Um
especialista dinamarquês, segundo creio, esteve por aqui faz já alguns meses. A
seu tempo, fiz a propósito algumas considerações.
Que esse
jovem estudioso se ocupa do fenômeno da corrupção. Que tenha viajado para o
Brasil a fim de estudar a referida prática, convenhamos, não há de surpreender
nem aos mais veteranos, nem aos menos, a propósito da respectiva incidência, a
ponto de atrair gente de longe.
Quando começou a tornar-se preocupante, a dizer verdade, não sei. Devo
crer que nessa terra os eventuais especialistas - estudiosos, me entendam bem,
e não praticantes - dão a impressão de não serem muitos, nem de levarem a coisa
demasiado a sério.
Que o
brasileiro sempre teve uma queda por um recurso digamos light desse fenômeno, parece
que dele existe um espécime que data dos tempos do Império. No século XVIII, a
maior potência mundial era a Inglaterra, que dominava os mares. É daquele tempo a expressão 'pra inglês ver', que em geral correspondia a um trompe
l'oeil destinado a dar de algo feio ou inconveniente melhor impressão,
ainda que enganosa. Daí, a expressão que a população de então conferia a
qualquer expediente temporário para fazer algo passar desapercebido, ou dar-lhe vestimenta diversa da usual.
Como se vê pela descrição, tudo muito
inocente, mas com o óbvio propósito de iludir.
A
corrupção que tanto tem crescido entre nós pode ser considerada uma
prática da sociedade brasileira. Para atentar para a incidência do fenômeno,
uma estada em Pindorama será suficiente.
Um dos métodos para avaliar o grau desse triste fenômeno é o de jogar em
praças, parques e outros logradouros públicos bolsas ou estojos, não importa se
masculinos ou femininos, de preferência com diversos instrumentos de uso, para
que se verifique da atitude da população, com relação ao objeto alheio.
Os locais de tais lançamentos devem ser discretos - no sentido de que o
acesso dos transeuntes não é multitudinário -
e que proporcionem à pessoa o relativo vagar quanto a decidir sobre o
destino a dar àqueles pertences que não lhe pertencem.
Que me desculpe o leitor se dou a impressão de repetir uma idéia. Na
verdade, ela não é por acaso, pela simples razão de que, observado ou não, será
difícil imaginar que escapará a quem quer que seja a básica premissa de que o
achado não lhe pertence e que deva ser levado para alguém que esteja em
condições de entregá-lo a quem de direito.
Não creio que vá encontrar muita oposição ao afirmar que tais testes não
são muito realizados no Brasil, e por
motivos óbvios.
A honestidade é uma prática que não tem a ver com o grau de riqueza de
quem a observa ou não. Como dizem os nossos antepassados lusos ela pode ser
praticada até por velhacaria. Convenhamos, no entanto, que essa motivação, que
tem a ver com a oportunidade, e não com a ética, é um recurso bastante fraco, e
por conseguinte suscetível a inúmeras falhas.
Que a desonestidade seja um defeito de caráter, pode parece acaciano,
mas não o é tanto. Atente-se, por exemplo, para o último escândalo nacional,
i.e., a venda de carne em condições que
não lhe recomendam o uso. Segundo as
primeiras notícias - não necessariamente precisas - grandes empresas chegariam
a servir-se de processos não-recomendáveis na sua venda de tais produtos.
Ora, é óbvio que a melhor propaganda, tanto para os grandes, quanto para
os pequenos produtores e vendedores, é a qualidade da mercadoria. A marca é
muito importante, na medida da confiança do comprador (pequeno ou grande), dada
ao produto em venda.
É verdade que as vantagens dos produtos com defeitos de fabricação, em
termos de preço e de lucros, são enormes, mas como a lei das probabilidades,
por falha que seja, acabe funcionando, de que valem tais lucros descomunais, se
ao cabo a confiança despenque, os negócios cessem, e o grande atrativo do produto
seja perdido?
(
Fontes: O Globo, Folha de S. Paulo )
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