sábado, 1 de fevereiro de 2020

Novo Desafio para o Eurotúnel ?


                                
        Nem sempre cotejar gerações  implica em tarefa  relevante , ou pelo menos, motivante se se deseja ter ideia das possibilidades de crescimento de um  país. Não há dúvida que, com a surpresa da vitória do Brexit, a Inglaterra dá um passo para trás que é sujeito a dúplice interpretação. Na verdade, se aqui estivessem as gerações que levaram adiante, de parte britânica, o sonho da integração euro-peia, não subsistem dúvidas que aqueles pioneiros - que reuniam, na época, a nata da intelligentsia inglesa e que tanto lutaram contra o rochedo de Gaulle, na sua persistente negativa à adesão de Londres ao projeto da geral união europeia - de certo alimentada por velhos rancores ao generoso projeto europeu - teriam sentido desânimo e mesmo indignação contra a irresponsável atitude de um punhado de medíocres irredentistas,  que sonhavam com o retorno da Inglaterra rainha dos mares e senhora do mundo, consoante o panorama visto da ponte em princípios do século XX.
            Depois do fracasso da Associação de Livre Comércio, que seria uma espécie de resposta   da Inglaterra ao desafio de uma Europa unida em termos econômicos e comerciais, o passar dos meses e dos anos terá convencido a elite inglesa a reentrar nos caminhos da União Europeia, o que culminou com o êxito do ingresso de Londres na organização de Bruxelas.

            Há, no entanto,  um aspecto que acabaria por resultar na vitória do atraso, como o foi o plebiscito de 2016, realizado no pior período - ausência dos estudantes, que sem-pre representaram os maiores apoiadores para a permanência na UE, pela sua visão progressista (e não saudosista, como grande parte do núcleo dos apoiadores do regresso), dada a escolha do verão, época das viagens dos estudantes, grupo de grandes apoia-dores da UE, o que induziria a um baixo afluxo de votantes, com claro favorecimento à turma da nostalgia e do atraso. 

               A convocação de referendos refletia um perigoso sentido de que a opção do atraso e da volta ao passado representava apenas uma "compreensível" medida para contentar os saudosistas do tempo da Inglaterra, potência mundial e absoluta rainha dos mares, imagem que a Primeira Guerra Mundial viu apagar-se na guerra das trincheiras e no consequente enfraquecimento da antiga Potência dos tempos de Disraeli e da Rainha Vitória, quando a Inglaterra era a primus inter pares da Comunidade das Nações.  Na verdade, a convocação de referendos - e Tony Blair foi um deles nesse exercício, feito quase como se fora algo inconsequente, enquanto aceno aos nostálgicos ingleses da posição britânica no século XIX, e princípios do XX, até que a geral estupidez dos líderes europeus em princípios do século XX produzisse a carnificina da Primeira Guerra Mundial, com as brutais perdas econômicas e humanas produzidas pela primeira catástrofe.

        Inglaterra rainha dos mares, e hiper-potência no século XIX, é a ilusão que a guerra das trincheiras cuidaria de brutalmente mandar para os restantes grupelhos saudosistas ingleses. Os políticos ingleses, como o próprio infeliz último executor dessa estúpida prova, David Cameron, mostrariam lamentável miopia, que os afastava de qualquer cotejo com as gerações intermédias - a falsa saída pelo livre comercio, o veto de De Gaulle, e  a posterior reafirmação, depois da morte do velho general, da escolha pela unidade europeia. Como todo grande projeto, o ingresso do Reino Unido na UE nunca foi um capricho, como a geração dos tempos em que o ingresso na UE era ainda objeto de dúvidas, mas por uma circunstância infeliz tal escolha, uma vez tomada, não deveria ficar sujeita à estranha e ritual prova de submeter esta verdadeira opção ao perigoso ritual de submetê-la a repetidos referenda.   Infelizmente, tal opção sempre mostraria uma esquisita debilidade. eis que, por mais de uma vez, os líderes do gabinete inglês atenderia a estultos apelos de inconformados adeptos de bon vieux temps .  Os referendos eram montados como se seria impensável a opção da vitória do Não à continuação da aventura da União Europeia.  O próprio David Cameron terá pensado que vol-tar à beira do abismo era apenas uma formalidade, um aceno cortês aos saudosistas da Inglaterra, rainha dos mares e etc. Feito o passo, o pós-Brexit envergonharia toda a geração que soubera esperar que por fim passasse a borrasca do general  de Gaulle, e que afinal a escolha europeia de Londres se confirmasse.

             De qualquer forma, o retrocesso inglês afetará não sei quantas gerações. Boris Johnson é uma indicação premonitória de que o pior já está no poder. Se aquela maneira envergonhada de lidar com o falso problema colocado pela minoria saudosista de um mundo ultrapassado  - como foi o quadro da vitória ajudada pelo absenteismo do enésimo referendo para reexumar a falsa opção passadista - como convocado na medíocre visão de Cameron (aceitar duelos à beira do abismo já constitui, na prática, um inútil  pré-suicídio). Diga-se, apenas, que não é - nem nunca será - exemplo de fair play pôr em perigo a construção de uma geração clarividente, que teve a força e  determinação  indispensáveis para colocar a tralha saudosista no porão, e aceitar o desafio da união europeia.

               Que me perdoem os leitores, se volto ao tema. Mas os acertos, uma vez confirmados pela posteridade, olham com aquela velha segurança, que a realidade lhes trouxe. E que dizer das voltas ao passado, do regresso a alternativas que grandes políticos souberam criar?  Pois caro leitor, Boris Johnson hoje representa o regresso do passado.  Preparem-se, portanto, para i tempi bui, em que as meias ou falsas escolhas, com a sua arrogância habitual, tentam fazer crer como capazes de vencer o desafio do futuro, no caso tanto o mediato quanto o imediato.

                  Desses toynbeeanos desafios, uma das primeiras  provas, está na continuada operação a contento do Eurotúnel.  Como se implementará o futuro, se a preferência é dada às soluções do passado ?

( Fonte: O Estado de S. Paulo )

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