quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Farsa e tragédia na Ucrânia

                              

            Volto a uma consideração a que já me referi. Lamento que o esforço do Presidente Petro Poroshenko – notadamente a sua participação na segunda, chamêmo-la assim, conferência de Minsk – ora se esteja esboroando, com rapidez ainda maior do que a prevista.

             O esforço europeu de Angela Merkel e François Hollande não logrou criar nenhuma base estável  para a cessação temporária da guerra que é movida por Moscou contra a Ucrânia.

             Confiar em que Vladimir V. Putin respeite qualquer consideração ética – se ela se atravessar no próprio caminho – é entregar-se nesciamente a desenlace ainda mais negativo e ruinoso da situação objetiva que motivara a louca esperança. Por isso, os líderes do Ocidente – e os eventuais democratas russos – que nele confiaram ou já pagaram caro, ou sofreram amargos dissabores.

             Pesa-me repetir frase que não é minha, mas que semelha apropriada a quem participou no que gospodin Pudin referiu como uma das noites não tão agradáveis de sua vida. Quem desconhece a história, está condenado a repeti-la, seja em tragédia, seja até mesmo em farsa.

             Pois o senhor do Kremlin não se pejou de valer-se da escolha errada dos que defendiam a causa da Ucrânia, como se estivesse fazendo algum sacrifício em comparecer a Minsk, capital do ditador Alexander Lukashenko, que enquanto os ventos lhe forem favoráveis integrará os adeptos de Vladimir Vladimirovich e o apoiará com visível denodo.

             Assim como os soldadinhos verdes que se apossaram da indefesa Criméia, e que lançaram Putin no traiçoeiro caminho dos fora-da-lei – as primeiras sanções americanas contra os cupinchas e asseclas do presidente russo datam de então – rasgaram quaisquer dúvidas sobre o próprio respeito à lei internacional e aos compromissos assumidos[i], ir ao seu encontro confiando em diplomacia dissociada de o que está sucedendo nos prélios armados é condenar-se a cruéis decepções.

             O exército da Ucrânia sem armas bastantes e adequadas para enfrentar as forças do exército russo e até de seus prepostos, os ditos rebeldes separatistas – que até recebem  equipamento bastante para arrostar os batalhões ucranianos, e o que é mais grave leva-los de vencida, como os combates em torno de Donetsk e Debaltseve o tem demonstrado à saciedade – tem sido, malgrado a bravura de seus soldados, uma presa fácil para  os agressores russos e  milicianos das ‘repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk’.

              Sem bater pestana, Vladimir Putin aludiu aos interesses dessas ‘repúblicas’, que não passam de joguetes e criaturas adrede manipuladas, para arrancar, contra todas as normas do direito internacional público, do solo ucraniano o espaço necessário para assegurar a implantação de outras Ossetiaa e Abkhazias do Sul, ou até mesmo, com desenvoltura de conquistador, a anexação pura e simples do extremo oriental da Ucrânia.

              O presidente russo traz de volta – e de forma decerto irresponsável – uma atmosfera internacional que mal pressagia para o século XXI. Se ele antes imitava o Benito Mussolini com o torso nu da ‘Bataglia del grano’ e no cavalgar atlético de belos corcéis, agora as coisas ficam mais sérias ao representar como se fora o Führer Adolf Hitler a encurralar líderes de pequenos países balcânicos.

                A hübris é má conselheira e a guerra continuada para um país que hoje é poder regional pode ser não só portadora de más notícias, mas também de distúrbios populares e até contestações mais insidiosas contra o atual todo-poderoso Vladimir Putin.  Os conflitos são criaturas daninhas que criam a dissensão, a inflação, e a descrença nos poderes constituídos, por só trazerem corrupção e carestia.

                 Por sua vez, a Ucrânia e seus líderes tem largo e ínvio caminho pela frente. Ela é demasiado extensa para ser tratada como a Geórgia e a Moldova. As peripécias e até os dissabores podem trazer para Kiev uma postura mais firme, com o afastamento da endêmica corrupção e maior afirmação nacional, com a limpeza do Estado Maior, e a formação de exército afinado com a independência da Ucrânia, afastados os elementos do FSB (ex-KGB) e os eventuais  agentes duplos, que hoje pululam na capital.

                   Quanto a Donetsk e similares, nas lutas da revolução russa irrompidas com a queda do tzarismo, houve repúblicas separatistas. Foram fenômenos efêmeros, que refletiam a instável atmosfera da época. Mas,  como a tantos outros chefes, grandes e pequenos, o tempo – esse incoerente senhor da História - não é que os acabaria levando?

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, The New York Times, e, de forma subsidiária, Putin’s Kleptocracy, de Karen Dawisha ).



[i] Que a expressão latina pacta sunt servanda tão bem reflete.

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