Com a devida licença do leitor, antes de passar ao
século XIX, creio de interesse deter-me ainda no século do Iluminismo, cujo
brilho em França foi dos maiores, nesse grande momento da intelectualidade. A tal
propósito, cumpre citar a magna presença
de filósofo francês, embora em verdade seja Cidadão de Genebra. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
cujos restos mortais hoje estão no Panteão da República, em Paris, e é decerto a
maior luz da Revolução Francesa, em termos de filosofia política.
Como tantos outros luminares dessa passagem
da Civilização Ocidental, viveu boa parte de sua agitada existência em Paris. Dentre
os correspondentes de Rousseau, e seus eventuais protetores, encontramos
personagens de grande influência, como o Marechal Charles-François de
Montmorency, duque de Luxembourg
(1702-1764), o Príncipe de Conti (Louis François de Bourbon) (1717-1776) e Malesherbes
(Chrétien-Guillaume de Lamoignon de) (1721-1794).
Este último, como membro da pequena
nobreza, em sua qualidade de Censor do
Rei receberia quatro memoráveis cartas de Rousseau. Apesar dos seus deveres
como alto funcionário, suas simpatias para com o Iluminismo e os novos ventos que custariam alto preço a
Jean-Jacques (Contrato Social, Emílio - sobretudo por causa do deísmo do sermão
do vigário da Savoia) o levaram a conservar as citadas quatro cartas do Cidadão
de Genebra. Malesherbes, de resto,
daria mostra do próprio caráter ao assumir a defesa no julgamento pela
Convenção do rei Luís XVI (Luís Capeto). Por esse ato de coragem em tempos
agitados, de Malesherbes estaria
entre as primeiras vítimas a ser conduzido pela sinistra carroça.
Deparamos nessas décadas que
antecederam a Revolução Francesa, aqueles tempos
interessantes que marcam os grandes momentos da História. Colaborador da Enciclopédia, com relações tumultuosas
com o mais velho Voltaire (que, apesar
da fama, muito intrigou contra o autor do Discurso sobre a Origem e os
fundamentos da Desigualdade entre os Homens),
Rousseau teria que abandonar a sua residência campestre nos arredores de
Paris, para fugir para Genebra, aonde, apesar de filho mais célebre da
respectiva terra, só seria homenageado depois da morte.
Não foi de resto por acaso que o Cidadão de Genebra,
morto onze anos antes da grande Revolução logo figuraria entre os grandes
patronos - senão o principal - do grande movimento que mudaria a face da França
e de boa parte da Europa nos próximos anos.
O Velho Regime seria varrido do
mapa com inaudita rapidez a partir da queda da Bastilha, de que Luís XVI a
princípio sequer tomaria conhecimento. Mas a dinâmica das revoluções não
tardaria em trazer grandes modificações na história da carta política da
Europa, algumas decerto efêmeras, mas muitas permanentes, com as suas longas
sombras sobre as criaturas do Antigo Regime - que passariam metade do século
XIX tentando pôr a cabeça acima da correnteza, até que as águas revoltas
acabassem por levá-las.
Sobre a permanência de alguns
vultos, exemplo pode ser tirado da comemoração do bicentenário da Grande
Revolução. Como chefe de estado francês, François Mitterrand, na comemoração
dos mortos, considerou como ainda vivo e, portanto, perigoso, a Maximilien
de Robespierre, o convencional de Arras, que protegera o jovem oficial
Napoleão Bonaparte, e que seria o símbolo da corrente revolucionária mais à
esquerda. Nesse sentido, o florentino
Mitterrand daria instruções claras de que não se dispensasse, nas comemorações
do bicentenário, muita atenção para o Incorruptível...
A convocação dos Estados Gerais
como todo anacronismo poderia ser muito perigosa. A princípio, a iniciativa de
Luis XVI foi saudada com entusiasmo. Prima
facie, semelhava coisa simples. Os três estados - Nobreza, Clero e Povo -
cada um teria um sufrágio, e parecia natural que nobres e clericais se unissem,
com as respectivas posições prevalecendo dessarte sobre o Terceiro Estado.
