A oposição desde cedo
demonstrada pela PGR às "confissões" do ex-governador Sergio Cabral à
Polícia Federal não foi bastante para impedir que o acordo de delação premiada
firmado pelo ex-governador e a Polícia Federal fosse homologado pelo Ministro
Edson Fachin, do Supremo.
Desde
muito, a Procuradoria Geral da República, hoje chefiada pelo Procurador Augusto
Aras, se opõe à negociação entre a Polícia Federal e o ex-Governador de um
acordo de delação premiada. Os pressupostos dessa oposição estão no
conhecimento e habilidade negocial do ex-governador no que tange à menor
experiência quanto às questões da corrupção a cargo do ex-governador, e a
consequente possibilidade de que a PF não dispusesse do conhecimento das
intricâncias e particulares dessa corrupção, o que tenderia a facilitar de
parte do ex-governador a obtenção de melhores condições na negociação, com o
consequente prejuízo das finanças do Estado, e a consequente probabilidade de
que o ex-governador se valesse de suas vantagens em termos de conhecimento e de
vivência do quadro prevalente, para estabelecer uma base de negociação que
seria prejudicial ao interesse do Estado em recuperar os seus ativos perdidos,
além de proporcionar ao ex-governador Sérgio Cabral vantagens substanciais,
como se depreende da declaração do Procurador Eduardo El Hage à Folha em novembro último: "Somos contrários
a uma colaboração premiada do ex-governador Sérgio Cabral. Ele é o líder de uma organização criminosa muito poderosa.
É um dos responsáveis pela falência do Estado. Nós conseguimos por meios
independentes chegar a muito do que ele poderia nos ajudar numa colaboração.
Não seria uma resposta que o Ministério Público Federal gostaria de dar à
sociedade."
O PGR
Augusto Aras vai recorrer da decisão de
Fachin no Supremo para buscar reverter a validação do acordo.
Preso
há três anos, o ex-governador acumula treze condenações cujas penas somadas
alcançam 282 anos de prisão. Ele
responde no total a trinta e uma ações penais sob acusação de corrupção, além
de outras duas por outros crimes.
Assinale-se que o acordo com a
Polícia Federal não prevê uma pena mínima - diferentemente de o que é feito com
o M.P.F. Com o selo de colaborador da
Justiça, o objetivo da Defesa agora é de tentar sua liberdade.
Há
contra o ex-governador quatro ordens de prisão,que terão de ser revertidas uma
a uma: duas da Justiça Federal do Rio de Janeiro, uma do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, e uma do Tribunal de Justiça do Rio.
A
expectativa da defesa de Cabral - e temor dos procuradores fluminenses - é que,
ao se tornar colaborador, não há mais razão para mantê-lo preso preventivamente
por risco de interferência na investigação ou de permanecer cometendo crimes.
Os vinte anexos que integram a
colaboração inicial se referem a pessoas
com foro especial. A Polícia Federal,
contudo, pretende colher informações com o ex-gover-nador sobre outros temas
que, pelas conversas iniciais, podem chegar a cem ítens.
Entre eles, está a investigação sobre o repasse de verbas da OI para
empresa de Jonas Suassuna, sócio de Fábio Luís Lula da Silva, filho do
ex-presidente Lula.
A Polícia suspeita que uma das vias usadas para a transferência foi um
contrato com o governo do Rio na gestão Cabral (2007-2014).
Cabral passou a confessar no início de 2019 os crimes que lhe são atribuí-dos: corrupção, lavagem
de dinheiro e organização criminosa. O objetivo inicial era reduzir as penas,
mas também sinalizar o poder das informações que dizia ter.
No primeiro semestre, ele assumiu ser o dono de cerca de US$ 100 milhões
(R$ 407 milhões) devolvidos em 2017 por dois doleiros que se tornaram
delatores. Também abriu mão, junto com a mulher, Adriana Ancelmo, de bens como
apartamentos, carros, lanchas e dinheiro em contas já apreendidos.
No acordo com a Polícia Federal, Cabral ratifica a entrega desses bens,
já em poder da Justiça. Não há previsão de devolução de recursos, embora haja
sinalização sobre a entrega de novos bens ainda não avaliados.
A defesa do ex-governador não quis se manifestar sobre a decisão de
Fachin. A homologação da delação é mais
um capítulo nas mudanças da estratégia da defesa do ex-governador desde que ele
foi preso, em novembro de 2016. De réu indignado, ele se tornou, agora, um colaborador
da Justiça.
Em seus dois primeiros interrogatórios, Cabral não respondeu aos
questionamentos dos juízes Sérgio Moro, Marcelo Bretas e procuradores - apenas
de sua defesa.
Ali, já apresentava a tese de que não cobrou propina durante sua gestão
(2007-2014), mas se apropriou de sobras da caixa dois de campanha.
Após sofrer a primeira
condenação, de Moro, a catorze anos e dois meses de prisão,o ex-governador
adotou tom mais incisivo. Classificou as denúncias de que cobrava 5% sobre grandes contratos de "maluquice".
Mencionou até a
personagem Odete Roitman, da novela "Vale Tudo", exibida nos anos
1980, ao responder sobre o motivo de tantos delatores o apontarem como destino
do suborno."Eu não matei Odete Roitman. Que há uma possibilidade de as
pessoas colocarem na minha conta má conduta que não foi cometida por mim, eu
não tenho dúvida", disse a Bretas, em 2017.
Nesse período,
Cabral afirmou estar sendo injustiçado e discutiu com o procurador Eduardo El
Hage, chefe da força tarefa fluminense, e com Bretas. O bate-boca culminou com
sua transferência para Curitiba, onde foi algemado nas mãos e com grilhões nos
pés.
No fim de 2017, depois que o STF homologou a
delação do seu "gerente" de propina, o economista Carlos Miranda,
Cabral baixou o tom em seus depoimentos. Manteve a linha de defesa, mas fez
depoimentos mais emocionados na tentativa de conquistar a confiança de Bretas.
"Eu não
soube me conter diante de tanto poder e tanta força política", declarou em
junho de 2018. No fim daquele ano, já se
aproximava de duzentos anos de pena, sem qualquer perspectiva de sair da
prisão.
A
estratégia do advogado Márcio Delambert foi confessar os crimes mesmo sem
acordo. O objetivo era tanto obter redução de pena como criar ambiente
favorável a uma eventual colaboração.
No
início de 2019, Cabral mencionou supostos crimes que cometera em favor de
outros políticos, como o ex-prefeito Eduardo Paes, o ex-presidente Lula e o
prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) - todos negam.
Também
mencionou "tratos" com ministros do Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Contas da União, sem nomeá-los.
Os interrogatórios se tornaram mais
objetivos, atendo-se aos temas dos processos. Mas Cabral sempre disse que daria
mais informações "em outras circunstâncias".
Foi
o que ocorreu em depoimento na segunda-feira (3), quando disse conhecer o
responsável por guardar a propina supostamente entregue ao ex-governador Luiz
Fernando Pezão (MDB), seu sucessor.
Fonte: reportagem
de Italo Nogueira, transcrita da
Folha de 7 de fevereiro de 2020. Dada a
qualidade da matéria, optei por transcrevê-la na íntegra, omitindo, no entanto,
a coluna "As várias fases de Sérgio Cabral", que está na última pagina da matéria sobre Cabral.
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