Getúlio – 3º Volume
Sem tomar
partido, o acompanhamento da trajetória de Getúlio Dornelles Vargas por Lira
Neto é, em geral, equilibrado e minucioso.
Em certos
aspectos, basta a descrição isenta e pormenorizada para que se tenha ideia da
atmosfera que preside à vida do ex-Presidente e recluso da Fazenda Itu, à de
candidato a Presidente constitucional, e por fim a seu retorno ao Palácio do
Catete, desta feita utilizando não apenas como gabinete e escritório
presidencial, mas também como residência, eis que, talvez por lembranças
desagradáveis, Getúlio não mais se serviu do Palácio Guanabara como residência
oficial.
O Brasil de então
e sobretudo o Rio de Janeiro, capital da república, é um mundo bastante diverso
do da atualidade. Mais acanhado e provinciano, as cenas no Palácio Tiradentes
nos evocam atmosfera que se tornaria
irrespirável para o Presidente, dada a animosidade que prevalecia nas suas
relações com as bancadas notadamente da UDN e a sua chamada Banda de Música.
A descrição
cuidadosa de Lira Neto reexuma esse mundo acanhado, provinciano, em que o fel
do ressentimento será notado por Getúlio, seja senador, seja presidente
constitucional a cada dia e a cada hora.
A imprensa
imita o estamento político – com a exceção do PTB – na oposição sem peias a
quem consideram ainda como o Ditador do Estado Novo. Até o aparecimento do
vespertino Última Hora, de Samuel Wainer – já no último governo Vargas – não
havia sequer jornal que defendesse o Presidente. Desde o principal, o matutino Correio da Manhã, de Paulo Bittencourt, passando pelo vespertino O Globo (de Roberto Marinho) até o
pasquim da Tribuna de Imprensa (o
jornal de Carlos Lacerda) não havia exceções na avaliação de Vargas. Todos, de
forma uníssona, respondiam àquela pergunta pelo automatismo de parcial, até
monótono refrão: Hay gobierno? Soy
contra! A própria rede dos Diários Associados, com o oráculo Assis Chateaubriand, vertia o fel de seu negativismo. Era o maior
conglomerado de imprensa e radiofonia no Brasil, com 36 jornais, 18 revistas,
inclusive a maior delas, O Cruzeiro, e 36 emissoras de radio.
A única coisa
em que a imprensa de então diferia da atual seria na respectiva pluralidade,
embora esse aspecto vário não se refletisse num arco de que constassem as
diversas visões políticas. A tônica estava na oposição e as variações em estilo, mas não na
substância, que sofria de adiantado processo de provincianismo terminal. Até
mesmo revista nova que entra para fazer
concorrência ao estabelecido semanário O
Cruzeiro e que luta para ter substância além da boa feição gráfica – a Manchete dos irmãos Bloch – resolveria
adentrar pela avenida oposicionista, pela mão do diretor Hélio Fernandes.
Em termos de
penetração popular, o Senador Getúlio Vargas estava em outro nível das
igrejinhas que dele escarneciam. O lugar de crítico-mor seria em breve futuro –
como nas velhas películas do cinema mudo tudo parecia ter pressa naquela
corrida de lemingues – açambarcado por quem viria a confundir-se com o
Corvo – e não o de Edgar Allan
Poe, quase um brinquedo de criança
perto das características do jornalista Carlos Lacerda.
A bile que
destila em sua coluna, a oratória a que a nascente televisão abre as então
deficientes projeções, que por mais vezes se resumem a torrente de apodos cercada de sombras, tudo
isso teria a pertinácia (e a mendacidade) das acusações sem base que eram sédula
e avidamente acolhidas pela carente classe média.
Sem que se
pudesse saber, tudo fazia parte de um processo, como em tragédia grega, que
algum diretor maluco tivesse transplantado para o trópico. O fim era a
destruição do ditador (apesar de eleito com vasta maioria em pleito aberto).
