Uma decisão do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) de pular uma
etapa no recálculo do Enem para apressar a resposta aos erros em notas no exame
de 2019 abre dúvidas sobre os resultados da prova, afirmam funcionários do instituto
e do Mec.
O Inep reavaliou o desempenho dos
participantes no exame após os erros virem à tona. Mas, uma vez que obteve os novos índices de acertos, não recalculou
os parâmetros usados para atribuir peso
às diferentes perguntas do teste.
Como esse cálculo exigiria mais
tempo para ser concluído, o governo Bolsonaro abriu mão dele para dar uma resposta rápida aos erros e manter o
cronograma do Sisu (Sistema de Seleção Unificada).
Sem esse procedimento, uma espécie
de recalibragem do exame, não é possível ter 100% de confiança nos resultados
publicados, afirmam funcionários que falaram sob condição de anonimato.
Na avaliação de técnicos da
pasta, o recálculo dos parâmetros poderia reduzir o erro padrão do exame e indicar variações nas notas
- que provavelmente seriam pequenas, mas suficientes para alterar, v.g., a
lista de aprovados em cursos concorridos.
A cúpula do instituto,
entretanto, evita o retrabalho na base de dados com re- ceio de novos
questionamentos da nota. O entendimento é que isso só será feito caso haja
determinação da Justiça, segundo relatos obtidos pela Folha.
Após comemorar o que seria o
melhor Enem de todos os tempos, o ministro da Educação, Abraham Weintraub,
confirmou que milhares de notas tinham sido divulgadas com erros.
Candidatos que haviam
feito a prova de uma cor tiveram suas provas corrigidas como se tivessem feito
outra - segundo o Inep, 5.974 foram afetados com o problema e seus resultados
alterados.
A divulgação dos
resultados do Sisu chegou a ser barrada na Justiça, mas o Governo conseguiu
reverter a decisão no STJ (Superior Tribunal de Justiça) na 3ª feira (28).
O Enem adota um conjunto
de modelos matemáticos chamado TRI (Teoria da Resposta ao Item). Para atender
ao modelo, os ítens da prova passam por pré- testes (a partir das respostas de
um público similar ao que faz a prova, são estabelecidos parâmetros das
questões, como os níveis de dificuldade).
Ocorre que nem todas
as perguntas que caíram no Enem 2019 foram pré-testadas. Nota técnica do Inep,
mencionada no recurso da AGU (Advocacia Geral da União) levado ao STJ, indica
que houve calibragem de ítens na própria prova.
A adoção de
ítens não pré-testados já ocorreu em anos anteriores por causa da escassez de
questões disponíveis, segundo servidores, mas essa informação nunca fora confirmada
oficialmente.
Para lidar com
ítens não pré-testados, o Inep precisa realizar a calibragem a partir do
desempenho real na prova. O órgão, então, seleciona uma amostra aleatória de
participantes e, a partir dessas respostas, regula os parâmetros desses ítens.
A amostra
usada no Enem 2019 foi de cem mil
participantes e, somente depois disso, os parâmetros gerais da prova foram
estipulados, e as notas dos alunos, calculadas. Além de ter ítens novos na
prova, os resultados de parte dos 5.974 participantes que estavam com as notas
erradas por troca de gabarito fizeram parte dessa amostra.
Foram 83
casos na prova de ciências da natureza e 105 na de matemática, segundo a
própria nota técnica do Inep. Dessa forma, a calibração ocorrida na prova de
ítens não pré-testados contou com respostas erradas e isso causou preocupação em
integrantes do Inep e do MEC.
As notas
do Enem dependem não só do número de questões certas, mas também de quais foram
assinaladas corretamente. A TRI identifica como um possível chute, por exemplo,
o candidato que erra duas questões fáceis e acerta uma difícil - e isso tem
impacto na sua pontuação.
A Folha
questionou o Inep sobre o assunto, mas não obteve resposta.
Na nota técnica usada
pela AGU, o órgão defende que "a proposta de selecionar nova amostra, recalibrar os ítens e
recalcular as proficiências (parâmetros), se apresentaria como medida
inócua".
O
Inep menciona um estudo acadêmico que trata do tema e, com base neste estudo,
argumenta que "a proporção de indivíduos com inconsistências encontradas
na amostra não produziu efeitos significativos na estimação dos parâmetros dos ítens frente ao tamanho
da amostra".
Ocimar Alavarse, professor da USP e especialista em avaliação
educacional,diz que só é possível ter a real dimensão do problema se houver
total transparência por parte do Inep e das escolhas feitas.
"A melhor saída seria recalcular e fazer uma auditoria detalhada
nas notas", diz. "O argumento de que o problema foi pequeno não se
justifica porque, quando se trata de um vestibular, a nota tem que corresponder
exatamente."
O professor Dalton Francisco de
Andrade, do Departamento de Informática e Estatística da UFSC, por sua vez,
afirma que o processo de calibragem está adequado pelas informações oferecidas
pelo Inep.
"Se esses participantes (que depois
tiveram notas alteradas) não tivessem entrado na amostra,teriam incluído uma
pessoa com o mesmo número de acertos", diz. "Esse processo não é afetado pelo fato
de as (cerca de) 200 pessoas terem o gabarito lido errado.."
Não há
informações de quantos ítens novos (sem pré- teste) figuraram nas provas do Enem 2019. De acordo com um
servidor do Inep, seriam ao menos 15 das 45 questões de cada prova.
Para chegar ao número de afetados, o Inep inicialmente identificou
quatro casos com erros e fez cruzamentos em uma amostra de participantes que
tinham divergências de notas parecidas com estes- casos com grandes diferenças
entre os resultados das provas do primeiro e segundo dia.
O Instituto então cruzou os gabaritos corretos e também as outras opções
de cor para encontrar inconsistências. Após esse processo é que se chegou ao
número final de 5.974 casos.
O governo recebeu 172 mil reclamações de notas, Participaram do Enem
2019 cerca de 3,9 milhões de estudantes.
(
Fonte: Folha de S. Paulo )
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