Segundo a Anistia Internacional o Irã, sob o
regime clerical dos ayatollahs, enfrenta a sua mais grave crise, desde a
Revolução islâmica, há quarenta anos atrás. Há pelo menos 208 mortos, e devem
surgir outras centenas de vítimas, à medida que os protestos - que irromperam
em quinze de outubro - são sufocados pelo governo com a desenfreada força das
tiranias ameaçadas.
Confrontada com a própria
ineficácia, e a crescente corrupção no regime clérico-militar, a agitação
começou há duas semanas, com o repentino aumento no preço da gasolina, que
atingiu 50%. Em 72 horas, atordoados
pela indiferença e a crueza das autoridades clericais, manifestantes indignados
ocuparam as ruas das cidades iranianas, tanto pequenas quanto grandes, exigindo
a derrubada do governo e a deposição de seus líderes.
O modo da reação das chamadas
forças de segurança não poderia ser mais brutal e desapiedado, disparando
contra a turba dos demonstrantes, na sua grande maioria desempregados ou de
outros jovens (entre 19 e 26 anos), que se debatem nas mesquinharias dos
horizontes da baixa renda.
A crueldade extrema, sem qualquer
apelo ou mesmo ameaça para que os jovens recuassem ou fugissem, das chamadas
forças da repressão, revelou a reação sem peias, partindo para os extremos da
violência, como se inebriadas pelo seu poder sobre a vida daqueles infelizes
que passavam a abater em orgias de sangue.
Assim, somente na cidade
interiorana de Mahsahr, no sudoeste do Irã, segundo o pessoal médico e as
testemunhas da barbárie, membros da famigerada Guarda Revolucionária, após
cercarem, dentro de um adrede sopitado frenesi sem quaisquer intentos de que se
entregassem, passaram a atirar e a matar dezenas de manifestantes - entre
quarenta e cem, na contabilidade a um tempo cruel e alucinada, e a outro sádica
e quase burocrática, a quem se depara com a distância de uma quase meticulosa
exação, enquanto os desgraçados vão perecendo instantaneamente, como se moscas
fossem, desarmados que estão na sua grande maioria - e tudo isso nas pútridas
paragens de um pântano para onde tentaram fugir, no desespero que se lhes abate,
a um tempo sádico e corrosivo, na cruel clemência da chacina, sem outras peias, que a das águas turvas e lodosas, que
prometem, naquela quase banal orgia de crueldade, a sufocação do afogamento, em
meio às dores lancinantes e o brutal embrutecimento de miseráveis instantes que
prometem aos infelizes a fugaz asfixia da estranha partida de uma vida
execrável.
Quem sabe a imaginação será de
sua travessia o único testemunho. Cercados por gente aparvalhada, em atmosfera
de surdo, sádico estupor, o que podem mais desgraçados, derrubados que foram
por suas boas, mas inoportunas, intenções, se verem ora condenados ao banal
esterco, dentro de um país que pelos seus progressos materiais desenha luzes
brilhantes para muitos, enquanto mais
longe os depara uma turba que por vezes, só encontra como refúgio as ásperas,
lancinantes despedidas de uma morte, tão sufocante quanto opressa, no fedor de um charco interiorano.
(
Fonte: O Estado de S. Paulo : o Irã enfrenta a mais grave crise política em
quarenta anos ).
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