Fala-se muito na Inglaterra no chamado
Brexit, como se fosse um tema objeto
de longa consideração nacional. Essa palavra inventada, misto de slogan e de
neologismo - a saída da Inglaterra (Britain exit) - sequer menciona a União
Europeia.
Sem embargo, se alguém procura um
estadista que depois de longa campanha tenha afinal convencido os respectivos
compatriotas a afrontarem o desafio, perderá tempo, pois esse senhor não existe.
Para a expansão do Brexit, os britânicos (e as demais nações que compõem o
Reino Unido) agiram com o voluntarismo e a superficialidade que tem sido, de
resto, uma característica nacional se olharmos para os seus últimos chefes de
governo.
Como surgiu a idéia de realizar um
plebiscito sobre a eventual saída do Reino Unido? Foi decorrência de longo
debate nacional, em que as opções foram cuidadosamente avaliadas e discutidas
nas sedes dos principais partidos?
Vamos por partes. O Reino Unido já
fizera uma consulta nacional, no tempo do Primeiro Ministro Tony Blair. O
processo de implementação do plebiscito fora rápido e ao cabo a população optara
por continuar na União Européia. Ao contrário de agora, não foi luta acirrada e
Tony Blair tratara da matéria com a displicência de quem crê como favas
contadas a continuação da Inglaterra na organização de Bruxelas. Parecia até
que o ingresso da Grã-Bretanha na Comunidade houvesse sido um passeio, quando
não o foi, havendo inclusive o pleito inglês sido barrado pelo general de
Gaulle, em famosa conferência de
imprensa, nos anos sessenta.
Mas a liderança inglesa mostraria a
persistência e a seriedade de quem encarou como compulsória escolha nacional o
ingresso na Comunidade Européia, a princípio um sonho de velhos líderes como
Konrad Adenauer, na RFA, e de Robert Schuman na França, que partiram com
determinação e firmeza para a construção da Comunidade Econômica Européia, um
dos primeiros avatares desse grande sonho de calejados políticos, cansados das
brutais guerras do século XX, de que a Velha Álbion a princípio se dissociaria.
Seis países formaram o núcleo duro desse grande projeto: Alemanha, França,
Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo.
Não é o desígnio deste estudo
fazer uma avaliação demasiado detalhada no que respeita à evolução de o que, a
princípio, era um sonho de nacionalidades provadas e cansadas pelas lutas
intestinas no jogo das então grandes potências, que tiveram um aprendizado
demasiado doloroso, marcado pelos ódios de povos vizinhos e as consequentes
catástrofes nacionais de que o século XX seria o teatro dessa louca corrida,
que traria para as nações envolvidas sangue, suor e lágrimas, de que
partilhariam com o bom senso de um bando de lemingues na sua bela corrida para
o abismo.
Os britânicos, no imediato
pós-guerra, felizes na própria insularidade, embora saudassem com emoção a
reconciliação de Alemanha e França, julgaram a princípio que lhes bastaria a
aliança atlântica com a antiga colônia, ora transformada em superpotência, para
garantir-lhes a progressão e a respectiva singularidade, que tão alto prezavam.
Já na segunda metade do século XX, a
progressão e o claro êxito da Comunidade Econômica Europeia - na prática, o
primeiro avatar de o que constituiria a União Européia - mostraram aos líderes
ingleses o manifesto interesse de participar desse organismo, então
marcadamente econômico. O primeiro intento inglês de associação à organização
de Bruxelas não progrediria pelo rotundo não
do general Charles de Gaulle, então presidente da França. Com a sua hierática
postura e notável memória - trazia na cabeça as suas mensagens ao mundo europeu
e, incidentalmente, aos Estados Unidos, com a ponderada arrogância de quem
transformava as suas conferências de imprensa em longos, mas nunca
monótonos discursos, feitos com a
certeza de que não só o gabinete ministerial, formado por atentas cadeiras que
lembravam a postura de silentes e atentos estudantes, a par dos embaixadores e
seus afortunados representantes, todos à espera da enésima surpresa daquela
tarde nos salões do Elysée, expectativa esta que de Gaulle fazia questão de
atender, como quem não ignorava levar consigo toda a atenção que se reserva
àquele dignitário que transcende aos pequenos políticos que, como escolares,
assistiam as suas conferências de imprensa.
Como todos os soberanos, de Gaulle
também cairia. A face desgrenhada do povo surgiu no chienlit [1]
e com a desenvoltura de outro diverso protagonista da História, levaria de
roldão a empáfia e as construções da personalidade que jamais perdera a noção
da própria grandeza. Se o seu fim seria abrupto em termos de dilacerar-lhe a
dominante presença por mãos e gestos revolucionários,como tantos nacionais seus
terão oportunamente vivenciado, enquanto viajavam em torno do próprio quarto[2]. (a
continuar)
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