domingo, 10 de agosto de 2014

Colcha de Retalhos B 31

                                          

Reação americana no Iraque

 
          Conforme assinalado no blog de ontem (Vária III), o Presidente Barack Obama autorizou ataques de caças americanos – e de drones – contra a ofensiva do chamado Isis.  Essa força foi gestada pela guerra civil na Síria. A atual indefinição naquele país tem favorecido ao tirano Bashar al-Assad, que recentemente pôde encenar a sua reeleição, o que seria impensável há uns meses atrás.

          A virtual ressurreição de Bashar – que deve muito à recusa do presidente estadunidense (malgrado para tanto aconselhado pelos quatro então chefes do estamento de defesa) de melhor armar a liga de defesa síria reconhecida pela Liga Árabe – tem provocado muitos fenômenos nocivos, como o surto de poliomielite, criminosamente facilitado pelo ditador nas áreas sob controle rebelde, e não por último a formação do ISIS.

          Este grupamento, de que participa Al Qaida e grupos similares, ambiciona formar um califado em parte da Síria e norte do Iraque. Não me deterei em considerações sobre o anacronismo de tal propósito, que se alicerça na intolerância de qualquer outro credo, que não seja o suposto primevo formato abraçado pelos mujahedin.

           No momento, essa formação que avança como faca em manteiga diante do arremedo de exército iraquiano ameaça a região autônoma curda e a sua capital Erbil. Os curdos dispõem, aliás,  dos chamados peshmerga, que é milícia melhor estruturada do que as formações militares do estado iraquiano.

           O atual desfazimento do Iraque é consequência do desastroso governo de Nouri al-Maliki. Ao invés de cuidar de recompor a rota tessitura iraquiana, Maliki age mais como chefe da comunidade xiita do que enquanto Primeiro Ministro do Iraque. Ao afrontar em toda oportunidade a parcela sunita do país, ele pensa quiçá privilegiar os seus companheiros de fé xiita. Em verdade, porém, com a cegueira associada à própria coerência, ara essa antiga terra com uma estulta anti-política.  Dessarte,  trata os sunitas jamais pensando na reconciliação, mas sempre  em prejudicá-los. 

            O resultado no Iraque não poderia ser outro. Ao semear o ódio,  Nouri al-Maliki – que junta ao pouco discernimento político, a inclinação para o autoritarismo – abre as portas da rebelião.

            É difícil determinar se as recentes reuniões com o Secretário de Estado John Kerry trarão algum discernimento a Maliki. Parece, à primeira vista, de discutível sensatez montar o governo futuro do Iraque sobre essa pedra.

            Quanto à intervenção de Obama com os seus caças e drones para deter o avanço da coluna do ISIS – que ameaça a região curda – o braço aéreo, sem dominar o terreno, é fator decerto importante, mas não necessariamente determinante para assegurar o controle territorial.

             Compreende-se a situação do presidente, forçado a intervir pela metade, por causa de argumentos bem conhecidos. As críticas por ele recebidas partem não só da oposição republicana – outra coisa não se poderia dela esperar – mas também de democratas. Nessa questão, com o desastroso precedente de George Bush Jr., semelham demasiado fáceis as reprimendas, embora nem sempre bem-avisadas e honestas.

           Basta colocar-se na posição do 44° Presidente, e se poderá entrever quão cômoda é a postura dos adversários, que, em tese, disporão sempre de argumento para verberar-lhe as iniciativas. Se nada fizer, e se os fanáticos islâmicos tudo levam de roldão, críticas acerbas à passividade presidencial; se age como agora, lhe jogam em rosto os passados compromissos e a decisão de retirar-se afinal da aventura iraquiana...     

 

Alteração de Perfis na Wikipedia

          Segundo noticia O Globo, com chamada em primeira página, após tentativa inicial de inviabilizar qualquer identificação dos responsáveis, alegando não ser possível  sinalizar que computadores alteraram os perfis de Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg na Wikipedia,  o Palácio do Planalto recuou.

           Haverá investigação do caso, por ordem da Presidente Dilma Rousseff, que determinou à Casa Civil verificar envolvimento do Planalto. Há repúdio bastante generalizado por entidades, da oposição e do próprio Ministro Gilberto Carvalho.

            O editorial do Globo de sábado refere, com muita oportunidade, que “Aloprados agora atacam do Planalto”.  A denominação, dada então pelo Presidente Lula aos que tinham encomendado dossiers contra a oposição, com vultosas quantias, toca sobretudo desta feita no nervo exposto de prevalecer-se do sítio da autoridade maior para proceder a emendas difamatórias nos perfis da Wikipedia.

            Não se deve confundir o pleno uso da internet para a difusão publicitária dos projetos do Partido dos Trabalhadores  com uma ‘atuação criminosa na rede de computadores a serviço de interesses partidários.’

            Presume-se que a saída – ou melhor, escapada – dos envolvidos no episódio estaria na pretensa impossibilidade de localizar registros dos acessos, para a identificação do(s) culpado(s).

            Como sublinha o editorial de O Globo, há (no mínimo) controvérsias. “Técnicos garantem que as informações podem ser resgatadas dos servidores do Palácio. E, se lá não estiverem, a identidade de quem as retirou terá ficado gravada”.

 

Eleição Presidencial Turca

 
             Hoje se realiza na Turquia a eleição para Presidente da República. Anteriormente, o Chefe de Estado era escolhido pelo Parlamento e dispunha de funções mais de representação, como ainda é o parâmetro do Presidente italiano e na Terceira República constituía a regra do presidente francês. Apenas na escolha do Primeiro Ministro o mandatário francês tinha poder, e no mais, inaugurava exposições florais e similares, na famosa expressão de inaugurer les chrysanthèmes [1]. A única exceção dessa prática coube ao presidente da 3ª  República Raymond Poincaré (1913-1920), que pela manipulação da prerrogativa constitucional de indicar o Primeiro Ministro, pôde valer-se de influência bem além do caráter cerimonial do cargo.

            Voltando ao pleito turco, surpreende que Recep Tayyip Erdogan seja considerado favorito para essa eleição. A despeito das críticas recebidas pelo autoritarismo e a censura à internet e à imprensa – o que lhe valeu atravessar verdadeiro inferno austral há uns meses atrás (acusações de violência policial, de corrupção, com alegada aceitação de subornos junto com um dos filhos, sem falar de censura à imprensa e à internet) – Erdogan tem possibilidade de ganhar já no primeiro turno.

              Se tal não ocorrer, o provável adversário no segundo turno será Ekmeleddin Ihsanoglu, que tem o apoio da maioria das oposições.

               Erdogan, se não reflete o sentir das camadas mais progressistas e democráticas, conta com o apoio da maioria sunita da área rural. Essa gente de parca educação, por tradição nacionalista e conservadora, o vê como representante desses valores.  Será através dessas camadas da Turquia profunda – que não estão confortáveis com as atitudes progressistas e liberais dos grandes centros (de onde saíram as maiores contestações ao domínio de Erdogan) – que semelha garantido o triunfo um tanto anticlimático de Recep Erdogan.

 

(Fontes:  O Globo, Folha de S. Paulo)



[1] Inaugurar exposições florais de crisântemos, i.e., exercer funções meramente decorativas.

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