Os protestos de Hong
Kong, que os leitores têm podido acompanhar através da cobertura do blog, chegaram aos quadrinhos, conforme
assinala reportagem da Folha, da quarta-feira, quatro de
dezembro.
A polêmica levantada se inspira na
arte promocional do livro "Dark Knight Returns: The Golden Child",
que reúne traços de um desenhista brasileiro, em que se mostra versão
alternativa de Batman prestes a
arremessar um coquetel Molotov. Ao fundo, está escrito "the future is
young".
Nas redes sociais os comentários foram
naturalmente relacionados com a realidades desses protestos e manifestações :
assim, o coquetel molotov é a arma empregada pelos manifestantes; o traje preto
com detalhes em amarelo da Batwoman seria uma alusão às roupas dos ativistas da antiga colônia
britânica;e o subtítulo da publicação - a criança dourada - uma alusão ao
simbólico amarelo.
Mas não ficam nisso apenas as
conexões com o levante naquela cidade. Assim,a frase "the future is
young" aponta ao principal slogan, escandeado pelos jovens manifestantes
nas tortuosas ruas da velha Hong Kong: "libertem Hong Kong, a revolução do
nosso tempo".
A arte é do desenhista gaúcho
Rafael Grampá: Você cria ficções baseadas na realidade, e depois a realidade se
apropria do que você criou, é um vai e volta", disse o artista para a
Folha, na primeira entrevista depois da repercussão. A esse respeito,ele nega
ter pensado na questão política de Hong Kong em seu trabalho, que também
aparece numa das capas da publicação.
A postagem, que havia sido
realizada no Instagram e no Twitter da DC Comics - ambas plataformas censuradas
na China, mas liberadas em \Hong Kong - recebeu verdadeira enxurrada de comentários
polarizados. Essa postagem foi deletada minutos depois, sem que a editora
houvesse dado uma motivação oficial.
Como a memória da internet e dos
prints seria para alguns eterna, a arte viralizou. Veículos locais, como o
jornal South China Morning Post, e internacionais, como Variety e The
Guardian, a repercutiram. Também o
celebrado chinês Ai Weiwei, que se tem marcado por sua oposição a
características do governo comunista chinês, também postou sobre o assunto.
Igualmente, novas atualizações
no perfil da editora são inundadas por comentários em referência à imagem
deletada. E apesar de ser um grande lançamento no calendário da DC Comics, não
há qualquer indício sobre a sua publicação nas redes sociais da editora, e isto
há pelo menos um mês.
Na verdade, a polêmica se
espalhou muito além dos circunscritos limites das chamadas redes sociais.Muros
de Hong Kong foram pichados com a
icônica frase "the future is young",
segundo o demonstram fotos do veículo
independente pró-democracia Hong Kong
free press.
Desenhado por Grampá (autor
de "Mesmo Delivery") e escrito por Frank Miller (Sin City, "300"
entre outros) o livro de 48 páginas é uma continuação de "Cavaleiro das Trevas", um dos maiores clássicos dos anos oitenta.Com Batman, Miller foi um dos grandes responsáveis por abrir o quadrinho comercial americano a expressões autorais e adultas
Por sua vez, Batman é protagonista de outra HQ clássica da época."A Piada Mortal", de Alan Moore. E é do autor inglês "V de Vingança" que popularizou a
máscara do soldado inglês Guy Fawkes (1570-1606), símbolo de manifestações em
todo o mundo desde a adaptação cinematográfica, dirigida por James McTeigue, em
2005.
"A adoção da arte
como um símbolo de protestos em Hong Kong mostra como as pessoas são carentes
de símbolos", diz Grampá. "A imagem não foi criada para ser
relacionada com a revolução, é uma interpretação deles."
Em realidade, ele afirma ter
feito a arte em 2018 e que não estava pensando na situação conflituosa da China
e Hong Kong. Sem publicar quadrinhos há seis anos, o artista diz ter passado o
ano focado na criação de quadrinhos, sem acompanhar a convulsão política na
região.
Segundo o quadrinista,
o post da DC Comics teve um corte mal feito e seria deletado de qualquer
maneira por aquele erro. A arte ocultou o nome dos autores e o título da obra,
deixando a frase "the future is young" em ainda maior evidência.
"Parecia uma declaração", diz Grampá, que afirma apoiar os manifestantes.
Depois de toda a repercussão, ele postou a mesma versão apagada pela editora em
seu Twitter. A controvérsia é mais um
desdobramento dos protestos que tomam as ruas da ex-colônia inglesa há meio
ano.
Por mais que as
reivindicações tenham apelo a valores globais, a calculadora fala mais alto. Os
1,3 bilhão de potenciais consumidores
chineses fazem as empresas ocidentais capitularem diante das vontades do
Partido Comunista.
Apple e Google
censuraram aplicativos que facilitavam a organização de protestos
antigoverno. A produtora de games Activision Blizzard puniu um competidor do
game "Hearthstone" que proferiu frases favoráveis a Hong Kong durante
a transmissão de uma de suas competições.
Em reação a esse
estado de coisas, o movimento pró-democracia adotou a personagem chinesa Mei,
do jogo "Overwatch" da Blizzard, como outro símbolo.
A China é um mercado importante da Warner
Bros., proprietária da DC. "Aquaman" dirigido por James Wan, foi o
primeiro filme interconectado da DC (o chamado "universo expandido")
a ter bilheteria de US$ 1 bilhão. Um quarto desse faturamento veio das salas de
cinema chinesas.
(Transcrito
da reportagem de João Varella,
publicada pelo Folha de S. Paulo,
com pequenas alterações)
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