O New
York Times estampou ontem artigo de Thomas E. Edsall, intitulado A Democracia em frangalhos. Para Edsall,
a principal culpada do resultado da eleição de 2016 está na internet e nos seus
descendentes, que teriam superado o tradicional sistema político americano de
alternar as vantagens da esquerda e da direita.
O único resultado positivo da vitória
de Trump - além de prevenir uma terceira vitória seguida dos democratas -
está na circunstância de haver revelado que a internet e os seus efeitos
levaram de roldão o tradicional sistema político americano de alternar esquerda
e direita.
No entender de Edsall essas duas causas
estariam contribuindo - talvez de forma irreversível para a queda dos
tradicionais limites morais e éticos na política americana.
É sempre um risco, no entanto, confundir
um instrumento - a internet - como se ele
pudesse tranformar-se em um fim precípuo. Este é um erro muito comum - atribuir
o que esse instrumento produz - que, na verdade, não passa de um meio - como se
fora algo condicionado pela própria ferramenta.
Na verdade, o meio só antecipa os fins
quando ele deixa de ser meio, e se torna um agente realizador de determinadas
ações, que podem oscilar entre boas e ruins, ou apenas instrumentais. Dessas
últimas, o resultado será causado por ações que independem do recurso em si.
Hoje em dia virou moda inculpar a internet, como se ela em si fosse intrinsicamente
maligna. Enquanto a internet for instrumento, ela não pode ser inculpada pelos
eventuais resultados de sua ação. Agir dessa forma preconceituosa equivaleria a
dizer que o pincel de tal ou qual pintor é o responsável por um determinado
quadro. Assim, levando adiante esse argumento formalista, um quadro de
Caravaggio só pode ser maléfico, dadas as características existenciais desse
grande pintor italiano... Dessarte, ver beleza em obra de Caravaggio denotaria
um pendor do observador por um prisma em que o mal seja privilegiado...
A reificação da internet, e a sua
ulterior transformação em um ente determinado, corresponde na verdade à
tendência de tentar explicar um certo fenômeno como se os seus eventuais
efeitos ali estivessem para prejulgar determinada situação.
Assim como um comício - hoje uma
reunião para ouvir ou debater uma linha de ação, mas no passado romano, reunião eleitoral para decidir sobre a escolha de tribunos populares - não
indica necessariamente o que será discutido ou proposto na reunião, exceto se
se tomarem providências para debater e eventualmente adotar esta ou aquela
linha de ação. Acaso investiremos contra a reunião, e a proclamaremos nula de
todo efeito? Não, porque o público se
dará conta, de que não foram tomadas medidas para prejulgar as decisões desse
público. No entanto, será censurado qualquer esforço para influenciar de
maneira indevida, se o público perceber que não se atribui igual liberdade à
exposição das idéias porventura defendidas.
Se examinarmos a questão nas
linhas acima, será vista com clareza a falácia de culpar determinado veículo
por um resultado eventualmente negativo, como ocorre no caso de prejulgarmos o
efeito a ser produzido pela internet.
A menos que pretendamos regredir ao
tempo dos xamanes e dos feiticeiros, o
público, com um mínimo de informação e conhecimento, não partirá para esse
argumento descabido de atribuir a qualquer meio um viés maligno.
A democracia não corre perigo
por cavilações sombrias da internet.
Quem derrotou Hillary Clinton foi o uso indevido do privilégio de
determinadas autoridades. Não tem nada a ver com a internet que notícias falsas sejam espalhadas pelos meios de
comunicação, com o propósito de atingir este ou aquele grupo de eleitores que
optam por votar no chamado período do sufrágio antecipado. Não é lícito
confundir o meio - que é, em princípio, neutro - com o seu emprego de má-fé,
servindo-se de vantagens que não são concedidas pela internet, mas pela vontade
iníqua de pessoas investidas de autoridade que não respeitam o valor desse
privilégio, e que o desvirtuam.
Muita vez será na falta de
autoridade que o mal é perpetrado. Quem o permite não é o microfone nem outro meio
eventual. No caso, será tão só o
desrespeito ao preceito legal e a falta de autoridade para tomar as medidas
cabíveis. Chamar isso de decadência da
internet é uma ulterior má-fé, porque nos desvia do nó da questão, além de
chamar de burros os que atribuem tais resultados a uma suposta deformação do
pensamento, que não lhe faz nenhuma honra.
( Fonte: artigo de Thomas B.
Edsall, em The New York Times)
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