É difícil
determinar até que ponto o Presidente Vladimir V. Putin quer ir
na sua campanha de baixa intensidade
contra a Ucrânia. Como se vivesse em um mundo em que inexistisse direito
internacional, em que o respeito às fronteiras constitui norma comezinha da lei
das gentes, o presidente de todas as Rússias continua a agir de forma
esquizofrênica, pairando em esfera que ele pensa sua, a qual em princípio deve
permitir-lhe responder aos telefonemas de autoridades de vizinhos países
europeus – como a Chanceler Angela Merkel - que porventura lhe peçam explicações
sobre as repetidas incursões de seu exército na Ucrânia oriental.
Com o nível
de seu respeito à verdade, não semelha difícil que a gospodin Putin acudam
desculpas verossímeis, que possam envolver com uma esgarçada tela as contínuas
incursões de seu exército em terras ucranianas.
No passado,
existiam os chamados kremlinologistas,
que eram jornalistas estudiosos do mundo soviético e, em particular, de sua
instância colegial de governo. Não era, decerto, ciência exata, e muita vez as
suas ilações sobre a posição e a influência dos membros do Politburo – que era a mais alta expressão do poder soviético –
tinham de sustentar-se na ordem de colocação, sobre o monumento da Praça
Vermelha, dos gerarcas soviéticos, na ritual assistência aos desfiles do
Exército Vermelho, nas suas grandes datas.
Na
encolhida Rússia da atualidade, talvez a principal preocupação de seu
Presidente, estaria na afirmação do respectivo poder internacional. Até hoje
Putin guardaria rancor acerca da maneira com que se tratava o seu predecessor Boris Ieltsin, e a não suficiente
deferência prestada pelo Ocidente à nova Rússia, saída do inusitado fenômeno da
autodissolução da superpotência União Soviética.
Não é de
hoje que a Rússia de Putin brinca de gato e rato com os seus vizinhos menores,
como foi no caso da Geórgia do Sul e da Abkazia do Sul. No entanto, George
Bush
Jr. sofreu na carne a passageira ilusão de que, enquanto superpotência,
os Estados Unidos poderiam exercer alguma influência para impedir que o chamado
modelo imperialista século XIX pudesse ser empregado impunemente por Moscou.
Não tardou
muito para que o 43º presidente
americano se desse conta das tristes condições que pairam sobre os estados
colindantes com o urso do Kremlin. Já o 44º
Presidente,
Barack H. Obama, pode chamar a Federação Russa de potência regional – ali o jurista Obama sabe que toca em nervo à
flor da pele de Putin – porque o que o antigo membro do Grupo dos Oito (dele afastado justamente pelas tropelias contra a
Ucrânia) mais anseia é voltar a ter
posição similar à da extinta URSS.
Se a
Rússia é ainda o país mais extenso do planeta, a dissolução pacífica de 1992 a
fez perder muito território – como as repúblicas do Báltico, e as suas vizinhas
da Sibéria – mas conservou o assento permanente no Conselho de Segurança das
Nações Unidas e a capacidade de influenciar as antigas repúblicas soviéticas.
Se ainda
por cima dispõe de considerável arsenal termonuclear, e a possibilidade de
alimentar fumaças da chamada doutrina eurasiana (sob o corte do eclético
alfaiate Putin, com suas pretensões de hegemonia a que servem fazendas de
direita e esquerda). Esqueceu-me dizer que o braço do ex-KGB também alcança o
acrônimo BRICS...
Como
já foi dito neste blog – e mais de
uma vez – gospodin Vladimir Putin admira il
Duce, aquele que inventou o Estado fascista, e que, à distância, lhe
ensinou alguns truques como o do torso nu, na batalha do trigo, e o gosto tão
italiano da encenação.
Nesse contexto, na internet tropecei em uma assertiva do presidente
russo que me parece importante, na medida em que lhe desnuda o pensamento (mas
também as próprias limitações).
Disse
o Presidente: “Quero lembrar que a Rússia é uma das nações nucleares mais
poderosas. Isto é a realidade e não somente palavras. Não se metam com a Rússia
(don’t mess up)”.
Não
há negar que, por tal circunstância, o presidente russo reivindica respeito. Dá
a impressão, outrossim, de alguém que julga merecer mais atenção do que aquela
que vem recebendo. Se não se pode duvidar do poder inerente às armas nucleares,
dadas as suas implicações de destruição, na verdade esse poder é muito mais
deterrente do que pro-ativo (dadas as impensáveis consequências de seu
uso). Em outras palavras, como
instrumento de política esse arsenal se afigura bastante limitado em termos de
uso.
Até o presente, o acosso da Ucrânia
não tem custado demasiado à economia russa. São sabidas as limitações de sua
economia. Até o momento as sanções do Ocidente podem ter incomodado Moscou, mas
não são de molde a induzir o invasor russo a recuar.
O
presidente Petro Poroshenko tem continuado a encontrar-se com quem
instrumentaliza o acosso de seu país, com o provável escopo de apoderar-se de
mais uma fatia de território ucraniano. Nada foi dito pelo governo de Kiev
quanto a uma estratégia de reação na Ucrânia oriental e de eventual recuperação
da Crimeia.
O Kremlin vem forçando a
Ucrânia a batalhar em duas frentes, uma contra forças separatistas pró-Rússia (Donetsk e Luhansk) e a outra, em Novoazovsk,
contra coluna entre quatro mil e cinco mil de militares russos. O escopo dessa última incursão – fica a 20 km
da fronteira e a sudeste de Donetsk – seria a de minorar o ataque das forças de
Kiev contra o bolsão de Donetsk.
Caso não baste essa incursão no sul da Ucrânia, se prevê o recurso a
um exército russo com vinte mil homens
na fronteira. Nesse contexto, é
importante a declaração do Secretário-Geral
da NATO, Anders Fogh Rasmussen: “Fique claro que tropas russas e
equipamento ilegalmente atravessaram a fronteira na Ucrânia leste e sudeste.
Malgrado os desmentidos sem consistência, a real intenção
é desestabilizar a Ucrânia como país independente e soberano.”
Pode-se dizer que a Ucrânia está sendo ‘castigada’ pelo atrevimento de
escorraçar o quisling Viktor Yanukovych – que cancelara a assinatura do pacto
com a União Europeia – através da revolta da Praça Maidan. Como o escopo do então presidente ucraniano
era fazer a Ucrania parte da União Aduaneira Russa, a agressão sistemática contra a Ucrânia, nas
suas províncias orientais, faz parte de um programa de desestabilização desse
país, com o escopo de transformá-lo em algo similar à Bielo-Rússia.
( Fonte: CNN )
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