sábado, 28 de fevereiro de 2015

O primeiro da Lista ?

                                              

      Na tarde de sexta-feira, em uma ponte próxima da Praça Vermelha, sob as torres da catedral de São Basílio, e nas cercanias do Kremlin, com toda a aparência de assassinato sob encomenda, Boris Y. Nemtsov, foi abatido com quatro tiros pelas costas.

      Esta será, sem dúvida, a vítima de maior gabarito político durante o governo de Vladimir Vladimirovich Putin. Na atual administração já foram mortos outros oponentes de Putin, como a jornalista Anna Politkovskaya, com denúncias na guerra da Tchetchênia, a pesquisadora de direitos humanos Natalia Estemirova, e o fugitivo do serviço de segurança Aleksandr V. Litvinenko, assassinado na Inglaterra com polônio,  substância só acessível para quem disponha de reator nuclear.

      Nemtsov, de centro-direita, era um opositor de Putin de primeira plana. Um dos principais colaboradores do presidente Boris N. Yeltsin, com responsabilidade em petróleo e energia, a seu tempo, era havido como um possível sucessor do primeiro presidente da era pós-soviética. Terá sido prejudicado pela má imagem da administração Yeltsin, embora nunca tenha sido envolvido pelos escândalos da época.

      Dada a sua atuação na Duma (Câmara dos deputados) era um político respeitado. Nos últimos tempos, contudo,  sua estrela tinha ficado um tanto obscurecida pelo blogueiro Aleksei A. Navalny, que com tônica anticorrupção desempenhara papel de liderança nos protestos de 2011.

      No entanto, Nemtsov continuava na primeira linha dos oponentes do presidente Putin. Estava organizando comício de protesto pela guerra contra a Ucrânia. Em recente entrevista, Nemtsov dissera que a sua mãe temia que o presidente mandasse matá-lo por causa de suas críticas francas e diretas contra a guerra promovida por Putin contra a Ucrânia. E acrescentou: “Ela está mesmo com medo que ele me mande matar por causa de minhas declarações, tanto na vida real, quanto nas redes sociais. Isso não é piada, pois minha mãe é muito esperta.” Nesse contexto, perguntado pela revista Sobesednik se estava preocupado com isso, Nemtsov observou que ele estava “um pouco preocupado, mas não tão seriamente quanto a sua mãe.”

        A propósito da morte do proeminente político, Vladimir V. Putin condenou o assassínio, segundo comunicou o Kremlin, e o porta-voz  Dmitri S. Peskov disse que o presidente dirigiria pessoalmente a investigação.

        Nesse contexto, semelha oportuno mencionar observações do livro da professora Karen Dawisha, no que tange às relações do atual governo russo com a oposição. “Com o declínio tanto na economia, quanto na posição pessoal de Putin junto à classe média, a manutenção do controle dependerá mais e mais da coerção. As ações do presidente desde o começo de seu terceiro mandato parecem corroborar tal impressão. Assim, a promoção em maio de 2014 de Viktor Zolotov de seu posto de chefe do esquadrão de segurança pessoal do Presidente, para comandante em chefe dos 190 mil homens do Ministério do Interior não é  bom presságio. Ele foi a pessoa que de acordo com o relato de Sergey Tretyakov[1], trabalhara com o General Yevgeniy Murov, diretor do Serviço de Proteção Federal, “para preparar uma lista de políticos e de outros moscovitas influentes, a quem eles deveriam assassinar para dar a Putin um poder incontrastado.” Depois que os dois homens terminaram a lista, Zolotov anunciou: “há gente demais. É gente em demasia para matar – mesmo para nós.”

           Boris Nemtsov era um político honesto, competente e respeitado na oposição, inclusive pelos oligarcas, como Mikhail B. Khodorkovskiy. Atualmente no exílio, depois de amargar duas longas prisões determinadas pela justiça de Putin, Khodorkovskiy assinara a petição para o licenciamento da manifestação pró-Ucrânia. Foi a primeira ação política do antigo oligarca, antigo proprietário da Yukos, em questão interna russa, em que se associou à iniciativa patrocinada por Nemtsov. Mais um indício do trânsito de que fruía esse político. Retirado brutalmente do campo de batalha, a sua presença, notadamente com  um currículo sem mácula, fará falta. Na luta contra a tirania, a sociedade, no entanto, encontrará nos escaninhos da história, um substituto à altura.
 
 

( Fontes: artigo de Andrew E. Kramer, do New York Times; ‘Putin’s Kleptocracy’, livro de Karen Dawisha,Simon & Schuster, New York, 2014 ).




[1] Sergey Tretyakov era o chefe da seção russa de inteligência em Nova York, de 1995 a 2000. Em fins de 2000 fez defecção para os Estados Unidos. Segundo Aleksandr Lunkin, vice de Murov, confidenciara a Tretyakov, recomendando cautela quanto a Murov e Zolotov : “ São bandidos (thugs) comuns”.

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