulo de súbito despejo, a alegria com a repentina aparição do governo real e da mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro que se viu guindada à sede da Coroa, logo se transformaria em raiva surda com o bando malcheiroso de emboabas a despejá-los do próprio chão.

           No entanto, alguns lograriam receber bons aluguéis pelas próprias residências, e outros, forçados a viverem em casinholas, não ganhariam tostão com os novos moradores, metidos em seus solares.

           Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon, nascido em 12 de outubro de 1798, aqui chegou menino de nove anos de idade. Como assinala Laurentino Gomes, "a colônia brasileira ganharia muito com a vinda de D. João, mas (...) o custo dos primeiros anos da família real no Rio de Janeiro foram enormes. Era preciso alimentar e pagar as despesas de uma corte ociosa, corrupta e perdulária. Isso aconteceu de duas formas. A primeira foram as listas de subscrição voluntária, que os ricos e poderosos da colônia assinaram de muito boa vontade porque tinham a certeza[1] de obter em troca rápidas e generosas vantagens.(...) A segunda foi o aumento indiscriminado de taxas e impostos, que o povo todo pagou sem conseguir avaliar de imediato que benefícios teria com isso." 

            O Rio cresceria com o novo residente. Já era porto e cidade de estadia dos veleiros que vinham de e  para a Europa. Como frisa L. Gomes, era considerado "escala fundamental nas longas e demoradas navegações ao redor do mundo. No começo do século XIX, uma viagem da Inglaterra ao Rio de Janeiro durava entre 55 e 80 dias. Do Rio até a Cidade do Cabo(...)eram mais 30 a 50 dias." O Rio estava preparado para renovar os estoques desses veleiros, provendo-os com os então escassos itens que poderiam manter-se comíveis naquele mundo sem qualquer sistema de refrigeração, diante dos longos períodos da navegação à vela.

             O jornalista Hipólito José da Costa deixa o Brasil com 16 anos. Forma-se em Coimbra, e mora dois anos nos Estados Unidos. De volta a Lisboa, é preso em 1803 por integrar a maçonaria.  Perseguido pela Inquisição, foge para a Inglaterra em 1805, criando o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, em 1808. Hipólito é celebrado como o pioneiro  do jornalismo no Brasil. Por causa da censura, o jornal será impresso e distribuído em Londres. No entanto, o liberal Hipólito José da Costa - segundo informa historiador americano[2], citado por L. Gomes - que defendia a imprensa livre, iria inaugurar o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por acordo secreto, D. João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de determinado número de exemplares do Correio, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões do jornal. O Embaixador de Portugal na Inglaterra, D. Domingos de Sousa Coutinho, negociou em 1812 com o pioneiro do jornalismo no Brasil o pagamento de pensão anual, em troca de críticas mais amenas ao governo joanino. De resto, o Correio Braziliense não apoiou a Independência do Brasil, e deixa de circular em dezembro de 1822. Nomeado então pelo Imperador Pedro I agente diplomático em Londres, fez por merecer nova pensão a cargo dos cofres públicos.[3] Descrito por Barman como um 'whig' (liberal inglês), na verdade a figura de nosso primeiro jornalista perde muito de sua pátina com a composição por debaixo do pano com o poder dos Bragança (semelha pouco crível que o nosso primeiro Imperador não houvesse sido informado pelo pai de sua composição com Hipólito da Costa).

             O primeiro Reinado, que não durou muito, nos deu a Constituição do Império, a qual, com emendas, perduraria até o  quinze de novembro de 1889, com a quartelada do Marechal Deodoro da Fonseca. Pedro I reinou até sete de abril de 1831, quando, não querendo atender a reivindicação popular de que cancelasse exoneração de ministério liberal, abdicou em favor do filho d.Pedro de Alcântara, menor, nomeando como seu tutor o desafeto José Bonifácio de Andrada, e partiu a treze para a Europa, para a dura restauração da filha Maria da Glória, afastando o irmão usurpador D. Miguel. Logrado o intento, em setembro de 1834, faleceu no mês seguinte, de tuberculose.

             No Brasil, a regência trina constitucional, por inadequada, cederia o lugar à una, com o Pe. Diogo Feijó, a princípio, e mais tarde Araújo Lima, com Pedro II declarado maior pela Assembléia Legislativa a 23 de julho de 1840. Imperador aos catorze anos, com o episódio do 'Quero Já', a presença imperial e a anistia facilitaria o trabalho do jovem Luis Alves de Lima e Silva. O já Conde de Caxias restabeleceria a ordem no Rio Grande do Sul, após a longa insurreição farroupilha, com o acordo de 1º de março de 1846, e poria termo às inúmeras revoltas dos tempos da Regência.

              Heitor Lyra, na sua grande biografia de Pedro II, lhe divide o longo reinado em Ascensão (1825-1831- 1840-1870), Fastígio (1870-1880) e Declínio (1880-1889)[4]. O segundo reinado refletiria a serenidade do filho, que tanto discrepava da impetuosidade do pai. Terminado o ciclo das revoluções, Pedro II - cujo reinado começaria e terminaria com o Partido Liberal - foi monarca democrata, um autêntico soberano (que tinha o poder moderador) do século XIX, o que representaria verdadeira república no respeito das liberdades (o que lhe foi reconhecido por estadista estrangeiro, quando derrubado pela quartelada de novembro, que se pensara própria apenas da instável América espanhola).

               Com a República, voltaram as revoluções, mas o que depois se chamaria de República Velha resistiu até outubro de 1930, em que iniciou o que seria o primeiro  longo governo de Getúlio Vargas, até ser apeado da presidência (a 29 de outubro de 1945).

               Nesse curto período de quinze anos houve de tudo em termos de regime. Depois da euforia da vitória (Washington Luís sairia do Palácio acompanhado pelo novel Cardeal d. Sebastião Leme, para ser recolhido ao Forte de Copacabana, para lá seguindo em limousine Lincoln modelo 1928). A tentativa da Junta, liderada pelo general Tasso Fragoso, seria óbvia tentativa de dar final sul-americano à revolução do Rio Grande.  Como Getúlio e Góes Monteiro não concordariam, estavam colocadas as condições para o curto período (quinze anos) de Vargas no Catete.[5]




[1] Laurentino Gomes, 1808, p.150.
[2] Roderick J. Barman, cf. V. L. Gomes, 1808, p.135.
[3] V. L.Gomes, 1808, cap. A Colônia, pp. 135/137.                              
  [4] Na verdade, Heitor Lyra se recusou a consignar como fim de reinado ao inglório novembro de 1889, preferindo a data da morte em Paris, 5 de dezembro de 1891.
[5] Antes da mudança da capital para Brasília, o Catete era o Palácio presidencial. Para maiores detalhes, V. Lira Neto, Getúlio (1882-1930), 1 vol. , Cia. das Letras, 2012.

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