domingo, 5 de março de 2017

Crueldade pode ser gratuita?

                           

        A pergunta vem à mente ao ver a foto das naves quase vazias da Igreja Nossa Senhora das Américas.
         Na hora do instantâneo, antes da entrada em funções de Donald Trump, os bancos do templo estariam apinhados de fiéis, que ali vinham para assistir à missa em espanhol.
        Missa em espanhol? Hmm... Se o público é de fala hispânica, não será de todo improvável que ali se concentrem muitos fiéis de origem hispânica, que  procuram o conforto e a esperança que lhes há de proporcionar a missa em espanhol...
         Mas um momento! Embora estejamos no horário da missa, há poucos fiéis, em bancos que nesses dias comumente estariam repletos de gente.
        Pois há um fator que não é doença, ou uma data de compromissos inadiáveis, que podem diminuir o afluxo de fiéis.
         Na verdade, há um outro fator que mexe com a vida de toda essa gente que se vê forçada a desertar das missas e das rezas com que se aproximam da divindade, ou até mesmo fustigados por essa saudade que acossa os expatriados. 
          Nesses bancos vazios, aonde se encontram poucos fiéis, eles escrevem uma mensagem transida de medo para quem por lá apareça. Afastam-se da igreja em que se elevam as mesmas preces ditas por seus antepassados, por um só e único motivo: eles têm medo. Antes não tinham, mas agora um novo governante está na Casa Branca. É um homem cruel, que persegue os imigrantes sem documentos, sem ter para tanto outro motivo que não a vontade de mostrar-se impiedoso com a comunidade estrangeira sem-documentos.
           Os seus motivos parecem vir do ódio ao estrangeiro, sobretudo os de fala hispânica, a quem resolveu inserir no seu programa de governo às avessas. Pois essa gente ele destina à expulsão, à perda do emprego,e à separação entre os familiares.
           Apesar de seus propósitos demagógicos do discurso eleitoral, ao que parece, nada tem a queixar-se desta gente.
          E no entanto, para ele o imigrante indocumentado é uma espécie de álibi, em que ele declara o seu ódio ao estrangeiro, ao emboaba, àquele que vem de fora, ainda que o mova a busca do trabalho, trabalho que não prejudica em geral ninguém, por que é faina modesta, enjeitada pelos autóctones...
           Não se espantem, portanto, se virem vazios os templos, as fileiras de bancos despidas de crianças, mulheres e homens, porque os tempos mudaram de repente, e agora manda nesta terra gente que não gosta de estrangeiro trabalhador, sobretudo os modestos, que não tiram o trabalho de ninguém, e que apenas lutam contra a miséria nas plagas natais, e o imperativo de  buscar emprego, qualquer emprego honesto, nessa terra vizinha, rica e com muita gente que carece dessas mãos calosas que suplementam por vezes o trabalho doméstico.
             Por isso, não se assustem. As igrejas vazias não são quadro de coletividades sem fé.  Não lhes falta decerto a crença e a devoção. Mas que fazer com o medo e a sobrevinda, fulminante e sempre intempestiva, da terrível  Migra, que com a presidência desse cruel Senhor renasceu uma vez mais para espalhar o mal - com a rapidez fulminante de sempre - nos espaços antes tranquilos e serenos do templo da religião que ali estava para congregá-los na fé e na esperança...


(Fonte: foto em O Globo da Igreja Nossa Senhora das Américas, em Washington

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