sexta-feira, 24 de março de 2017

O longo braço de Putin

                              
        
         Já mencionei nesta coluna que a Rússia reserva aos seus vizinhos um tratamento especial.  Não me entendam mal, porém. Ainda não estou me referindo às mil maneiras que tem o Kremlin de desvencilhar-se de seus adversários.
          Gostaria, a propósito, de reportar-me ao que o povo russo chama de o 'estrangeiro próximo'.  A respeito desses inúmeros países a que coube a sorte de colindar com a Federação Russa, o Kremlin se reserva a opção de legislar no que concerne à inter-relação entre o grande Urso e o vizinho menor. A esse propósito, semelha oportuno agregar que, em princípio, inexiste uma postura agressiva em tal contexto. Seriam tão só medidas de senso prático, motivadas pela cercania.
            Feitas tais considerações,  mais uma vez a estada na Ucrânia mostra que não é bastante para proteger o eventual desafeto do governo de todas as Rússias.
            Denis N. Voronenkov foi mortalmente atingido pelo agente russo Pavel Parshov.  Voronenkov era membro do Parlamento russo, antes de fugir para a Ucrânia no ano passado,  no que foi acompanhado pela esposa, Maria Maksakova, também engajada na política.
            É interessante verificar que Voronenkov tinha presente que sua vida corria perigo, mesmo morando em país estrangeiro (mas infelizmente, como a própria designação dessa grande nação - Ucrânia - já aponta, um tanto desconfortavelmente em proximidade do perigoso urso russo).  Mas infelizmente, para seus eventuais inimigos, a distância e a terra não formalmente submetida aos perigos de afrontar o grande senhor das estepes, não os exime de serem abatidos pelos contract-killers (matadores contratados). Vejam só, foi o que aconteceu com o político Denis Voronenkov, apesar de haver engajado um guarda-costas.
             No entanto,  esse agente  protetor alvejou mortalmente Pavel Parshov. As fontes de imprensa quiseram ver na morte de Voronenkov motivações políticas, o  que foi prontamente desmentido pelo porta-voz do presidente russo, Dmitri  S. Peskov, que qualificou de "absurda" a suspeição.
                 Ser crítico ou opositor de gospodin Vladimir Putin pode transformar-se em maneira existencial perigosa. Escapar do alcance de Putin não é fácil.  As vítimas com que as más linguas ousam tentar  salpicar a inocência do presidente de todas as Rússias une apenas a circunstância de terem atacado de forma solerte o bom nome desse grande líder. Assim, a jornalista Anna Politovskaya [1]cai fuzilada no saguão de seu edifício de classe média baixa; o espião Alexander Litvinenko morre em Londres, envenenado  por um raríssimo  e mortal isótopo radioativo (polonium 210); Boris Y. Nemtsov, proeminente figura da oposição, abatido pelas costas, nas vizinhanças do Kremlin e da Catedral de S. Basílio, pelo habitual contract-killer. Na enumeração das vítimas, o New York Times inclui o advogado Sergei L. Magnitsky, a quem foi  dado um fim particularmente cruel: por falta de tratamento médico, ele teve morte lenta e dolorosa.
                    É de espantar a coragem de jornalistas, como esse do New York Times, em que o presente relato se baseia. No entanto, oops!, agora estou verificando que, por provável erro da redação, não consta do artigo o nome de seu autor.

( Fonte: The New York Times )      



[1] Anna Politovskaya (New York, 30.8.1958; Moscou, 7.10.2006)

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