Ainda sob a Constituição de 1946, em
novembro, sob o governo de João Café Filho
(1954-55), o recolhimento ao hospital do presidente despertaria suspeitas. Assumiu então a presidência, em caráter
interino, o Deputado Carlos Luz
(UDN).
Em dez de
novembro, o general Henrique Lott,
Ministro da Guerra, pedira audiência ao Presidente Luz, que despachava no
Palácio do Catete. O tratamento recebido
naquela ocasião - Lott teve de esperar por horas para que o Presidente em
funções o recebesse - irritaria sobremaneira o Ministro, e ao voltar para a
residência oficial passou pela do General
Odilo Denys, Comandante do 1° Exército. Este, antevendo um contragolpe
lacerdista, preparava o que seria o 'Movimento
para o Reestabelecimento dos Quadros
Constitucionais Vigentes', e o
general Lott decidiu então aderir ao golpe preventivo.
A onze de
novembro de 1954, Nereu Ramos, do
PSD, que presidia o Senado, foi declarado presidente interino. Com o estado de
sítio, a ação militar do general Denys, dentre suas inúmeras disposições, poria
na esquina da Avenida N.S. de Copacabana com a rua Joaquim Nabuco um tanque defronte
do prédio onde residia o presidente licenciado
Café Filho. Entrementes, o governo
de Carlos Luz se refugiara no Cruzador Barroso, que zarpou rumo a Santos, na
esperança de colher o apoio do Comandante do Segundo Exército. Todos os
principais próceres udenistas, inclusive Carlos Lacerda, embarcaram no Barroso.
Ao passar pelo
Forte de Copacabana, a artilharia da
costa tentara alvejar, com dois disparos de canhão, o cruzador que levava o
governo Carlos Luz e dignitários oposicionistas.
Para
felicidade dos moradores de Copacabana e Ipanema (notadamente os postos seis e
cinco, e o Arpoador), o comandante do Barroso receberia ordens do Presidente
Carlos Luz de não responder à artilharia
do Forte.
O aludido Movimento
para o Restabelecimento dos Quadros Vigentes iria, portanto, assegurar a posse
do presidente-eleito Juscelino
Kubitschek de Oliveira - que a direita udenista, com o apoio de parte
militar que detinha queria anular - e os
cincos anos de JK (janeiro de 1956 a 1961) seriam devidamente completados, o
que não era comum com a Constituição de 1946.
As reinações
da UDN, partido de Carlos Lacerda, foram controladas a contento do
situacionismo pelo Ministro Armando
Falcão, na Justiça. Houve período em que
a pregação golpista de Lacerda aumentava de diapasão, o que forçou a votação de
'licença' pela Câmara para que o líder udenista baixasse o tom.
O quinqüenio
de JK teria mais dois movimentos insurrecionais na Aeronáutica, ambos em bases
na Amazônia, que seriam facilmente controlados pelo governo.
Dentro de
seu programa de metas (prometeu 50 anos em 5), o governo pessedista do
Presidente Juscelino cuidou precipuamente de sua meta síntese, a
construção e inauguração de Brasília,
efetivada em 21 de abril de 1960. As 'denúncias' da UDN, sobretudo de Carlos
Lacerda e de aliados seus, como Amaral Neto, não lograram o seu escopo
desestabilizador, faltando-lhes pretextos mais convincentes.
Para a sucessão de Juscelino, surgiram
dois
candidatos de peso. Jânio Quadros,
um político atuante em São Paulo, que havia ganho a prefeitura da capital do
estado contra Cardoso, este apoiado por uma coalizão de partidos e siglas. O
povo paulistano acreditou na plataforma de Janio, apesar da óbvia demagogia.
Sem embargo, J. Quadros faria boa administração, e por isso seria eleito
governador do Estado, em 1958.
