No Globo
de hoje, a reportagem principal é relativa ao Ministério das Relações
Exteriores, também conhecido como Itamaraty.
Servindo-se do exemplo de muitas chancelarias estrangeiras, que são conhecidas
ou pela localização de suas sedes, ou pelos títulos dos edifícios que as
abrigam, tal Ministério é também denominado por conta de Palácio Itamaraty, o sobrado na antiga rua Larga, que era a residência do Conde de Itamaraty.
A Secretaria dos Negócios Estrangeiros
teve mais de uma sede no século dezenove, em que o Brasil se independizou sob Pedro
I e a quem sucedeu, por maioridade antecipada, o filho Pedro
II, cujo reino se estenderia até 15 de novembro de 1889, data em que o
Brasil deixou de ser a única república latino-americana[1],
e entrou para a grei dos governos saídos de golpes militares.
Em termos de diplomacia, o Brasil
pode considerar-se afortunado, pois teve Alexandre de Gusmão, como nosso
precursor (este santista ilustre chegou a moço de
escrivaninha do então rei de Portugal, e é o grande negociador do Tratado de Madri, que no século XVIII
traçou grosso modo os confins de o
que seria o Brasil). À distância, eis que mandava detalhadas instruções para o
nobre negociador oficial, mereceu, pela erudição e visão de conjunto, o elogio
do Conde de Lancastre, que
representava nessa determinante negociação o rei de Espanha.
Pelos caprichos da República, o
Palácio do Itamaraty, depois de sediar o governo provisório do Marechal Deodoro
da Fonseca - que rasgou os laços com o Império do Brasil - única república sul-americana no dizer de um notável argentino,
quando soube, no estrangeiro, do golpe de quinze de novembro - passaria mais
tarde a abrigar o Ministério das Relações Exteriores, sob o Barão
do Rio Branco, que aí ficaria até a sua morte, às 9 e 10 da manhã, de
10 de fevereiro de 1912, na grande "sala em que vivera e trabalhara
durante os últimos nove anos" (Apud Álvaro Lins, Rio Branco, Cia. Editora
Nacional (p.471) ).
A transferência do governo do Rio de
Janeiro para Brasília, a grande realização do Presidente Juscelino Kubitschek,
teve a qualidade de valorizar o enorme interior do Brasil, que as bandeiras e
entradas haviam explorado e conquistado, mas que permanecia meio que dormente,
antes que a visão de JK e de sua
gente não o arrancasse dessa centenária
sonolência, com os brasileiros, no dizer de Frei Vicente do Salvador, no litoral a arranharem as costas como
caranguejos.
Não vou aqui ocupar-me da alemã que
ao casar-se com herdeiro da coroa dos czares lhe tomaria o lugar e se tornaria Catarina a Grande, destino a que não
poderia sonhar nos seus pequenos domínios de uma Alemanha do Tratado de Westphalia, na época
mais designação geográfica do que política.
Entra ela aqui, à maneira de Pilatos
no Credo, por força de um golpe palaciano e da capacidade demonstrada. Ela é rememorada
pela famosa visita sua ao interior do próprio império, instrumentalizada que
foi pelo seu favorito, o Conde Poniatowski, que organizara visita da Tzarina ao
interior da Rússia, devidamente enfeitado para os olhos da soberana, como se
ali vivesse gente feliz e bem alimentada. Nesse sentido, as chamadas vilas Poniatowski passaram a identificar
esse tipo de excursão devidamente enfeitada para os olhos de quem for o visitante
soberano da vez.
Mas vamos ao que mais interessa.
Noticia hoje O Globo que embaixadas
da era PT podem ser fechadas. Trata-se de estudo aprovado pela Comissão de
Relações Exteriores do Senado em dezembro de 2016, então presidida por quem
será o novo Chanceler, Aloysio Nunes. Segundo o levantamento feito, 44 embaixadas
criadas notadamente pelo governo Lula da Silva (com o adendo da
Administração Dilma). A grande
maioria dessas missões está localizada em países de África e Caribe, com gasto
de R$ 378 milhões por ano (o que é mais de 10% dos dispêndios do Itamaraty no
exterior em 2015).
A idéia do então Ministro Celso Amorim (sub Lula)[2]
seria a de, através representação mundial do Itamaraty junto a todos os países-membros
das Nações Unidos, aumentar pela pressão amiga em postos menores (tipo África,
Ásia e Caribe) a nossa presença diplomática, e consequentemente a necessária
simpatia no apoio à eleição do Brasil para membro permanente do Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
As pretensões do Brasil a
membro permanente do Conselho são antigas. Consta que se o Presidente Franklin Delano
Roosevelt tivesse vivido um pouco mais (morreu em abril de 1945), o
Brasil - e não a França - seria membro permanente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas.
