quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Brasil: Corrupção & Burocracia (VII)


                                    

         Ainda sob a Constituição de 1946, em novembro, sob o governo de João Café Filho (1954-55), o recolhimento ao hospital do presidente despertaria suspeitas.  Assumiu então a presidência, em caráter interino, o Deputado Carlos Luz (UDN).

         Em dez de novembro, o general Henrique Lott, Ministro da Guerra, pedira audiência ao Presidente Luz, que despachava no Palácio do Catete.  O tratamento recebido naquela ocasião - Lott teve de esperar por horas para que o Presidente em funções o recebesse - irritaria sobremaneira o Ministro, e ao voltar para a residência oficial passou pela do General Odilo Denys, Comandante do 1° Exército. Este, antevendo um contragolpe lacerdista, preparava o que seria o 'Movimento para o Reestabelecimento dos Quadros Constitucionais Vigentes', e o general Lott decidiu então aderir ao golpe preventivo.

        A onze de novembro de 1954, Nereu Ramos, do PSD, que presidia o Senado, foi declarado presidente interino. Com o estado de sítio, a ação militar do general Denys, dentre suas inúmeras disposições, poria na esquina da Avenida N.S. de Copacabana com a rua Joaquim Nabuco um tanque defronte do prédio onde residia o presidente licenciado Café Filho. Entrementes, o governo de Carlos Luz se refugiara no Cruzador Barroso, que zarpou rumo a Santos, na esperança de colher o apoio do Comandante do Segundo Exército. Todos os principais próceres udenistas, inclusive Carlos Lacerda, embarcaram no Barroso.

        Ao passar pelo Forte de Copacabana,  a artilharia da costa tentara alvejar, com dois disparos de canhão, o cruzador que levava o governo Carlos Luz e dignitários oposicionistas.

         Para felicidade dos moradores de Copacabana e Ipanema (notadamente os postos seis e cinco, e o Arpoador), o comandante do Barroso receberia ordens do Presidente Carlos Luz  de não responder à artilharia do Forte.

         O aludido Movimento para o Restabelecimento dos Quadros Vigentes iria, portanto, assegurar a posse do presidente-eleito Juscelino Kubitschek de Oliveira - que a direita udenista, com o apoio de parte militar que detinha  queria anular - e os cincos anos de JK (janeiro de 1956 a 1961) seriam devidamente completados, o que não era comum com a Constituição de 1946.

          As reinações da UDN, partido de Carlos Lacerda, foram controladas a contento do situacionismo  pelo Ministro Armando Falcão, na  Justiça. Houve período em que a pregação golpista de Lacerda aumentava de diapasão, o que forçou a votação de 'licença' pela Câmara para que o líder udenista baixasse o tom.

          O quinqüenio de JK teria mais dois movimentos insurrecionais na Aeronáutica, ambos em bases na Amazônia, que seriam facilmente controlados pelo governo.

          Dentro de seu programa de metas (prometeu 50 anos em 5), o governo pessedista do Presidente Juscelino cuidou precipuamente de sua meta síntese, a construção e inauguração de Brasília, efetivada em 21 de abril de 1960. As 'denúncias' da UDN, sobretudo de Carlos Lacerda e de aliados seus, como Amaral Neto, não lograram o seu escopo desestabilizador, faltando-lhes pretextos mais convincentes.

          Para a sucessão de Juscelino, surgiram  dois  candidatos de peso. Jânio Quadros, um político atuante em São Paulo, que havia ganho a prefeitura da capital do estado contra Cardoso, este apoiado por uma coalizão de partidos e siglas. O povo paulistano acreditou na plataforma de Janio, apesar da óbvia demagogia. Sem embargo, J. Quadros faria boa administração, e por isso seria eleito governador do Estado, em 1958.

          Verdadeiro cometa na política, JQ repontou como o candidato da oposição - notadamente da UDN - para a presidência em 1960. Ao marechal Henrique Batista Duffles Teixeira Lott coube a candidatura da situação, com a coalizão PSD-PTB.  No entanto, Juscelino cometeu grave erro político ao dissociar-se na prática do Marechal Lott, homem íntegro, e com firme liderança militar, o que garantiria a nosso país a necessária tranquilidade no respectivo mandato. Por esse motivo, sem ser de esquerda, Lott recebeu igualmente o apoio de partidos como o PCB, cuja existência era tolerada, posto que não tivessem licença para apresentar diretamente candidatos.

           Jânio Quadros venceria as eleições, mas João Belchior Marques Goulart, que concorria a vice superou Milton Campos, apoiado por JQ. Em seu curto período de mando, é forçoso, sem embargo, consignar que nunca presidente da república no Brasil teve o poder tão respeitado - e mesmo temido - pela burocracia e demais órgãos estatais. Foram apenas sete meses, mas a autoridade de JQ - e de seus famosos bilhetinhos - não encontra equivalente na história republicana - seja de civis, seja do verde-oliva - em termos do respeito e, até mesmo, temor infundido às autoridades maiores e menores do Estado republicano.

           JK pensou que agindo como magistrado, e tendo um mandato no Congresso - conseguiu para tanto que lhe abrissem vaga para concorrer ao Senado - estaria garantido para o almejado retorno em 1965. Ledo engano, como a política, em breve, não deixaria de mostrá-lo. Eleito Jânio Quadros, por jogada política mal-engendrada, renunciaria bisonhamente à presidência, depois de sete meses de mandato (e de trapalhadas).

           Auro de Moura Andrade, então presidente do Congresso, lhe aceitou prontamente a carta de renúncia, e eis formada a confusão, com o sucessor constitucional o Vice-Presidente João Goulart em viagem para a China Comunista, e portanto a muitas milhas de distância.