Esqueceram, no entanto, de ler
com mais atenção os cadernos de queixas (cahiers de doléances), que os eleitos
de cada circunscrição trariam. Pela sua
iniciativa, Luis XVI seria saudado com entusiasmo. No entanto, vivia-se quase
sem sabê-lo em tempos pré-revolucionários, e a reunião dos Estados Gerais não refletiria o quadro bem-comportado que os
cortesãos de Sua Majestade tinham antecipado.
Por muito tempo, se deixara
cozer as pregações revolucionárias - a começar pelo bem-comportado Charles,
barão de Montesquieu (1689-1755) que escrevera sobre os três poderes. E no evento
que se tornaria a epítome de todos os movimentos revolucionários, os
acontecimentos se precipitariam, levando de roldão os bem-ordenados planos dos
cortesãos.
Da pequena nobreza
provinciana, viriam muitos, e entre os quais Maximilien de Robespierre (1758-1794), que se vestia à antiga, mas
pensava à moderna, e enorme pluralidade de valores, grandes e pequenos, que o
monstro revolucionário devoraria, deixando, ao cabo, não os melhores, mas os
sobreviventes, com o escudo da esperteza
medíocre para protegê-los.
Os tempos revolucionários são
como as tempestades que se abatem sobre as cidades. A força dos elementos leva
tudo de roldão (realistas, girondinos, jacobinos, terroristas) para por fim
acabar em 9 de thermidor do ano II - 27 de julho de 1794 (queda de Robespierre),
com a criação do Diretório, e por fim, do bonapartismo do dezoito brumário (nove
de novembro de 1799). O filho da Revolução acaba com ela, trazendo o Consulado
e, em seguida, o Império.
Se a grande revolução varreria
com os Bourbon (o seu retorno, com Luis XVIII e Carlos X seria efêmero,
terminando em julho de 1830, com Luís Filipe de Orléans (que cairia em fevereiro
de 1848).
Para que se tenha ideia da
precariedade do Ancien Régime (Antigo Regime), a coleta dos impostos não era feita
através de uma eficiente Repartição da Receita (embora a nossa própria Receita
Federal com o Simples (?) das domésticas nos mostra a relatividade da
implantação dessas reformas). Com efeito, a coleta dos tributos, era realizada
através dos Fermiers Généraux (os
fazendários gerais) que era uma espécie de terceirização da coleta fazendária.
Ela ficava a cargo de organizações não-estatais a que a Realeza conferia o
direito de arrecadar os impostos (e de repassá-los para o Ancien Régime, com todas falhas tanto voluntárias, quanto
involuntárias desse sistema de passar a terceiros o encargo de cobrar os
tributos).
Como se verifica, mesmo para as áreas
periféricas da civilização mundial - e tendo presente o atraso relativo do
regime português, e a consequente defasagem das colônias, ainda com retardo
maior - os grandes movimentos tectônicos da política acabam se manifestando em
rincões que as potestades da época terão envidado grandes esforços para
mantê-las à parte.
A História, no entanto, pode às
vezes andar aos repelões, dadas as grandes diferenças entre o centro dos
acontecimentos e a periferia. Sem embargo, por maiores que sejam os esforços
dos países mais atrasados em retardar o avanço da história, todas essas
tentativas acabam sendo em vão, para maior gáudio das colônias da época, como o
era o Brasil, quando o regente dom João de Bragança fugiu de Napoleão em 1808,
para homiziar a si e a própria Corte na então Colônia do Brasil.
( Fontes: Enciclopédia Delta-Larousse; J.-J. Rousseau
Obras Completas Pléiade III, 1964; Correspondance Générale J.J Rousseau, Paris,
1929; Nouveau Petit Larousse 1952; e Nouveau Larousse Encyclopédique 2001 )
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