Verdadeiro
cometa na política, JQ repontou como o candidato da oposição - notadamente da
UDN - para a presidência em 1960. Ao marechal
Henrique Batista Duffles Teixeira
Lott coube a candidatura da situação, com a coalizão PSD-PTB. No entanto, Juscelino cometeu grave erro
político ao dissociar-se na prática do Marechal Lott, homem íntegro, e com
firme liderança militar, o que garantiria a nosso país a necessária
tranquilidade no respectivo mandato. Por esse motivo, sem ser de esquerda, Lott
recebeu igualmente o apoio de partidos como o PCB, cuja existência era tolerada,
posto que não tivessem licença para apresentar diretamente candidatos.
Jânio
Quadros venceria as eleições, mas João Belchior Marques
Goulart, que concorria a vice superou Milton Campos, apoiado por JQ. Em seu
curto período de mando, é forçoso, sem embargo, consignar que nunca presidente
da república no Brasil teve o poder tão respeitado - e mesmo temido - pela
burocracia e demais órgãos estatais. Foram apenas sete meses, mas a autoridade
de JQ - e de seus famosos bilhetinhos - não encontra equivalente na história
republicana - seja de civis, seja do verde-oliva - em termos do respeito e, até
mesmo, temor infundido às autoridades maiores e menores do Estado republicano.
JK pensou
que agindo como magistrado, e tendo um mandato no Congresso - conseguiu para
tanto que lhe abrissem vaga para concorrer ao Senado - estaria garantido para o
almejado retorno em 1965. Ledo engano, como a política, em breve, não deixaria
de mostrá-lo. Eleito Jânio Quadros, por jogada política mal-engendrada,
renunciaria bisonhamente à presidência, depois de sete meses de mandato (e de
trapalhadas).
Auro de
Moura Andrade, então presidente do Congresso, lhe aceitou prontamente a carta
de renúncia, e eis formada a confusão, com o sucessor constitucional o
Vice-Presidente João Goulart em viagem para a China Comunista, e portanto a
muitas milhas de distância.
O que houve
nesse transe poderia ser definido como um quase exercício-geral para o
movimento de 1964, a chamada Redentora.
As forças armadas, com o general Odilo Denys à frente, se manifestaram quanto à inconveniência da posse
do Vice Jango Goulart, dadas as suas notórias ligações com a esquerda.
A princípio,
houve o longo retorno de João
Goulart, que, entrementes, ganha o total apoio do Governador do Rio Grande do
Sul, Leonel de Moura Brizola, com a
sua Campanha pela Legalidade. Quando
logra a adesão do Comandante do III
Exército, General Machado Lopes, a posição de Jango
se reforça, e o Congresso Nacional, com Ranieri Mazzili na presidência,
encontraria solução à brasileira para o impasse. Com o Ato Adicional, se
institui o parlamentarismo, em que o Presidente da República conserva alguns
poderes, mas se cria o posto de Primeiro Ministro, que coube a Tancredo de Almeida Neves, à frente de
um ministério com larga sustentação política.
Segue-se o
chamado período parlamentarista, com que João Goulart concordara contrafeito.
Depois do gabinete Tancredo Neves veio a campanha e o plebiscito pela volta do
presidencialismo. Malgrado o caráter de
João Goulart, que - a despeito das aparências não era um radical - formou-se o
caldo para o movimento de 1964, que teve apoio por não tão debaixo do pano dos
Estados Unidos e do governo Lyndon B. Johnson.
Goulart e as
forças que o apoiaram criariam, de certa forma, o caldo para justificar o
surgimento da 'redentora'. após manifesto do Governador de Minas, e do
início da marcha rebelde de destacamento militar, sob o general Olimpio Mourão Filho.
O movimento
dos sargentos e a atuação do agente-duplo Cabo Anselmo traria os enfeites
necessários para tornar crível a suposta jogada bolchevizante do João Goulart e
de seu arco progressista. Com o desfazimento do suposto 'dispositivo militar'
da presidência, atribuído ao general Assis Brasil, como um castelo de cartas a
legalidade republicana de Goulart desmoronaria, levando de cambulhada a UNE de
José Serra, e os demais movimentos que lutariam pela ordem instituída.
