A recepção que Narendra Modi lhe preparou - se lhe
terá dado algum frisson, adentrar estádio
de críquete, sport nacional indiano repleto com cerca 110 mil espectadores,
não é programa decerto corriqueiro, nem promete total segurança - não terá
decerto desagradado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. E hoje, 25 de fevereiro, se sela um acordo de venda
de mais de US$ 3 bilhões à União Indiana.
Na semana passada, a Índia fez um
pedido de US$ 2,6 bilhões para a Lockheed Martin Corp., encomenda que
inclui 24 helicópteros marítimos
multifuncionais MH-60R Seahawk. O State
Department aprovou também venda para
a Índia de mais de US 1 bilhão, em armas, incluindo radares e mísseis de defesa
aérea, rifles e outros equipamentos.
Desconheço a reação do adversário nuclear da Índia, o Paquistão, diante
dessa munificência em termos armamentistas da Superpotência, que assim semelha interferir
no delicado equilíbrio bélico-nuclear dessas duas potências nucleares rivais de
longa data nesse cenário.
A
magna recepção de ontem, batizada de "Namastê
Trump", foi a retribuição de Modi a um evento similar, organizado em
setembro último em Houston, intitulado
"Como vai, Modi?" Em seu discurso, o presidente americano reiterou promessa de
que os EUA fariam acordo comercial significativo com a Índia, sem dar, no
entanto, detalhes.
Autoridades dos dois países tentam estabelecer pelo menos um pacto
modesto, abrindo a India a produtos
agrícolas e equipamentos médicos americanos, em troca da restauração do status
preferencial de exportação, que Trump retirara do país em 2019. O regime
garantia aos indianos uma série de isenções. Os EUA estão descontentes com o
tradicional protecionismo indiano e consideram que as empresas americanas não
têm acesso suficiente ao mercado indiano.
As arquibancadas do estádio Sardar Patel, em Ahmadabad, oeste do país,
estavam repletas quando os dois líderes chegaram, precedidos pela canção
"Macho Man", do grupo americano Village
People. Castigado duramente pela canícula, metade do público deixara o
estádio antes do fim do discurso de Trump, que exaltara Modi por haver levado
eletricidade a todo o país e saneamento básico a 6 milhões de pessoas (ambas as
informações são imprecisas).
A multidão aplaudiu quando Trump fez referência desabonadora ao
Paquistão, que, como se sabe, é vizinho e inimigo da Índia. Nesse contexto, a multidão também aplaudiu quando
Trump fez referência desabonadora ao Paquistão, vizinho e arqui-inimigo da
União Indiana. Nesse sentido, o presidente disse que seu país trabalhava junto
aos paquistaneses para conter organizações terroristas e militantes que operam
próximos à fronteira. Trump quebrando
tradição vigente entre os mais graduados representantes do povo americano de
tentar não mostrar predileção por um dos países, não visitará o Paquistão.
Dentro do momento peculiar que vive a Índia, hoje sob a direção de Narendra Modi, um político que é um
quase antipoda de Mohandas Mahatma
Gandhi. Enquanto aquele se empenha em tornar a India um país hindu, o
grande político que trouxe a independência para o seu país, buscava proteger os direitos das minorias e
garantir que a Índia se tornasse um país secular.
Mas há uma contradição básica entre a demagogia de Modi, que explora o
legado de Gandhi - que buscara proteger os direitos das minorias e garantir que
a Índia se tornasse efetivamente um país secular - e ao mesmo tempo que promove o Partido Bharatiya Janata (PBJ), de que Modi é membro
e que governa o país, chegando ao extremo de tolerar membros que trabalham para
reabilitar a imagem do assassino de
Mohandas Gandhi, Nathuram Godse,
fanático hindu de direita que pertencia
a RSS, organização dedicada a tornar a Índia um país hindu. Foi da própria RSS que nasceu o Partido
Bharatya, do qual Narendra Modi faz parte e que atualmente governa a União
Indiana.
Muito se tem escrito sobre o novo líder indiano - inclusive a própria revista
Economist - mas há um limite para a habilidade política,
que é, em geral, ditado pela própria História. As tentativas de conviver com
movimentos e pulsões irreconciliáveis, que tendem a levar aqueles que pensam
ilaquear pela palavra o que as ações desvelam, são em geral empurrados pela
realidade seja (a) a mostrarem o que realmente professam, seja (b) serem carregados pelas próprias
nefárias ideias, com o que em geral determinam o próprio destino político.
(
Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist )
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