           O que houve nesse transe poderia ser definido como um quase exercício-geral para o movimento de 1964, a chamada Redentora.  As forças armadas, com o general Odilo Denys à frente, se  manifestaram quanto à inconveniência da posse do Vice Jango Goulart, dadas as suas notórias ligações com a esquerda.

          A princípio, houve o longo retorno de João Goulart, que, entrementes, ganha o total apoio do Governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, com a sua Campanha pela Legalidade. Quando logra a adesão  do Comandante do III Exército, General Machado Lopes, a posição de Jango se reforça, e o Congresso Nacional, com Ranieri Mazzili na presidência, encontraria solução à brasileira para o impasse. Com o Ato Adicional, se institui o parlamentarismo, em que o Presidente da República conserva alguns poderes, mas se cria o posto de Primeiro Ministro, que coube a Tancredo de Almeida Neves, à frente de um ministério com larga sustentação política.

           Segue-se o chamado período parlamentarista, com que João Goulart concordara contrafeito. Depois do gabinete Tancredo Neves veio a campanha e o plebiscito pela volta do presidencialismo.  Malgrado o caráter de João Goulart, que - a despeito das aparências não era um radical - formou-se o caldo para o movimento de 1964, que teve apoio por não tão debaixo do pano dos Estados Unidos e do governo Lyndon B. Johnson.

          Goulart e as forças que o apoiaram criariam, de certa forma, o caldo para justificar o surgimento da 'redentora'.   após manifesto do Governador de Minas, e do início da marcha rebelde de destacamento militar, sob o general Olimpio Mourão Filho.

         O movimento dos sargentos e a atuação do agente-duplo Cabo Anselmo traria os enfeites necessários para tornar crível a suposta jogada bolchevizante do João Goulart e de seu arco progressista. Com o desfazimento do suposto 'dispositivo militar' da presidência, atribuído ao general Assis Brasil, como um castelo de cartas a legalidade republicana de Goulart desmoronaria, levando de cambulhada a UNE de José Serra, e os demais movimentos que lutariam pela ordem instituída.

         Com a adesão do Comandante do II Exército, os jogos estavam feitos, e João Goulart iniciou a sua longa jornada para o exílio.

         O ciclo dito revolucionário iniciado em abril de 1964 teria duração aproximada àquela do fascismo italiano, com cerca de 22 anos. Terminaria em 1985, com a saída do poder do General João Figueiredo e a eleição indireta de Tancredo Neves, que não tomaria posse por motivo de doença. Assumiu o vice eleito, José Sarney, em cujo governo se reuniria a Constituinte que, a princípio preparou carta parlamentarista, que depois viraria presidencialista. Assinada pelos constituintes a 5 de outubro de 1988, de início a bancada do Partido dos Trabalhadores se negou a subscrevê-la. Os petistas formavam um grupo pequeno dentro da Constituinte. O PT surgira na década de oitenta com apoio de intelectuais como Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Mário Pedroza,  além de uma ala da Igreja - que conformaria o chamado PT igrejeiro - e a liderança de um sindicalista ainda jovem, Luiz Inacio Lula da Silva.

         Jacobino nos seus inícios - desligou dos quadros os deputados que apoiaram a eleição de Tancredo Neves - a sua atitude em recusar a firma da Constituição de 1988 foi feita ad usum da arquibancada, como se a Carta a que Ulisses Guimarães estaria tão associado não fosse tão republicana quanto desejavam.

         O PT se valeria depois do vezo brasileiro da composição, e de considerar o dito (e o feito) por não ditos e não feitos. Assim, o chamado bom-mocismo aplainou o caminho de Lula e poucos correligionários de considerar-se mais realistas do que o rei, recusando-se a firmar a Constituição porque esta não atendera aos reclamos e supostas exigências de uma minúscula bancada.

        E este bom-mocismo e a disposição de voltar atrás e perdoar (seja o que for), é que aqui funcionou de novo. Quem hoje adquire exemplar da Constituição-Cidadã (como a denominou Ulysses Guimarães) terá mais do que a impressâo (pois se passa em branco a postura de não firmá-la pela bancada do PT) que Lula e seus poucos companheiros constituintes a assinaram junto com os demais.

       O Brasil e os seus representantes devem ter a coragem das respectivas atitudes. Considerando "de mentirinha" que os petistas a assinaram junto com os demais, a atual constituição compactua com aquelas atitudes que nos marcam o ethos desde o Império (o para inglês ver). Os partidos políticos tem plena responsabilidade pelos respectivos atos. Não é sério agir como se a História não existisse.  Como se verá mais adiante, não era por acaso que Lula e o PT assumiam uma posição que mudava de acordo com as estações, e como conviesse ao Partido. O erro, contudo, não está com o Partido dos Trabalhadores, mas com aqueles que julgam válido o jeitinho mesmo na coleção de firmas da Carta Magna. Se nem é sério, cabe a pergunta, o que é mesmo em Pindorama pra valer? Enquanto não tivermos a coragem de nossas convicções - e de  utilizá-las como fogos de artifício para a platéia - convenhamos que é muito fácil dar uma de democrata.

           Se tudo pode ser modificado e retificado à vontade do freguês, forçoso será reconhecer que nada terá a respectiva existência assegurada. Qualquer força política pode atuar para a arquibancada, mas ela deve fazê-lo com a consciência de que seus atos não são rescindíveis ad nutum.

           Quando as instituições brasileiras se conscientizarem deste princípio e de que não serão sérias enquanto o considerarem como se fora uma simples mágica - que poderâo desfazer quando e como o quiserem - então os nossos princípios democráticos estarão assentados em bases mais sólidas.

   

 

( Fontes: Enciclopédia Delta Larousse; Constituição da República Federativa do Brasil - 1988 )

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