Para que tal fosse possível, qualquer pretexto seria acolhido e de braços
abertos.
A oposição
tinha sólida implantação nas Forças Armadas de então. Conspirar naquela época
para coronéis e generais – com as exceções de regra – constituía uma segunda
natureza. As vivandeiras da política
– boa parte da UDN e setores do PSD, como Armando
Falcão por exemplo – se esmeravam em cultivar os militares (e já aparecem
nas páginas de Lira Neto os nomes que pontificariam mais tarde na chamada
Revolução de 31 de março).
Por isso,
Carlos Lacerda tomaria a si a triste missão de derrubar o presidente eleito,
diplomado e reconhecido pelo Povo. As ofensas contínuas, a comovente má-fé, a
parcialidade inabalável, tudo isso contribuiria para criar atmosfera que seria
propícia para abater quem chamavam de Tirano.
Não importa que não o fosse. Para Lacerda, talvez fiel ao seu namoro com o
comunismo (logo enjeitado), o que era relevante seria o dito processo.
Criada a
atmosfera irrespirável, não assombra que repontaria um energúmeno nas hostes
governamentais, que pensou fazer um serviço para o Chefe, armando a eliminação de
quem lhe parecia um tão exasperante e pernicioso indivíduo.
A morte do
major Rubens Vaz e a participação de sicário da Guarda presidencial,
estabelecido o mandante em Gregório Fortunato, criaria as condições para a
crise política, a conspiração militar e a exigência do afastamento de Getúlio
Vargas da Presidência. Com a dança macabra das traições (a começar pelo Vice
Café Filho e o Ministro da Guerra Zenóbio da Costa) foram preenchidos os
ulteriores detalhes para efetivar a demissão oportunista do Presidente. O
sacrifício de Getúlio Dornelles Vargas não tinha sido inserido no script como suicídio. Estava computado
como humilhação terminal ao presidente. Com o gesto extremo, Getúlio mostrou ao
Povo quais eram os culpados e quem era a vítima. Venceu porque não trepidou em
pagar o preço – mas sem concessões – de o que lhe era exigido. E com isso,
mudaria o Brasil.
Generoso aumento aos Ministros do STF?
Já se
comparou a inflação a muita coisa, mas a carestia – e o leitor bem sabe a quem
devemos esse presente de grego – é um câncer que corrói o sistema
econômico-financeiro, estimulando toda série de fenômenos negativos, dos quais
o surto de greves no serviço público e nas diversas carreiras empregatícias é
uma triste, lamentável e perniciosa consequência.
O novel
Presidente do Supremo Tribunal Federal vem suceder a quem sai com um alto nível
de avaliação popular (o Ministro Joaquim Barbosa). Depois de entoar loas ao
trabalhos dos magistrados no Brasil que por cumprirem o respectivo dever
garantiriam a paz social, o presidente Lewandowski vai adiante. Prepara projeto
de lei ao Congresso Nacional, com um aumento de 22% sobre a remuneração de Suas Excelências.
R$ 35.919,00! Ricardo Lewandowski
acredita que este é o aumento da remuneração que serve de teto à remuneração de
todo o funcionalismo público da União. Como a inflação ainda não está em 22%
a.a., deverá haver outros motivos que justifiquem esse polpudo incremento de R$
6.457,00. Todo o procedimento do incremento do salário dos Ministros não durou
nem cinco minutos. Á toque de caixa, a colenda assembleia aprovou o
respectivo aumento, não havendo qualquer discussão sobre o assunto.
E, no
entanto, além da pressa – que é um sinal premonitório do clima inflacionário
prevalente – os Senhores Ministros terão presente que, excetuadas as alturas
dos nobres dignitários, não há registro
de aumentos salariais em nove meses? E que o teto do Judiciário produz o
chamado efeito cascata.
