sábado, 29 de fevereiro de 2020

A Caminhada (III)


                            
          Meu conhecimento com esse grande brasileiro, que não poucos consideram como nosso maior presidente dentro de todo o ciclo republicano, se estenderia por cenários que hão de surpreender a muitos, pelas circunstâncias e a evolução do relato.

            Terminado o curso do Rio Branco, as minhas atividades de Terceiro Secretário me tornaram um espectador necessariamente longínquo das questões políticas. Adentrávamos a campanha presidencial relativa à sucessão do exitoso governo JK, e mal sabíamos das dificuldades e das amargas surpresas que o caprichoso porvir   reservaria aos brasileiros. 

              No meu primeiro estágio na Secretaria de Estado, trabalhei em divisão geográfica, que cuidava de quase a metade do mundo em termos políticos e econômicos. Dali, os caprichos da sorte me conduziram à posição de auxiliar do Chefe de Departamento de Administração, o que me levou a conhecer boa parte dos membros da carreira, dada a circunstância que a maioria passava pelo prestigioso gabinete do chefe do DA. De lá, depois de rápido trânsito pela divisão de Turismo, no Ministério da Indústria e do Comércio, então chefiado por Ulysses Guimarães, fui designado, de volta ao Itamaraty, para a DPC (Divisão de Política Comercial). Como era período em que as chefias mudavam bastante, assumi interinamente a direção da DPC, e fui promovido a Segundo Secretário.        
           Pensei então que, sendo primeiro de turma e já havendo completado o necessário tempo de estágio na Secretaria de Estado, em duas divisões, e num departamento importante, poderia colocar minha candidatura para a embaixada em Paris.A princípio, não entendi a dificuldade - que logo senti ao contactar os canais competentes, pois sobravam vagas na chancelaria da avenue Montaigne

               Decerto, a falta de experiência é um dos principais defeitos do jovem secretário, por mais que procure valer-se da oportunidade, não só respaldado por exitosa folha de estudos - a propósito, podia mostrar as colocações tanto no vestibular, quanto no Instituto Rio Branco, e por isso  não conseguia entender o porquê da dificuldade que encontrava o poderoso D.A.(*) de encaminhar a minha transferência, ainda mais por sobrarem vagas.Se tivesse, então, mais tempo de carreira, teria entendido com mais presteza o obstáculo, e ajudado a chefia competente a criar soluções viáveis para abrir-me lugar na missão em Lutetia. Foi o que, sem embargo acabei fazendo,  quando me dei conta de que para certos postos as exigências são maiores, para que a autoridade tome as cabíveis providên-cias quando acionada por alguém com categoria bastante para assim proceder. Dessarte, uma vez criadas condições apropriadas, os canais competentes não mais terão objeções ao modus  faciendi.
             
               Naquele tempo, os diplomatas muita vez, quando possível, costumavam rumar de navio para o seu primeiro posto. A viagem para a Europa eu a fiz de navio - o Giulio Cesare - e à minha despedida compareceram muitos colegas. Com minha mãe - que preferiu viajar mais tarde e de avião - também veio ao cais minha querida avó Cidalizia, a quem vi então por última vez.  Das grades do convés, não a perdi de vista, à medida que o transatlântico com  portentosa lentidão, se afasta do cais, e a sua inconfundível figura se foi apequenando, lenta mas inexoravelmente,  na distância. Assim, como evitar a imagem pressaga de que não mais a veria, à medida que o vulto encurvado e vestido de negro se vai, pouco a pouco, transformando em uma quase lembrança?      

(*) Departamento de Administração.

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