quinta-feira, 16 de março de 2017

A Lista de Janot (2)

                                
         A amplitude da corrupção no Brasil     surge de forma irretorquível, como se os carrinhos que a levam para os arquivos do Supremo Tribunal Federal constituíssem a vanguarda da ilicitude, que avança avassaladora, diante das câmeras do noticiário.
         Na política nacional pelo menos poucos são os agentes políticos que representam diante dessa marcha sinistra uma espécie de nota-de-pé-de-página do fenômeno que semelha envolver a uma quase unanimidade política nacional.
          Se são tantos os que desrespeitam a letra da lei e caem nas malhas da armada do Procurador-geral-da-República, a pergunta que clama nos vastos, amplos salões do Congresso Nacional, e cuja força não semelha por ora lançar a essa tropa de tantos um grito que lhes sinalize o espaço, e grite para a Nação atordoada com voz firme e forte que o seu silêncio seria a resposta dos justos, que por contemplar, atordoados, o que já temiam, relutem ouvir nesse momento, por desagradar-lhes assumir na eventual alvura do respectivo comportamento a mostra de um sentimento que lhes pareceria reprovável por jactar-se em cumprir o respectivo dever.
             Essa lista de Rodrigo Janot, Procurador-Geral-da-República, constitui talvez a marca de uma época. A sociedade brasileira tem dado muitos exemplos do rastilho do 'jeitinho' e do acompanhante cinismo, que como a chama no restolho da colheita generosa, opípara na própria abundância tudo ameaça envolver  no mesmo irresistível avanço, que a tudo confunde com os novelos da acre fumaça, como se a ameaça do brusco, brutal negrume do incêndio a tudo e todos condenasse a uma única disforme massa.
                Ao folhearmos os jornais, e deparamos esse imenso carrossel do ilícito, como não reagir na convulsão da irada negativa que de súbito se descobre iludida e escarnecida pela tropa dos aproveitadores - que antes não se pejavam em balbuciar, na tosca imitação dos justos, lamurientos protestos de reta justiça que as páginas  do repto de Janot cuidam ora de desnudar, com o gesto amplo e sanhudo de quem brada um basta! diante dessa torpe hipocrisia que, plangente e chorosa, invoca a alvura que a verdade - que nas laudas e escritos se encerra - arrasta pelas enlameadas veredas de conduta que reluta em desfazer-se dos macios, sedosos tecidos dos justos...
                Muita vez se busca nas velhas fotos, no sépia que os anos trazem,  a cor enganosa mas antiga, de um outro tempo que o passar indiferente das sazões empurrou para as gavetas dos velhos armários e dos já-meio enferrujados arquivos. São belos retratos de figuras que não mais falam, ou sequer discursam, não lhes importa a postura das fotografias, gravuras e daguerreótipos, a acenar-nos na própria eterna mudez tanto o enigma quanto a graça etérea de tempos que já se foram, e de que o passar dos anos confere um estranho, enigmático, enxundioso luor, que se nos escapa nas gretas da eterna noite que sobre ele vai caindo.


( Fontes: O Globo,Folha de S. Paulo )          

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