sábado, 7 de dezembro de 2019

O problema do Brexit


                                     

        O artigo principal de hoje publicado pelo New York Times, de autoria de Patrick Kingsley, sob o título "Uma Ilha fragmentada - uma jornada através do Brexit", me pareceu sob muitos aspectos um eye-opener, em especial para o autor dessas linhas, que se tem ocupado desse estranho fenômeno que constitui o chamado Brexit - Britain's exit.  

          Tudo leva a indicar - ainda que as resistências sejam grandes - que o fenômeno do Brexit, apresentado em linguagem teatral, que busca vestir tal evento britânico com grandeza a que a atual realidade não mais se lhe afigura consentânea,se aprofundarmos as vistas além dos preconceitos e do nacionalismo nostálgico de velhas gerações que in-fundem essa taumatúrgica aparência de revival que não vai ocorrer e até mesmo da reasserção de poder que nada tem a ver com as realidades do século XXI.

               Já escrevi o bastante sobre o melancólico evento do resultado do referendo de junho de 2016, que o então Primeiro Ministro David Cameron aceitara outra vez encenar instigado por forças que ele, na sua pose ereta - a que me permito aludir, ao recordar-me de suas apressadas travessias pelos largos salões em Bruxelas da Autoridade Comunitária. Via de longe, pelos préstimos da tevê, em terra que nada tinha a ver com as discussões que Cameron ouvia,  cujas imensas ambiências Sua Excelência cruzava em passos rápidos, elevadas fronte e cabeça, dando a impressão que a língua italiana tâo bem reflete  na expressão  essere a disàgio - terá acreditado possível utilizar - não desti-nando ao cesto de papéis aquele fatídico pleito.
               Tenho mencionado bastante, mas a meu modesto ver, não demasiado o impulso irrefletido - que existira talvez em Tony Blair, que também convocara referendo sobre a mesma questão, mas com a diferença que todos conhecem nas prodigalidades da Deusa Fortuna.

                 A História - tanto a dos grandes, quanto a dos menores eventos - se não é amiúde o resultado de passos irrefletidos e de escassa visão, representará sempre uma tapeçaria de acertos e de erros, em que a Fortuna estará sempre presente. Os chefes de governo por vezes esquecem, como foi o caso infeliz de Cameron, que esse tipo de pedido político faz parte daquelas instâncias que não devem ser julgadas como algo que pode conseguir-lhe alguns votos no Parlamento. Dar sua concordância a tal tipo de re-querimento equivale a amarrar-se a um projeto aleatório, cuja eventual aprovação pode acarretar a própria destituição da liderança do Governo e de tudo o mais que a sua eventual rejeição venha a trazer.

                      Não foram poucos os erros desse referendo de 2016, e não estou decerto me referindo ao seu desastroso resultado.  O Brexit já tem a sua mártir, a brava Jo Cox, deputada do Labour,  abatida por um desses vultos que sequer entendem o que estão fazendo. Escolheu-se, outrossim,  uma data imersa no verão inglês, tempo de viagens para os estudantes, o que contribuiu a dar uma certa inchação aparente ao resultado em favor da saída da União Europeia. Não se deveria confundir veraneio com referendo.  Por inépcia, incharam os batalhões dos velhos e dos aposentados, que sóem apegar-se a glórias pretéritas, e fecharam a porta para milhões de jovens, que pensaram viajar e melhor preparar seus cursos de estudo, em visitas a centros europeus em que poderiam residir no seu futuro, para sorver em fontes, seja longínquas, seja próximas no Velho Continente, lições tão oportunas, quanto eternas, como é, para honra dos Povos e da Cultura, o carrossel das humanas existências, com suas esperanças de realização e de progresso .

                       O artigo de Kingsley abre mais de que uma fresta sobre o que a imprudência de um ulterior referendo - que os sucessores daqueles que uma vez desaparecido de cena o veto e o vulto do general de Gaulle haviam dito sim ao futuro europeu da velha Grã-Bretanha, agora sob novas vestes e desafios - e que por estranhos caprichos preferiram olhar para o passado, acreditando quem sabe que as suas ilusões possam ser revividas como se a crônica da Álbion, na sua magnífica solidão insular, constituísse modelo que atravessa os séculos, ignaro de tudo que a seu redor possa porventura existir.

                         Voltam os irresponsáveis e os eternos criadores de miríficas terras e nações a serem erigidas nas miragens de um passado tão nebuloso quanto inescrutável que os demagogos de plantão parecem dispostos a encenar, ainda que seja em breve período, em meio à confusão e à crescente conscientização que não é feita de alucinações  e dos sonhos que, como os velhos nos asilos repetem velhas estórias, sem outro sentido que o grande vazio dos sonhos e eventuais projetos que brigam com a realidade circundante.

( Fonte: The New York Times )                     

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