Revisitar Minsk parece ter sido o
resultado dos contatos europeus retomados com Vladimir Putin. Como se sabe, em Minsk, capital da vizinha
Bielorrússia, ao prenunciar-se o frio e a estação invernal, o presidente russo
gentilmente acedera em estabelecer um cessar-fogo entre os ditos separatistas
de Donetsk e a invadida Ucrânia oriental. A União Europeia, através da Alemanha
e da França, terá entrevisto nesse processo um desejo de paz do Senhor do
Kremlin.
Na verdade,
a suposta cessação – inda que temporária – das hostilidades correspondeu a imperativo
climático. Nessa época, com as nevascas e
frios extremos, a guerra é exercício penoso, que muita vez os exércitos
preferem reduzir drasticamente, dada a sua inclemência nas gélidas estepes
daquelas partes. Mesmo sem documento firmado, é o que a natureza impõe. Exemplo
disso está no fato de que a Wehrmacht
parou diante de Moscou, forçada pelo ‘general frio’, em dezembro de 1941, para retomar,
à vera,
as hostilidades na primavera de 1942.
Por isso,
no exemplo anterior, gospodin[1] Putin estava
apenas conformando-se às realidades do tempo. Como o futuro demonstraria, o
presidente russo determinou aos ‘rebeldes
separatistas’ que interrompessem por uns meses o confronto ativo com o
regime de Kiev. E, como os meses posteriores o demonstrariam, o cessar-fogo não
passava de artifício para deixar para trás os meses mais inclementes,
retomando-se a guerra não-declarada tão logo quanto possível.
E como o
noticiário o confirma amplamente, a encenação do Presidente Putin ainda durou
menos de o que esperado, com o amplo desrespeito, tanto pelos rebeldes, quanto
pelos seus senhores russos, do pedaço de papel assinado em Minsk. E para não desmentir
tais arreganhos guerreiros sazonais - que os novos mapas indicam profusa e
deslavadamente - os ditos rebeldes, com o apoio de Moscou, progrediram bastante
na sua metódica e encomendada apropriação para alheia serventia das plagas da
extrema Ucrânia oriental, tão convenientemente dispostas junto da península da
Crimeia (a primeira conquista de Moscou em abril de 2014).
Kiev paga
agora a sua negligência das províncias orientais, de fala russa. Enquanto a
ocidente, o ucraniano é a língua franca, a leste predomina o idioma do poderoso
vizinho do Setentrião. Segundo referem visitantes nos rincões orientais, o
braço da metrópole semelhava meio ausente, o que gerava resmungos e desafeição.
Havia também no Leste geração de nostálgicos da velha URSS. Compondo o quadro,
malgrado a riqueza de certas áreas – como a bacia de Donetsk – com tal presença
meio absenteísta do governo de Kiev, aventureiros e descontentes aí encontravam
o terreno favorável justamente que
Moscou, com apoio dessas franjas irredentistas, encontraria para facilitar os
respectivos projetos de conquista.
Dizer hoje
que a fronteira da Federação Russa com a Ucrânia é apenas linha indefesa no
mapa reflete laxismo que não é de hoje. Tampouco não saber onde começa o FSB (que
é atual designação do antigo KGB) não é figura de linguagem, mas incômoda
realidade no governo ucraniano. Nesse contexto, não surpreenderá que se
proponha abertamente que se descarte o atual Estado Maior em Kiev, para
estruturar um outro que não esteja infiltrado por espiões e simpatizantes do Kremlin.
Por isso, para o aventureirismo imperialista
de Vladimir Putin, não há melhor limite do que a fronteira da Ucrânia. Com tal
vizinho nostálgico das antigas extensões da União Soviética, mais do que uma
omissão, constitui grave erro mantê-la apenas fiado na cartografia, sem
qualquer outra elementar precaução.
Os avanços
na Transnístria e na Abkhazia do Sul refletem tal apetite, que Putin cuida de
alimentar e aguçar.
Que me
perdoem Frau Angela Merkel e Monsieur François Hollande, mas como está
estruturado o projeto de ajudar a Ucrânia contra o urso russo tem demasiadas
semelhanças com outro plano salvador da paz no século passado, esposado por
Neville Chamberlain e Édouard Daladier, no auge do apaziguamento de Adolf
Hitler (Munique, 30 de setembro de 1938).
É trazer
água para o moinho de Vladimir Putin reunir-se com ele para supostamente
costurar a paz entre Moscou e Kiev. Será ainda melhor para o presidente russo compor
o quadro da negociação com a pré-condição (colocada pela Chanceler alemã) de
que não se concedam armas letais à Ucrânia...
Um dos problemas principais do Presidente
Petro Poroshenko é estar à frente de país com fronteiras porosas e forças
armadas com armamento deficiente. Dessarte, os rebeldes do Leste tem avançado
bastante – como o mostram os mapas – na sua preparação da próxima ligação com a
Criméia, que já virou província russa.
O pequeno presidente
da Rússia gosta de receber nos salões do Kremlin – que espelham a antiga
opulência dos velhos tzares, e de seu propósito de impressionar vizinhos e
vassalos – o que fez com prazer, ao se prestarem Merkel e Hollande ao fútil
exercício de discutir sobre a paz com o imperialista Putin.
Diz o velho
ditado, que quem ignora o passado, está condenado a repeti-lo. Reunir-se com
Vladimir Vladimirovich é um exercício de quase inutilidade, se chegas ao
encontro marcado com mãos abanando.
Putin está
disposto a arrostar as sanções comunitárias e as meias-medidas que lhe trazem a
Merkel e Hollande. Acaso lhes terá escapado a observação do Senhor do Kremlin
que, em termos de Acordo de Minsk, não concorda em recuar dos avanços
alcançados por seus destacamentos e os dos aliados rebeldes, às custas das
terras ucranianas.
Putin é
cópia escarrada mais para Mussolini, do que Hitler. Aquele, pela sua ênfase no
aspecto histriônico, dele mais se aproxima.
Confiar na
diplomacia, sem qualquer instrumento ou meio de pressão, é prestar-se ao jogo do
Presidente russo. Apodá-lo de poder
regional como o fez Barack Obama é singrar as mesmas águas do que o seu
predecessor George Bush, que se deu muito mal tentando barrar o caminho deste
mesmo Putin, nos episódios da Geórgia e da Moldova. A linguagem que este gospodin respeita não tem sido usada até
agora pelo Ocidente, o que lhe tem aproveitado bastante na sua metódica
apropriação sob encomenda das alheias terras da Ucrânia oriental.
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