sábado, 7 de novembro de 2015

Brasil: Corrupção & Burocracia (V)

                   

            Com a devida licença do leitor, antes de passar ao século XIX, creio de interesse deter-me ainda no século do Iluminismo, cujo brilho em França foi dos maiores, nesse grande momento da intelectualidade. A tal  propósito, cumpre citar a magna presença de filósofo francês, embora em verdade seja Cidadão de Genebra. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), cujos restos mortais hoje estão no Panteão da República, em Paris, e é decerto a maior luz da Revolução Francesa, em termos de filosofia política.

           Como tantos outros luminares dessa passagem da Civilização Ocidental, viveu boa parte de sua agitada existência em Paris. Dentre os correspondentes de Rousseau, e seus eventuais protetores, encontramos personagens de grande influência, como o Marechal Charles-François de Montmorency, duque de Luxembourg (1702-1764), o Príncipe de Conti  (Louis François de Bourbon) (1717-1776) e Malesherbes (Chrétien-Guillaume de Lamoignon de) (1721-1794).

           Este último, como membro da pequena nobreza, em sua qualidade de Censor do Rei receberia quatro memoráveis cartas de Rousseau. Apesar dos seus deveres como alto funcionário, suas simpatias para com o Iluminismo e os novos ventos que custariam alto preço a Jean-Jacques (Contrato Social, Emílio - sobretudo por causa do deísmo do sermão do vigário da Savoia) o levaram a conservar as citadas quatro cartas do Cidadão de Genebra. Malesherbes, de resto, daria mostra do próprio caráter ao assumir a defesa no julgamento pela Convenção do rei Luís XVI (Luís Capeto). Por esse ato de coragem em tempos agitados, de Malesherbes estaria entre as primeiras vítimas a ser conduzido pela sinistra carroça.

           Deparamos nessas décadas que antecederam a Revolução Francesa, aqueles tempos interessantes que marcam os grandes momentos da História. Colaborador da Enciclopédia, com relações tumultuosas com o mais velho Voltaire (que, apesar da fama, muito intrigou contra o autor do Discurso sobre a Origem e os fundamentos da Desigualdade entre os Homens),  Rousseau teria que abandonar a sua residência campestre nos arredores de Paris, para fugir para Genebra, aonde, apesar de filho mais célebre da respectiva terra, só seria homenageado depois da morte.          

            Não foi de resto por acaso que o Cidadão de Genebra, morto onze anos antes da grande Revolução logo figuraria entre os grandes patronos - senão o principal - do grande movimento que mudaria a face da França e de boa parte da Europa nos próximos anos.

             O Velho Regime seria varrido do mapa com inaudita rapidez a partir da queda da Bastilha, de que Luís XVI a princípio sequer tomaria conhecimento. Mas a dinâmica das revoluções não tardaria em trazer grandes modificações na história da carta política da Europa, algumas decerto efêmeras, mas muitas permanentes, com as suas longas sombras sobre as criaturas do Antigo Regime - que passariam metade do século XIX tentando pôr a cabeça acima da correnteza, até que as águas revoltas acabassem por levá-las.                      

              Sobre a permanência de alguns vultos, exemplo pode ser tirado da comemoração do bicentenário da Grande Revolução. Como chefe de estado francês, François Mitterrand, na comemoração dos mortos, considerou como ainda vivo e, portanto, perigoso, a Maximilien de Robespierre, o convencional de Arras, que protegera o jovem oficial Napoleão Bonaparte, e que seria o símbolo da corrente revolucionária mais à esquerda. Nesse sentido, o florentino Mitterrand daria instruções claras de que não se dispensasse, nas comemorações do bicentenário, muita atenção para o Incorruptível...

                A convocação dos Estados Gerais como todo anacronismo poderia ser muito perigosa. A princípio, a iniciativa de Luis XVI foi saudada com entusiasmo. Prima facie, semelhava coisa simples. Os três estados - Nobreza, Clero e Povo - cada um teria um sufrágio, e parecia natural que nobres e clericais se unissem, com as respectivas posições prevalecendo dessarte sobre o Terceiro Estado.

