sábado, 23 de agosto de 2014

De novo Putin e a Ucrânia

  

         Os seus auxiliares e até a mídia russa podem acusar até variações na respectiva linha no que tange à Ucrânia. Nesse contexto,  podem repontar atitudes compreensivas e até mesmo conciliatórias. As intenções, em verdade, seriam pacíficas, e tudo não passaria de um grande mal-entendido.

         A história é rica de tais exemplos. Países que acenam com boas e pacíficas intenções, mas que, em realidade delas se servem, como um instrumento de política para afrouxar e confundir a resistência. Falam de paz, mas se afastarmos o nevoeiro dos ocos compromissos, e se se tivermos presente os atos concretos, só entreveremos o engano como instrumento, e a guerra de conquista como fim.

          A Federação Russa tem imenso território, estendendo-se desde o mar Báltico até Vladivostok – e não é por acaso que a própria toponímia no Pacífico carrega em si o lema de domínio do Oriente.

          O proceder restante do Kremlin dá a impressão de que tal não lhe basta. O desfazimento da União Soviética em princípios dos anos noventa dispôs da segunda super-potência. Se uns tantos anéis se foram, Moscou reteve alguns importantes, como o assento permanente no Conselho de Segurança, e o direito de veto, assim como boa parcela do arsenal termonuclear, que antes brandiram os herdeiros de Vladimir Lenin, com o camarada Stalin à frente.

          Por um capricho dessa mesma incongruente história, o governo liberal de Boris Ieltsin careceu para salvar-se da anunciada perdição de ter de recorrer a um homo novus,  gospodin Vladimir V. Putin, que não por acaso havia sido funcionário categorizado da K.G.B.

          Destino madrasto este, que nos transes do perigo maior – que será sempre para a gente do governo, o de perder o poder  - teve de confiar em criatura egressa do serviço secreto soviético.

          Para salvar-se, foi necessário jogar carga ao mar. Assim, junto com os amigos de Ieltsin se assistiu partir, com as necessárias pausas, a ilusão da democracia nova, que, apesar de seus nobres paladinos, tanta dificuldade parece ter em firmar-se na Rússia.

          Não espanta, portanto, que o governo de Putin seja autoritário. Outra característica de tais regimes é o veio expansionista. Pensa resolver os próprios problemas – que não são pequenos – pelo meio imperialista. Para tanto, já costurou uma doutrina – a eurasiana – que, malgrado servir  porções alentadas de antigas teses à direita, justificaria os respectivos avanços, tanto em termos de países caudatários, quanto, se necessário for, em acréscimos territoriais.

          Vladimir Putin não se abespinha em estar na contramão da história. Abriu – talvez melhor seria dizer dilacerou – uma nova página, com a anexação da Crimeia, para tanto se aproveitando da queda de um aliado seu, Viktor Yanukovych, derrubado pelas heroicas barricadas da praça Maidan.  

          Para vergonha da dílmica diplomacia – que é aquela de partido,do  PT e similares – e que não é a de nosso eterno patrono, o Barão do Rio Branco – ela compactuou nas Nações Unidas com essa clamorosa violação do Direito Internacional.

          Putin só engana os fracos e aqueles que, embora na aparência fortes, mal disfarçam a própria inerente debilidade.

          A agressão russa contra a Ucrânia  continua. Além de concentrar grandes efetivos em áreas vizinhas das províncias ucranianas orientais, a intervenção é direta através de unidades de artilharia, muita vez manejadas por militares russos. Esse incremento do imperialismo do Kremlin se deve aos avanços do exército ucraniano, que vem retomando paulatinamente a área sob domínio dos chamados separatistas pró-Rússia.   

          Essa participação direta está determinada, não por conjecturas, mas por assertivas de observadores da OTAN. Aqui se assiste a um desenvolvimento que não surpreende, por que não é a primeira vez que venha a ocorrer.

          Essa irrupção do separatismo pró-Rússia não é fenômeno de pai desconhecido. Quando as formações de separatistas-pró-Russia se vêem em apuros, a consequência costuma ser a da intervenção direta do poder maior para socorrer os prepostos no limite da rendição.

          A par disso, está em curso estranhíssima operação de manutenção da paz, através de gigantesco comboio de 270 caminhões russos, com duas mil toneladas de carga que atravessou a fronteira sem autorização do governo de Kiev. Cerca de 35 veículos foram vistoriados, e o governo Poroshenko considerou a ação uma invasão de seu território, mas declarou que não atacaria o comboio  para não “cair em provocações”. Segundo o Kremlin, a carga é de alimentos, geradores elétricos, sacos de dormir e outros produtos.

          A respeito desse cortejo de caminhões com ajuda alegadamente humanitária, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha afirmou que “tomou todas as medidas administrativas para a passagem do comboio.”  Essa conceituada organização internacional afirmou, contudo, que não acompanharia a operação, porque a segurança de seu pessoal não foi garantida.

           Segundo a Rússia, voluntários da Cruz Vermelha do país trabalharão na distribuição da ajuda.

           Sem embargo, diante da instrumentalização pelo Governo da Rússia de operações de assistência humanitária – como ocorreu na invasão e ocupação da península da Crimeia – a menos de vistoriar os 270 caminhões russos, seria rematada leviandade asseverar que é de todo pacífica a carga do comboio.

 

( Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo, The New York Times )

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