sábado, 8 de fevereiro de 2020

A controversa delação de Cabral à PF


                 
     A oposição desde cedo demonstrada pela PGR às "confissões" do ex-governador Sergio Cabral à Polícia Federal não foi bastante para impedir que o acordo de delação premiada firmado pelo ex-governador e a Polícia Federal fosse homologado pelo Ministro Edson Fachin, do Supremo.
       Desde muito, a Procuradoria Geral da República, hoje chefiada pelo Procurador Augusto Aras, se opõe à negociação entre a Polícia Federal e o ex-Governador de um acordo de delação premiada. Os pressupostos dessa oposição estão no conhecimento e habilidade negocial do ex-governador no que tange à menor experiência quanto às questões da corrupção a cargo do ex-governador, e a consequente possibilidade de que a PF não dispusesse do conhecimento das intricâncias e particulares dessa corrupção, o que tenderia a facilitar de parte do ex-governador a obtenção de melhores condições na negociação, com o consequente prejuízo das finanças do Estado, e a consequente probabilidade de que o ex-governador se valesse de suas vantagens em termos de conhecimento e de vivência do quadro prevalente, para estabelecer uma base de negociação que seria prejudicial ao interesse do Estado em recuperar os seus ativos perdidos, além de proporcionar ao ex-governador Sérgio Cabral vantagens substanciais, como se depreende da declaração do Procurador Eduardo El Hage à Folha em novembro último: "Somos contrários a uma colaboração premiada do ex-governador Sérgio Cabral. Ele é o líder  de uma organização criminosa muito poderosa. É um dos responsáveis pela falência do Estado. Nós conseguimos por meios independentes chegar a muito do que ele poderia nos ajudar numa colaboração. Não seria uma resposta que o Ministério Público Federal gostaria de dar à sociedade."
          O PGR Augusto Aras vai recorrer  da decisão de Fachin no Supremo para buscar reverter a validação do acordo.
           Preso há três anos, o ex-governador acumula treze condenações cujas penas somadas alcançam 282 anos de prisão.  Ele responde no total a trinta e uma ações penais sob acusação de corrupção, além de outras duas por outros crimes.
            Assinale-se que o acordo com a Polícia Federal não prevê uma pena mínima - diferentemente de o que é feito com o M.P.F.  Com o selo de colaborador da Justiça, o objetivo da Defesa agora é de tentar sua liberdade.
             Há contra o ex-governador quatro ordens de prisão,que terão de ser revertidas uma a uma: duas da Justiça Federal do Rio de Janeiro, uma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e uma do Tribunal de Justiça do Rio.
              A expectativa da defesa de Cabral - e temor dos procuradores fluminenses - é que, ao se tornar colaborador, não há mais razão para mantê-lo preso preventivamente por risco de interferência na investigação ou de permanecer cometendo crimes.
                Os vinte anexos que integram a colaboração  inicial se referem a pessoas com foro especial.  A Polícia Federal, contudo, pretende colher informações com o ex-gover-nador sobre outros temas que, pelas conversas iniciais, podem chegar a cem ítens.
                 Entre eles, está a investigação sobre o repasse de verbas da OI para empresa de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.
                 A Polícia suspeita que uma das vias usadas para a transferência foi um contrato com o governo do Rio na gestão Cabral (2007-2014).
                  Cabral passou a confessar no início de 2019 os crimes  que lhe são atribuí-dos: corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O objetivo inicial era reduzir as penas, mas também sinalizar o poder das informações que dizia ter.
                   No primeiro semestre, ele assumiu ser o dono de cerca de US$ 100 milhões (R$ 407 milhões) devolvidos em 2017 por dois doleiros que se tornaram delatores. Também abriu mão, junto com a mulher, Adriana Ancelmo, de bens como apartamentos, carros, lanchas e dinheiro em contas já apreendidos.
                    No acordo com a Polícia Federal, Cabral ratifica a entrega desses bens, já em poder da Justiça. Não há previsão de devolução de recursos, embora haja sinalização sobre a entrega de novos bens ainda não avaliados.
                     A defesa do ex-governador não quis se manifestar sobre a decisão de Fachin.  A homologação da delação é mais um capítulo nas mudanças da estratégia da defesa do ex-governador desde que ele foi preso, em novembro de 2016. De réu indignado, ele se tornou, agora, um colaborador da Justiça.
                       Em seus dois primeiros interrogatórios, Cabral não respondeu aos questionamentos dos juízes Sérgio Moro, Marcelo Bretas e procuradores - apenas de sua defesa.
                        Ali, já apresentava a tese de que não cobrou propina durante sua gestão (2007-2014), mas se apropriou de sobras da caixa dois de campanha.     
                         Após sofrer a primeira condenação, de Moro, a catorze anos e dois meses de prisão,o ex-governador adotou tom mais incisivo. Classificou as denúncias  de que cobrava 5% sobre grandes contratos de "maluquice".
                          Mencionou até a personagem Odete Roitman, da novela "Vale Tudo", exibida nos anos 1980, ao responder sobre o motivo de tantos delatores o apontarem como destino do suborno."Eu não matei Odete Roitman. Que há uma possibilidade de as pessoas colocarem na minha conta má conduta que não foi cometida por mim, eu não tenho dúvida", disse a Bretas, em 2017.
                             Nesse período, Cabral afirmou estar sendo injustiçado e discutiu com o procurador Eduardo El Hage, chefe da força tarefa fluminense, e com Bretas. O bate-boca culminou com sua transferência para Curitiba, onde foi algemado nas mãos e com grilhões nos pés.
                                 No  fim de 2017, depois que o STF homologou a delação do seu "gerente" de propina, o economista Carlos Miranda, Cabral baixou o tom em seus depoimentos. Manteve a linha de defesa, mas fez depoimentos mais emocionados na tentativa de conquistar a confiança de Bretas.
                                   "Eu não soube me conter diante de tanto poder e tanta força política", declarou em junho de 2018.  No fim daquele ano, já se aproximava de duzentos anos de pena, sem qualquer perspectiva de sair da prisão.
                                      A estratégia do advogado Márcio Delambert foi confessar os crimes mesmo sem acordo. O objetivo era tanto obter redução de pena como criar ambiente favorável a uma eventual colaboração.
                                        No início de 2019, Cabral mencionou supostos crimes que cometera em favor de outros políticos, como o ex-prefeito Eduardo Paes, o ex-presidente Lula e o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) - todos negam.
                                         Também mencionou "tratos" com ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União, sem nomeá-los.
                                          Os interrogatórios se tornaram mais objetivos, atendo-se aos temas dos processos. Mas Cabral sempre disse que daria mais informações "em outras circunstâncias".
                                           Foi o que ocorreu em depoimento na segunda-feira (3), quando disse conhecer o responsável por guardar a propina supostamente entregue ao ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), seu sucessor.

Fonte: reportagem de Italo Nogueira, transcrita  da Folha de 7 de fevereiro de 2020.  Dada a qualidade da matéria, optei por transcrevê-la na íntegra, omitindo, no entanto, a coluna "As várias fases de Sérgio Cabral", que está  na última pagina da matéria sobre Cabral.

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