Aprovadas pelo Congresso Nacional as novas remunerações – e alguém
duvida que tentarão reduzi-las, para poupar o Tesouro Nacional? – vão
repercutir nos bolsos dos magistrados: eis que o salário de ministros de tribunais superiores e do Tribunal de
Contas da União (TCU) corresponde a 95%
dos salários dos ministros do STF. Por
sua vez, a escadinha baixa, mas não tanto no salário de desembargadores de
Tribunais de Justiça, que corresponde a 95%
do valor pago a ministros de tribunais
superiores. Por sua vez, a primeira
instância, a dos juízes singulares, em começo de carreira, recebe salário
5% menor do que o pago a desembargadores.
Segundo consta, no entanto, da matéria de O Globo de 29 de agosto, o Presidente da Associação dos Magistrados
Brasileiros (AMB), João Ricardo
Costa, não está satisfeito: “Não é aumento, aumento nós nunca tivemos. É uma recomposição que
reduz as nossas perdas. Não era o que nós queríamos (alega-se 32% de
defasagem). A proposta aprovada pelo STF é aquém do que estávamos
esperando. É um valor que não satisfaz.”
Magia ao Luar
O
último filme de Woody Allen, lançado a meados do ano, retoma um filão a que o
veterano diretor americano parece demonstrar crescente pendor. Na sua
filmografia, é com óbvio prazer que ele
retorna aos roaring twenties (os
ruidosos vinte). Meia noite em Paris
é outra película dessa década entre-guerras, na qual a fantasia está presente,
o que não é o caso de Magia ao Luar.
Espiar nesse pacífico, alegre e despreocupado período parece vir a
calhar para o diretor de Manhattan.
De um exórdio da Berlim dos vinte – que se diverte com a intensidade reservada
aos intermezzi felizes - de um espetáculo de mágica do falso chinês Wei Lin Soo surge o tema do filme que é
o exame pelo cético Stanley Crawford – interpretado por Colin Firth – da suposta médium Sophie (Emma Stone). A tarefa é dada pelo amigo Howard Burkan (o ator inglês Simon McBurney).
A
dupla corre para a Riviera, onde W. Allen nos presenteia com a radiosa
atmosfera dessa costa mediterrânea, com o azul encrespado daquele antigo mar.
Crawford está ansioso em desmascarar a suposta charlatã, armado de seu sólido
materialismo e confiante no próprio currículo de caçador de fraudes mediúnicas.
A
simpatia da jovem prodígio enfrenta o mau humor persistente e as seguidas
contestações do caçador de embustes. A paciência de Sophie e o encanto radioso
da própria juventude não abalam a princípio o arraigado ceticismo ex-officio,
que na insistência da desconfiança vai beirando os limites da cortesia, senão
da boa educação.
Como a jovem não se abala, e continua a surpreender e a desconstruir
aquele que pretende ser o seu algoz, a trama vai tomando um outro rumo que, se
se tiver presente o estilo de Woody Allen, que, em surpreendendo, não há de
espantar muito os admiradores desse quase isolado grande diretor no pálido
cenário da presente filmografia.
Não
pretendo revelar o segredo do filme. Se a recepção da crítica pode-se
considerar um tanto mista, de minha parte apreciei-lhe o estilo conhecido, com
frases inteligentes e irônicas, distribuídas por cúmplices velhotas. As
interpretações – notadamente de Colin Firth (lembram-se do discurso do rei ?) e
de Emma Stone (esta diáfana e radiosa como um fim de tarde nas estradinhas da
Riviera) – são primorosas.
Os
filmes do quase exilado Woody, o mais europeu dos diretores nova-iorquinos, são
em geral tarde ensolarada no atual pouco imaginativo panorama do cinema
americano.
(Fontes: Lira Neto (Getúlio 1945-1954, Cia. das Letras);
O Globo; Magia ao Luar (Magic in the
Moonlight), Woody Allen (2014).
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