Na tarde de sexta-feira, em uma ponte
próxima da Praça Vermelha, sob as torres da catedral de São Basílio, e nas
cercanias do Kremlin, com toda a aparência de assassinato sob encomenda, Boris Y. Nemtsov, foi abatido com quatro
tiros pelas costas.
Esta será, sem
dúvida, a vítima de maior gabarito político durante o governo de Vladimir
Vladimirovich Putin. Na atual administração já foram mortos outros oponentes
de Putin, como a jornalista Anna
Politkovskaya, com denúncias na guerra da Tchetchênia, a pesquisadora de
direitos humanos Natalia Estemirova,
e o fugitivo do serviço de segurança Aleksandr
V. Litvinenko, assassinado na Inglaterra com polônio, substância só acessível para quem disponha de
reator nuclear.
Nemtsov, de
centro-direita, era um opositor de Putin de primeira plana. Um dos principais
colaboradores do presidente Boris N. Yeltsin, com
responsabilidade em petróleo e energia, a seu tempo, era havido como um
possível sucessor do primeiro presidente da era pós-soviética. Terá sido
prejudicado pela má imagem da administração Yeltsin, embora nunca tenha sido
envolvido pelos escândalos da época.
Dada a sua
atuação na Duma (Câmara dos deputados) era um político respeitado. Nos últimos
tempos, contudo, sua estrela tinha
ficado um tanto obscurecida pelo blogueiro Aleksei
A. Navalny, que com tônica anticorrupção desempenhara papel de liderança
nos protestos de 2011.
No entanto, Nemtsov continuava na primeira linha dos oponentes do presidente Putin.
Estava organizando comício de protesto pela guerra contra a Ucrânia. Em recente
entrevista, Nemtsov dissera que a sua mãe temia que o presidente mandasse matá-lo
por causa de suas críticas francas e diretas contra a guerra promovida por Putin
contra a Ucrânia. E acrescentou: “Ela está mesmo com medo que ele me mande
matar por causa de minhas declarações, tanto na vida real, quanto nas redes
sociais. Isso não é piada, pois minha mãe é muito esperta.” Nesse contexto,
perguntado pela revista Sobesednik se
estava preocupado com isso, Nemtsov observou que ele estava “um pouco
preocupado, mas não tão seriamente quanto a sua mãe.”
A propósito da
morte do proeminente político, Vladimir V. Putin condenou o
assassínio, segundo comunicou o Kremlin, e o porta-voz Dmitri S. Peskov disse que o presidente
dirigiria pessoalmente a investigação.
Nesse
contexto, semelha oportuno mencionar observações do livro da professora Karen
Dawisha, no que tange às relações do atual governo russo com a oposição. “Com o
declínio tanto na economia, quanto na posição pessoal de Putin junto à classe
média, a manutenção do controle dependerá mais e mais da coerção. As ações do
presidente desde o começo de seu terceiro mandato parecem corroborar tal
impressão. Assim, a promoção em maio de 2014 de Viktor Zolotov de seu posto de
chefe do esquadrão de segurança pessoal do Presidente, para comandante em chefe
dos 190 mil homens do Ministério do Interior não é bom presságio. Ele foi a
pessoa que de acordo com o relato de Sergey Tretyakov[1],
trabalhara com o General Yevgeniy Murov, diretor do Serviço de Proteção
Federal, “para preparar uma lista de políticos e de outros moscovitas
influentes, a quem eles deveriam assassinar para dar a Putin um poder
incontrastado.” Depois que os dois homens terminaram a lista, Zolotov anunciou:
“há gente demais. É gente em demasia para matar – mesmo para nós.”
Boris Nemtsov era um político honesto,
competente e respeitado na oposição, inclusive pelos oligarcas, como Mikhail
B. Khodorkovskiy. Atualmente no exílio, depois de amargar duas longas
prisões determinadas pela justiça de Putin, Khodorkovskiy assinara a petição
para o licenciamento da manifestação pró-Ucrânia. Foi a primeira ação política
do antigo oligarca, antigo proprietário da Yukos, em questão interna russa, em que se associou à iniciativa patrocinada por Nemtsov. Mais um indício do trânsito de que fruía esse político. Retirado brutalmente do campo de batalha, a sua presença, notadamente com um currículo sem mácula, fará falta. Na luta contra a tirania, a sociedade, no entanto, encontrará nos escaninhos da história, um substituto à altura.
( Fontes: artigo de Andrew E. Kramer, do New
York Times; ‘Putin’s Kleptocracy’, livro de Karen Dawisha,Simon
& Schuster, New York, 2014 ).
[1] Sergey Tretyakov era o
chefe da seção russa de inteligência em Nova York, de 1995 a 2000. Em fins de
2000 fez defecção para os Estados Unidos. Segundo Aleksandr Lunkin, vice de
Murov, confidenciara a Tretyakov, recomendando cautela quanto a Murov e Zolotov
: “ São bandidos (thugs) comuns”.
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