Desde então, como um boxeador
estonteado por um murro saído não sabe bem de onde, o Brasil vem
tentando,seja com repetidas presenças
como membro temporário no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), seja com a colocação da eventual candidatura
como membro permanente em hipotética reestruturação do Conselho terçar armas
com periódicos rivais a esta posição (v.g., Argentina e México).
No tempo do governo do
presidente Lula da Silva, o seu
chanceler pensou haver topado com um meio de reforçar a nossa perene
candidatura a um assento permanente no Conselho (é oportuno assinalar que as
modalidades de tais eventuais reformas do CSNU podem variar como as sazões e os
humores respectivos).
Ainda na sazão do presidente Lula, e de seu ministro Celso Amorim, se pensou que aproveitaria muito à candidatura brasileira
se tivéssemos missão permanente em todos os países representados nas Nações
Unidas.
Não é pequeno esforço ter
embaixada em mais de uma centena de países. Apesar
de as missões serem pequenas, a respectiva lotação exige pelo menos um
diplomata e um administrativo (isto cortando na carne, porque a chefia tem
de ser de membro da carreira. No caso de substituição, e esta é obrigatória
pelo menos uma vez por ano, porque todos têm direito a tirar férias, coloca-se
a necessidade de chamar alguém de outra missão brasileira próxima, ou até da
Secretaria de Estado, para assumir a chefia, por pelo menos trinta dias).
Há vários detalhes, no entanto,
que podem parecer fáceis no papel, ou nos gabinetes de Brasília, mas que não o
são em locais dotados de comunicações deficientes, de pessoal administrativo
brasileiro inexistente, além das dificuldades inerentes aos postos ditos
especiais (dificuldade de acesso, pouco
ou nenhum apoio local, condições de saúde precárias, etc.)
Não surpreende, portanto,
que, quando passei pelo Caribe (seja dito, às minhas próprias expensas e em
férias) me condoía a condição dos colegas, em geral isolados, e com apoio
administrativo ou reduzido, ou no momento indisponível (e põe momento nisso!).
Qual foi, por conseguinte,
a consequência deste falso ovo de colombo da ubíqua presença junto a todos
os países membros das Nações Unidas? Além do indizível sacrifício de nossos colegas
diplomatas, que em muitos casos eram chefes deles mesmos, muita vez sem nenhum outro pessoal diplomático, e
também sem auxiliares administrativos qualificados, como são
os oficiais de chancelaria e os oficiais de administração.
Quando se é chefe de si
próprio, ou se enfrenta situação algo similar pela falta de auxílio
qualificado, o chefe de missão leva simbolicamente muitas cargas e pesos - que
não aparecem nos registros oficiais - mas que o perseguem física e
materialmente, além de restringir-lhe as possibilidades de ação. Um chefe de missão que não dispõe de
auxiliares dignos desse nome pode luzir bem nos manuais de Brasília, mas é de
escasso apoio para a condução de política externa desse nome. Sabedor ou
não, o ministro das relações exteriores que propôs esta suposta solução mágica
para a busca do apoio da chancelaria local para a nossa candidatura ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas, na verdade, consciente ou não, apresentava ao
Chefe de Estado de turno um plano mágico para a antojada conquista do assento
permanente no CSNU - que a sorte madrasta já nos roubara uma vez !
Em minha longa carreira
diplomática - cinquenta anos! - apesar de só ter sido lotado em missões
diplomáticas que tinham previstas lotações maiores, por vezes, ainda que
raramente, a sorte ou as condições locais me deixaram por períodos não tão
curtos quanto desejara, como único diplomata na embaixada. A boa sorte - e o
eventual apoio administrativo - me assegurou que sempre chegasse a bom porto.
Mas como fica a
situação de muitos de nossos colegas do Itamaraty, que tem o Deus dará como assessor, e salas vazias
como conselheiras? Como alguém que tem conhecimento das exigências do Itamaraty
e de suas missões no exterior, pode pensar que a missão com um único diplomata
(que acumula chefia, trabalho de secretaria e até da manutenção das
comunicações) tenha condições de luzir como alguém que possa arrancar apoio
para a candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança
das Nações Unidas?
Não surpreende,
portanto, que esta solução mágica para a conquista do ouro do assento
permanente no Conselho de Segurança, possa impressionar nos gabinetes de
Brasília, mas, na prática, que valor efetivo poderá ter?
(Fontes: Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri, de Jaime Cortesão;
Rio Branco, Álvaro Lins, Brasiliana, vol. 325; O Globo )
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