terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Trump estreita laços com Modi


                                            

       A recepção que Narendra Modi lhe preparou - se lhe terá dado algum frisson, adentrar estádio de críquete, sport nacional indiano repleto com cerca 110 mil espectadores, não é programa decerto corriqueiro, nem promete total segurança - não terá decerto desagradado ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. E hoje, 25 de fevereiro, se sela um acordo de venda de mais de US$ 3 bilhões à União Indiana.

          Na semana passada, a Índia fez um pedido  de US$ 2,6 bilhões para a Lockheed Martin Corp., encomenda que inclui 24 helicópteros  marítimos multifuncionais MH-60R Seahawk. O State Department aprovou também  venda para a Índia de mais de US 1 bilhão, em armas, incluindo radares e mísseis de defesa aérea, rifles e outros equipamentos.
           Desconheço a reação do adversário nuclear da Índia, o Paquistão, diante dessa munificência em termos armamentistas da Superpotência, que assim semelha interferir no delicado equilíbrio bélico-nuclear dessas duas potências nucleares rivais de longa data nesse cenário.

             A magna recepção de ontem, batizada de "Namastê Trump", foi a retribuição de Modi a um evento similar, organizado em setembro último  em Houston, intitulado "Como vai, Modi?"  Em seu discurso,  o presidente americano reiterou promessa de que os EUA fariam acordo comercial significativo com a Índia, sem dar, no entanto, detalhes.
               Autoridades dos dois países tentam estabelecer pelo menos um pacto modesto, abrindo a India a produtos  agrícolas e equipamentos médicos americanos, em troca da restauração do status  preferencial de exportação, que Trump retirara do país em 2019. O regime garantia aos indianos uma série de isenções. Os EUA estão descontentes com o tradicional protecionismo indiano e consideram que as empresas americanas não têm acesso suficiente ao mercado indiano.
  
                As arquibancadas do estádio Sardar Patel, em Ahmadabad, oeste do país, estavam repletas quando os dois líderes chegaram, precedidos pela canção "Macho Man", do grupo americano Village People. Castigado duramente pela canícula, metade do público deixara o estádio antes do fim do discurso de Trump, que exaltara Modi por haver levado eletricidade a todo o país e saneamento básico a 6 milhões de pessoas (ambas as informações são imprecisas).
                     A multidão aplaudiu quando Trump fez referência desabonadora ao Paquistão, que, como se sabe, é vizinho e inimigo da Índia.  Nesse contexto, a multidão também aplaudiu quando Trump fez referência desabonadora ao Paquistão, vizinho e arqui-inimigo da União Indiana. Nesse sentido, o presidente disse que seu país trabalhava junto aos paquistaneses para conter organizações terroristas e militantes que operam próximos à fronteira.  Trump quebrando tradição vigente entre os mais graduados representantes do povo americano de tentar não mostrar predileção por um dos países, não visitará o Paquistão.
                  Dentro do momento peculiar que vive a Índia, hoje sob a direção de Narendra Modi, um político que é um quase antipoda de Mohandas Mahatma Gandhi. Enquanto aquele se empenha em tornar a India um país hindu, o grande político que trouxe a independência para o seu país,   buscava proteger os direitos das minorias e garantir que a Índia se tornasse um país secular.

                   Mas há uma contradição básica entre a demagogia de Modi, que explora o legado de Gandhi - que buscara proteger os direitos das minorias e garantir que a Índia se tornasse efetivamente um país secular - e ao mesmo tempo  que promove o Partido  Bharatiya Janata (PBJ), de que Modi é membro e que governa o país, chegando ao extremo de tolerar membros que trabalham para reabilitar a imagem do assassino de  Mohandas Gandhi, Nathuram Godse, fanático hindu de direita que  pertencia a RSS, organização dedicada a tornar a Índia um país hindu.  Foi da própria RSS que nasceu o Partido Bharatya, do qual Narendra Modi faz parte e que atualmente governa a União Indiana.
                   Muito se tem escrito sobre o novo líder indiano - inclusive a própria revista Economist -  mas há um limite para a habilidade política, que é, em geral, ditado pela própria História. As tentativas de conviver com movimentos e pulsões irreconciliáveis, que tendem a levar aqueles que pensam ilaquear pela palavra o que as ações desvelam, são em geral empurrados pela realidade seja (a) a mostrarem o que realmente professam,  seja (b) serem carregados pelas próprias nefárias ideias, com o que em geral determinam o próprio destino político.

( Fontes: O Estado de S. Paulo, The Economist )

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