Com a adesão
do Comandante do II Exército, os jogos estavam feitos, e João Goulart iniciou a
sua longa jornada para o exílio.
O ciclo dito
revolucionário iniciado em abril de 1964 teria duração aproximada àquela do
fascismo italiano, com cerca de 22 anos. Terminaria em 1985, com a saída do
poder do General João Figueiredo e a eleição indireta de Tancredo Neves, que
não tomaria posse por motivo de doença. Assumiu o vice eleito, José Sarney, em
cujo governo se reuniria a Constituinte que, a princípio preparou carta
parlamentarista, que depois viraria presidencialista. Assinada pelos
constituintes a 5 de outubro de 1988, de início a bancada do Partido dos
Trabalhadores se negou a subscrevê-la. Os petistas formavam um grupo pequeno
dentro da Constituinte. O PT surgira na década de oitenta com apoio de
intelectuais como Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Mário
Pedroza, além de uma ala da Igreja - que
conformaria o chamado PT igrejeiro - e a liderança de um sindicalista ainda
jovem, Luiz Inacio Lula da Silva.
Jacobino nos
seus inícios - desligou dos quadros os deputados que apoiaram a eleição de
Tancredo Neves - a sua atitude em recusar a firma da Constituição de 1988 foi
feita ad usum da arquibancada, como
se a Carta a que Ulisses Guimarães estaria tão associado não fosse tão
republicana quanto desejavam.
O PT se
valeria depois do vezo brasileiro da composição, e de considerar o dito (e o
feito) por não ditos e não feitos. Assim, o chamado bom-mocismo aplainou o caminho de Lula e poucos correligionários de
considerar-se mais realistas do que o rei, recusando-se a firmar a Constituição
porque esta não atendera aos reclamos e supostas exigências de uma minúscula
bancada.
E este
bom-mocismo e a disposição de voltar atrás e perdoar (seja o que for), é que
aqui funcionou de novo. Quem hoje adquire exemplar da Constituição-Cidadã (como
a denominou Ulysses Guimarães) terá mais do que a impressâo (pois se passa em
branco a postura de não firmá-la pela bancada do PT) que Lula e seus poucos
companheiros constituintes a assinaram junto com os demais.
O Brasil e os
seus representantes devem ter a coragem das respectivas atitudes. Considerando
"de mentirinha" que os petistas a assinaram junto com os demais, a
atual constituição compactua com aquelas atitudes que nos marcam o ethos desde o Império (o para inglês
ver). Os partidos políticos tem plena responsabilidade pelos respectivos atos.
Não é sério agir como se a História não existisse. Como se verá mais adiante, não era por acaso
que Lula e o PT assumiam uma posição que mudava de acordo com as estações, e
como conviesse ao Partido. O erro, contudo, não está com o Partido dos
Trabalhadores, mas com aqueles que julgam válido o jeitinho mesmo na coleção de
firmas da Carta Magna. Se nem é sério, cabe a pergunta, o que é mesmo em
Pindorama pra valer? Enquanto não tivermos a coragem de nossas convicções - e
de utilizá-las como fogos de artifício
para a platéia - convenhamos que é muito fácil dar uma de democrata.
Se tudo
pode ser modificado e retificado à vontade do freguês, forçoso será reconhecer
que nada terá a respectiva existência assegurada. Qualquer força política pode
atuar para a arquibancada, mas ela deve fazê-lo com a consciência de que seus
atos não são rescindíveis ad nutum.
Quando as
instituições brasileiras se conscientizarem deste princípio e de que não serão
sérias enquanto o considerarem como se fora uma simples mágica - que poderâo desfazer
quando e como o quiserem - então os nossos princípios democráticos estarão assentados em bases mais sólidas.
( Fontes: Enciclopédia Delta Larousse; Constituição da
República Federativa do Brasil - 1988 )
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