Nem
sempre cotejar gerações implica em
tarefa relevante , ou pelo menos,
motivante se se deseja ter ideia das possibilidades de crescimento de um país. Não há dúvida que, com a surpresa da
vitória do Brexit, a Inglaterra dá um
passo para trás que é sujeito a dúplice interpretação. Na verdade, se aqui
estivessem as gerações que levaram adiante, de parte britânica, o sonho da
integração euro-peia, não subsistem dúvidas que aqueles pioneiros - que reuniam,
na época, a nata da intelligentsia
inglesa e que tanto lutaram contra o rochedo
de Gaulle, na sua persistente negativa à adesão de Londres ao projeto da
geral união europeia - de certo alimentada por velhos rancores ao generoso projeto
europeu - teriam sentido desânimo e mesmo indignação contra a irresponsável
atitude de um punhado de medíocres irredentistas, que sonhavam com o retorno da Inglaterra
rainha dos mares e senhora do mundo, consoante o panorama visto da ponte em
princípios do século XX.
Depois do fracasso da Associação de Livre Comércio, que seria uma
espécie de resposta da
Inglaterra ao desafio de uma Europa unida em termos econômicos e comerciais, o
passar dos meses e dos anos terá convencido a elite inglesa a reentrar nos
caminhos da União Europeia, o que culminou com o êxito do ingresso de Londres
na organização de Bruxelas.
Há, no entanto, um aspecto que
acabaria por resultar na vitória do atraso, como o foi o plebiscito de 2016,
realizado no pior período - ausência dos estudantes, que sem-pre representaram os
maiores apoiadores para a permanência na UE, pela sua visão progressista (e não saudosista, como grande parte do
núcleo dos apoiadores do regresso), dada a escolha do verão, época das viagens
dos estudantes, grupo de grandes apoia-dores da UE, o que induziria a um baixo
afluxo de votantes, com claro favorecimento à turma da nostalgia e do
atraso.
A convocação de referendos refletia um perigoso sentido de que a opção
do atraso e da volta ao passado representava apenas uma
"compreensível" medida para contentar os saudosistas do tempo da
Inglaterra, potência mundial e absoluta rainha dos mares, imagem que a Primeira
Guerra Mundial viu apagar-se na guerra das trincheiras e no consequente
enfraquecimento da antiga Potência dos tempos de Disraeli e da Rainha Vitória,
quando a Inglaterra era a primus inter
pares da Comunidade das Nações. Na
verdade, a convocação de referendos - e Tony Blair foi um deles nesse
exercício, feito quase como se fora algo inconsequente, enquanto aceno aos
nostálgicos ingleses da posição britânica no século XIX, e princípios do XX,
até que a geral estupidez dos líderes europeus em princípios do século XX
produzisse a carnificina da Primeira Guerra Mundial, com as brutais perdas
econômicas e humanas produzidas pela primeira catástrofe.
Inglaterra rainha dos mares, e hiper-potência
no século XIX, é a ilusão que a guerra das trincheiras cuidaria de brutalmente
mandar para os restantes grupelhos saudosistas ingleses. Os políticos ingleses,
como o próprio infeliz último executor dessa estúpida prova, David Cameron,
mostrariam lamentável miopia, que os afastava de qualquer cotejo com as
gerações intermédias - a falsa saída pelo livre comercio, o veto de De Gaulle,
e a posterior reafirmação, depois da
morte do velho general, da escolha pela unidade europeia. Como todo grande
projeto, o ingresso do Reino Unido na UE nunca foi um capricho, como a geração
dos tempos em que o ingresso na UE era ainda objeto de dúvidas, mas por uma
circunstância infeliz tal escolha, uma vez tomada, não deveria ficar sujeita à
estranha e ritual prova de submeter esta verdadeira opção ao perigoso ritual de
submetê-la a repetidos referenda. Infelizmente, tal opção sempre mostraria uma
esquisita debilidade. eis que, por mais de uma vez, os líderes do gabinete
inglês atenderia a estultos apelos de inconformados adeptos de bon vieux temps . Os referendos eram montados como se seria
impensável a opção da vitória do Não à continuação da aventura da União Europeia. O próprio David Cameron terá pensado que
vol-tar à beira do abismo era apenas uma formalidade, um aceno cortês aos saudosistas
da Inglaterra, rainha dos mares e etc. Feito o passo, o pós-Brexit envergonharia toda a geração que soubera esperar que por
fim passasse a borrasca do general de Gaulle,
e que afinal a escolha europeia de Londres se confirmasse.
De qualquer forma, o retrocesso inglês
afetará não sei quantas gerações. Boris Johnson é uma indicação
premonitória de que o pior já está no poder. Se aquela maneira envergonhada de
lidar com o falso problema colocado pela minoria saudosista de um mundo
ultrapassado - como foi o quadro da
vitória ajudada pelo absenteismo do enésimo referendo para reexumar a falsa
opção passadista - como convocado na medíocre visão de Cameron (aceitar duelos
à beira do abismo já constitui, na prática, um inútil pré-suicídio). Diga-se, apenas, que não é -
nem nunca será - exemplo de fair play
pôr em perigo a construção de uma geração clarividente, que teve a força e determinação indispensáveis para colocar
a tralha saudosista no porão, e aceitar o desafio da união europeia.
Que me perdoem os leitores, se volto ao tema. Mas os acertos, uma vez
confirmados pela posteridade, olham com aquela velha segurança, que a realidade
lhes trouxe. E que dizer das voltas ao passado, do regresso a alternativas que
grandes políticos souberam criar? Pois
caro leitor, Boris Johnson hoje representa o regresso do passado. Preparem-se, portanto, para i tempi bui, em que as meias ou falsas escolhas,
com a sua arrogância habitual, tentam fazer crer como capazes de vencer o
desafio do futuro, no caso tanto o mediato quanto o imediato.
Desses toynbeeanos desafios, uma
das primeiras provas, está na continuada
operação a contento do Eurotúnel. Como
se implementará o futuro, se a preferência é dada às soluções do passado ?
( Fonte: O Estado de S. Paulo )
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