Se
a eleição de amanhã na pátria de Winston Churchill - que afirmara que " a
verdade, em tempo de guerra, é tão preciosa que deveria ser sempre acompanhada
de uma escolta de mentiras"- é guiada por alguma coisa, segundo o Economist, são as mentiras no caso tão preciosas que
precisam ser acompanhadas por uma escolta de novas mentiras.
Segundo o semanário inglês, esta
próxima eleição repousa na desonestidade: grandes e pequenas mentiras, meias
verdades e pseudo-fatos, distorções, dissimulação e e desinformação, além de
embustes digitais em escala industrial. Na verdade, a população está tão
desiludida com o processo político que, quando alguém perguntou a Boris Johnson, durante um debate pela TV, se ele valoriza a verdade, o público deu
gargalhadas. Diga-se, a propósito, que
Johnson é favorito nesta eleição e deve vencer por boa margem.
Dentro dessa atmosfera, não surpreenderá que um jogo popular nos
círculos da política é debater qual partido é o mais mentiroso. Talvez os tories sejam provavelmente os piores, e
os liberal-democratas, aqueles menos ruins. Mas o fato é que os dois principais
candidatos - os conservadores e os trabalhistas - transformaram a desinformação
em uma arte.
Naturalmente, no entender da revista, a presença da mentira na política
seria inegável. Anthony Eden contou descarada mentira na Câmara dos Comuns em
1956, quando disse que Inglaterra e França não entraram em conluio com Israel
na invasão do Canal de Suez. Segundo a
revista a coisa nova a caracterizar esta eleição é o fato de ser uma campanha
da pós-verdade. Assim, os partidos se comportam como se a verdade não tivesse
importância, e por isso não se consideram mentirosos. Para o Economist, parte da culpa seria da nova
tecnologia. Assim, os exemplos mais atrozes de distorção ocorrem online. Durante o debate de um líder, o
Partido Conservador renomeou sua conta no Twitter para Factcheckup, e a usou
para produzir e enviar mensagens partidárias disfarçadas de avaliação
independente.
Nessas condições, a internet mudou as regras do jogo político,
enfraquecendo o poder dos ditos guardiães da velha mídia - que são regidos pela
ética profissional e normas eleitorais - abrindo dessarte o campo de batalha
para fanáticos e vigaristas. E dessarte permitiu às campanhas políticas urdirem
narrativas diferentes para os eleitores do país.
Na opinião do Economist, parte da culpa é dos dois
principais candidatos. Jeremy Corbyn seria imune à verdade porque estaria
dominado pela ideologia global sobre os malefícios do capitalismo e do
imperialismo, e as maravilhas do socialismo e do poder popular. Por sua vez,
Boris Johnson é indiferente à verdade porque está possuído pela ambição. Ele
foi duas vezes demitido por mentir - uma vez pelo Times, por causa de uma
citação forjada e uma vez por seu partido envolvendo um caso - e sem embargo,
ele chegou ao topo. Boris está tão
preocupado em ser chamado à responsabilidade por suas várias afirmações que
(até agora em contraste com outros líderes do partido) se esquivou de uma
entrevista com Andrew Neil, o
respeitado e abalizado entrevistador da
BBC. E sua escapada deu uma reviravolta
sinistra no caso de seu principal assessor, Dominic Cummings, um imaginoso e
maquiavélico ideólogo, que propagou a mentira de que o Brexit geraria US$ 460
milhões por semana para o Serviço Nacional de Saúde...
Tribalismo. Mas segundo a visão do Economist, há também
uma força mais profunda em atuação, que seria o triunfo do tribalismo político.Assim,
na época de David Cameron e de Tony Blair, a política tinha a ver em primeiro
lugar com política. Os políticos
discutiam em que medida a abertura econômica estimularia o crescimento, ou, depois
do colapso financeiro, que nível de austeridade manteria os mercados calmos. Organizações
como o Departamento Nacional de Estatística se manifestavam com autoridade.
Hoje, a discussão é mais sobre tribalismo, tanto quanto economia.
Os
conservadores usam o Brexit para
conquistar eleitores, ao passo que os trabalhistas reafirmam sua identidade
como partido de classe operária.Os especialistas perderam
muito de sua credibilidade na população em grande parte porque são
vistos primo como membros de uma
tribo - a elite cosmopolita londrina - e não como comentaristas objetivos.
Mesmo antes desta eleição começar seu
trabalho corrosivo, somente 40% dos
eleitores pesquisados pelo Reuters Institute for the Study of Journalism
disseram confiar nas notícias. Essa porcentagem é bem menor entre os membros da classe dos trabalhadores
e os eleitores que apóiam o Brexit.
Nessas condições, a combinação desta epidemia de mentiras e o clima de
desconfiança tem efeito assaz nocivo.
Distorce o processo de seleção. E
quanto mais eleitores acharem que todos os políticos são mentirosos, maior a probabilidade de escolherem um
mentiroso para representá-los. Boris Johnson é o político ideal para
uma era da pós-verdade, pois ninguém há de esperar que ele vá manter sua
palavra. Ele existe num mundo do nós contra eles, um mundo de emoção
e não de razão, um mundo em que alegrar as pessoas seria mais importante do que
deixá-las deprimidas sob o peso dos fatos reais.
A democracia
liberal depende de pessoas fazendo algo
extraordinário,ou seja, escolhendo um grupo de pessoas que representam seus
interesses e opiniões no Parlamento.
Sem o elemento aglutinador da confiança e da verdade, esse processo
extraordinário cedo ou tarde há de deteriorar.
Fontes:
The Economist (c/ tradução do Estado de
S. Paulo)
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