                Esqueceram, no entanto, de ler com mais atenção os cadernos de queixas (cahiers de doléances), que os eleitos de cada circunscrição trariam.  Pela sua iniciativa, Luis XVI seria saudado com entusiasmo. No entanto, vivia-se quase sem sabê-lo em tempos pré-revolucionários, e a reunião dos Estados Gerais não refletiria o quadro bem-comportado que os cortesãos de Sua Majestade tinham antecipado.

                 Por muito tempo, se deixara cozer as pregações revolucionárias - a começar pelo bem-comportado Charles, barão de Montesquieu (1689-1755) que escrevera sobre os três poderes. E no evento que se tornaria a epítome de todos os movimentos revolucionários, os acontecimentos se precipitariam, levando de roldão os bem-ordenados planos dos cortesãos.

                 Da pequena nobreza provinciana, viriam muitos, e entre os quais Maximilien de Robespierre (1758-1794), que se vestia à antiga, mas pensava à moderna, e enorme pluralidade de valores, grandes e pequenos, que o monstro revolucionário devoraria, deixando, ao cabo, não os melhores, mas os sobreviventes,  com o escudo da esperteza medíocre para protegê-los.

                 Os tempos revolucionários são como as tempestades que se abatem sobre as cidades. A força dos elementos leva tudo de roldão (realistas, girondinos, jacobinos, terroristas) para por fim acabar em 9 de thermidor do ano II - 27 de julho de 1794 (queda de Robespierre), com a criação do Diretório, e por fim, do bonapartismo do dezoito brumário (nove de novembro de 1799). O filho da Revolução acaba com ela, trazendo o Consulado e, em seguida, o Império.

                 Se a grande revolução varreria com os Bourbon (o seu retorno, com Luis XVIII e Carlos X seria efêmero, terminando em julho de 1830, com Luís Filipe de Orléans (que cairia em fevereiro de 1848).

                 Para que se tenha ideia da precariedade  do Ancien Régime (Antigo Regime), a coleta dos impostos não era feita através de uma eficiente Repartição da Receita (embora a nossa própria Receita Federal com o Simples (?) das domésticas nos mostra a relatividade da implantação dessas reformas). Com efeito, a coleta dos tributos, era realizada através dos Fermiers Généraux (os fazendários gerais) que era uma espécie de terceirização da coleta fazendária. Ela ficava a cargo de organizações não-estatais a que a Realeza conferia o direito de arrecadar os impostos (e de repassá-los para o Ancien Régime, com todas falhas tanto voluntárias, quanto involuntárias desse sistema de passar a terceiros o encargo de cobrar os tributos).

                Como se verifica, mesmo para as áreas periféricas da civilização mundial - e tendo presente o atraso relativo do regime português, e a consequente defasagem das colônias, ainda com retardo maior - os grandes movimentos tectônicos da política acabam se manifestando em rincões que as potestades da época terão envidado grandes esforços para mantê-las à parte.

                A História, no entanto, pode às vezes andar aos repelões, dadas as grandes diferenças entre o centro dos acontecimentos e a periferia. Sem embargo, por maiores que sejam os esforços dos países mais atrasados em retardar o avanço da história, todas essas tentativas acabam sendo em vão, para maior gáudio das colônias da época, como o era o Brasil, quando o regente dom João de Bragança fugiu de Napoleão em 1808, para homiziar a si e a própria Corte na então Colônia do Brasil.

 

( Fontes: Enciclopédia Delta-Larousse; J.-J. Rousseau Obras Completas Pléiade III, 1964; Correspondance Générale J.J Rousseau, Paris, 1929; Nouveau Petit Larousse 1952; e Nouveau Larousse Encyclopédique 2001 )           

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